"A situação europeia está a suscitar uma preocupação crescente porque a crise económica global está a revelar de forma dramática as limitações e as fraquezas da União Europeia
(...)
Hoje a Europa dispõe de uma moeda comum e de um Banco Central Europeu que se revelaram uma verdadeira fortaleza na defesa da estabilidade monetária durante a crise financeira. Qualquer enfraquecimento destas duas instituições provocaria danos muito graves ao interesse comum europeu. Mas o comportamento dos governos nacionais nos últimos meses levanta grandes dúvidas sobre se realmente vêem as coisas desta forma.
Quanto mais a crise se prolonga, mais se torna óbvio que o euro e BCE não chegam para defender o mercado único e a integração europeia. Sem políticas económicas e financeiras comuns ou, pelo menos, coordenadas entre os países da zona euro, a coesão da moeda única e da própria UE - incluindo a sua própria existência - correm um perigo sem precedentes.
A crise afectou o mundo inteiro. Mas há diferenças significativas e desequilíbrios económicos dentro da UE e dentro da zona euro que se traduzem, por exemplo, por taxas de juro crescentemente divergentes. A confiança na Itália, Espanha, Irlanda, Portugal e Grécia está a desaparecer rapidamente, enquanto as economias mais fortes da Europa do Norte estão a sair-se melhor, embora também em situação muito difícil.
Se isto continuar, podendo inclusivamente levar ao fim dos critérios de Maastricht e alimentado o proteccionismo nacional através dos subsídios às indústrias, o euro será fortemente afectado. É fácil de imaginar o que o fracasso do euro significaria para a União Europeia: um desastre de proporções históricas.
Além disso, os novos Estados-membros da Europa de Leste, que não têm nem a solidez económica nem a estabilidade política dos membros mais antigos, estão a mergulhar na crise a grande velocidade. Tendo em conta a exposição de vários países da zona euro, como a Áustria, esta crise afectará também directamente o euro. Esperar para ver é, pois, a pior estratégia. Não há razões para acreditar que a crise económica mundial já bateu no fundo.
Partindo, portanto, do princípio de que continuará a agravar-se, a Europa vai confrontar-se rapidamente com uma alternativa sombria: ou as economias mais ricas e estáveis do Norte - e, em primeiro lugar, a Alemanha, que é a maior - se decidem a utilizar os seus recursos financeiros mais abundantes para ir em socorro das economias mais fracas da zona euro, ou o euro estará em risco e, com ele, todo o projecto de integração europeia.
Então, por que não introduzir rapidamente novos instrumentos, como os “eurobonds”, ou criar um mecanismo europeu comparável ao FMI? Fazê-lo teria um preço alto, sobretudo para a Alemanha e, por isso, não seria popular, mas as alternativas têm todas elas um preço muito mais alto; além de que não são sequer opções políticas sérias.
Institucionalmente, já não há volta a dar à necessidade de um “governo económico europeu” ou uma forma de “cooperação económica avançada” (ou o que lhe quiserem chamar), que poderia ser posta em prática informalmente, sem qualquer necessidade de alterar os tratados.
Infelizmente, já se tornou evidente que o motor franco-alemão, que é crucial para que a UE possa agir unida, está momentaneamente bloqueado. A retórica sugere que a França e a Alemanha têm imenso em comum, mas os factos dizem absolutamente o contrário.
Em quase todos os aspectos estratégicos da gestão europeia da crise, a Alemanha e a França estão a bloquear-se uma à outra - embora, ironicamente, estejam ambas a fazer mais ou menos a mesma coisa. Estão a pensar acima de tudo em si próprias e não na Europa, o que significa que a deixam sem liderança...
A Europa foi e é o compromisso institucionalizado e deve continuar a sê-lo agora que estamos mergulhados nesta crise económica global. Se a França e a Alemanha não conseguirem resolver rapidamente as suas diferenças e encontrar uma resposta estratégica para a crise, isso afectá-las-á fortemente e afectará a Europa, no seu conjunto”.
(...)
JOSCHKA FISCHER – antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros Alemão – antigo líder dos “Verdes"- in "Público" de 01.03.09
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Compreende-se o dramatismo do apelo, sobretudo face ao eminente colapso da economia dos países do leste. Mas para além de salvarem bancos e empresas, as maiores potências europeias estarão também dispostas a salvar Estados inteiros, seus parceiros na União Europeia?!...
Veremos, como diz o cego!
terça-feira, março 03, 2009
A Europa em marcha-atrás ...
