O Governo assinou, a 30 de Junho de 2009, em nome do Estado Português, um instrumento diplomático, designado por “Acordo entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para reforçar a cooperação no domínio da prevenção e do combate ao crime”.
Não se sabe, se do assunto, o Governo deu cavaco (literalmente) ao Presidente da República. Presumo, aliás, que tratando-se, como se trata, de matéria de defesa direitos fundamentais e da soberania do País seja expectável que tal matéria não mereça a atenção da agenda para “magistratura activa” do novel Presidente, por certo, digerindo ainda as agruras da campanha eleitoral.
O que sabe, de ciência certa, através da Assembleia da República, onde uma aguerrida deputada confrontou o 1º Ministro e, preto no branco, afirmou que tal acordo seria clandestino, pois que elaborado e aprovado à revelia daquele órgão de soberania.
Evidente que a deputada, representante de uma força política ultra minoritária, ficou sem resposta governamental, ou melhor, o 1º Ministro respondeu com insuportável desdém, refugiando-se numa qualquer especiosa regra regimental, que lhe concede a prorrogativa de responder apenas aos temas matéria de debate e descartar quaisquer outros.
Assim foi, na mais absoluta desfaçatez. Como se o “clandestino” Acordo com os EUA, não incidisse sobre matéria de direitos fundamentais (logo da competência da AR) e fossem meros peanuts, que se afastam com um piparote, coisa menor, portanto, sem relevância ou significado político.
E tudo dito pelo 1º Ministro com aquela cara enjoada com que brinda os adversários políticos que ousam verdadeiramente defender o interesse nacional e quiçá, por isso mesmo, tão incómodos…
Porém, quer pelo conteúdo, quer pela oportunidade e pelo método, o designado “Acordo entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para reforçar a cooperação no domínio da prevenção e do combate ao crime”, bem merece, não apenas discussão na Assembleia da República, mas o firme protesto e denúncia dos cidadãos, já que tal matéria contende com os mais elementares direitos de cidadania.
Não sou quem o diz. Louvo-me no Parecer n.º 10 /201, da Comissão Nacional de Protecção de Dados, cuja leitura vivamente recomendo.
Desde logo, faz notar a CNPD que o Acordo não foi sujeito a consulta prévia daquela Comissâo, conforme dispõe a Lei de Protecção de Dados. E, como tal, não foi possível (