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17 comentários:
Herético
É muito preocupante o que se está a passar. É uma crise funda e o problema, em meu entender, não está apenas nos riscos apontados pelo JOSCHKA FISCHER mas sim nas dificuldades imensas das populações em resistirem a tanto desemprego e falta de bens essenciais.
Abraço
Ouviremos -muitas promessas- como diz o surdo...
Abraço
é o resultado
profundo
do neo liberalismo.........
como já falharam todas as ideologia,
como falharam as religiões
como falharam as éticas, o humanismo e as dignidades.......
creio
creio mesmo
que é o estertor da civilização ocidental (dita judaico-cristã).
longos tempos de anarquia, carências e desumanidades nos esperam,
por cá..................
não tenho , infelizmente, a menor dúvida..................
Bom...
Será que um dia destes vou poder comprar qualquer coisa com uns escudos que ficaram por trocar por euros?
Um abraço.
Vital Moreira
antes de ser candidato
dizia que o tratado de lisboa
se fosse a referendo
não passava
Estamos a viver um momento Historicamente preocupante. Quem sabe se não é uma viragem...
beijos
Mas existe ainda - se é que alguma vez exitiu - União Europeia?!...
Tem um bom dia.
Caro Herético,
Já não há "velocidades" que cheguem para esta UE. (Se é que alguma vez houve... digo eu).
Abraço,
Alvarez
"Mas para além de salvarem bancos e empresas, as maiores potências europeias estarão também dispostas a salvar Estados inteiros, seus parceiros na União Europeia?!..."
Duvidas muitas. As minhas, caro Herético, sobre as "boas intenções" das grandes potências. Em determinados momentos, “queremos acreditar” que são entidades anónimas, de responsabilidade L.da. Não são. São monstros com cabeças de líderes acéfalos. E esses têm outros valores a zelar: os de ordem económica, leia-se fideicomissária, acima de todos os outros. Mas isso é a minha modesta opinião. E eu tenho a mente "deformada" pela mania de gostar de poesia. Uma chatice, nos tempos correntes.
Já dizia Octávio Paz: "Se os líderes fossem poetas, seriam mais sábios." Mas, em regra não são! Lamentavelmente.
Abraço fraterno
Mel
Isto está complicado...
A visão parece-me de um tecnocrata que não tem uma solução para apontar.
E ninguém tem, pois o somatório do que cada Estado está a fazer, onde a semelhança é óbvia, terá resultados ainda não previsíveis.
O que é certo é que o nível de vida dos países mais ricos era sustentado pela especulação económica e financeira. E ninguém sabe como crescer sem essa especulação. Ou antes, o crescimento é possível, mas sem a especulação vai demorar mais tempo e será muito suave...
Mas parece que o poder instituido a nível mundial deseja ardementemente o regresso à especulação.
Esperemos...
Abraço.
Ando numa fase de grande cepticismo, a crise é profunda e com muitas frentes.
A ver vamos, como tu dizes e o cehgo também.
infelizmente parece que, quanto mais se torna necessária uma acção concertada, mais existe a tendência para cada um tentar defender os seus interesses. e assim nos podemos afundar todos.
beijos
Não é que tenha vocação para Cassandra, mas acredito que o velho Marx estava certo:
"Os donos do capital vão estimular a classe trabalhadora a comprar bens caros, casas e tecnologia, fazendo-os dever cada
vez mais, até que se torne insuportável. O débito não pago levará os bancos à falência, que terão que ser nacionalizados pelo Estado"
Karl Marx, in Das Kapital, 1867.
Uma abraço, e deixe a barba de molho!
Nada de bom anda no ar nem no chão das decisões!
:))
as crises mundiais são ciclicas, tanto quanto sei (não sou crack em história) e pelo que me foi dado estudar dessas crises também resultou sempre um desenvolvimento consideravel e muitas vezes uma nova reestruturação organizacional. espero (acredito) que o mesmo acontecerá agora (provavelmente já cá não estarei para o ver...)
acuidade que arrepia e nos faz pensar...faz falta o princípio do primado da política na sua acepção mais nobre...mas esta quebra.se como banana.
abraços
A aflição liberal, os combates antigos.
Assustador cada dia, nem que nos mostrem à exaustão "excêntricos todas as semanas". Porque penso mais nos "fanáticos do capital" toda a vida. Sendo que a vida são meia dúzia de décadas.
E seria preciso encontrar o homem novo.
Abçs
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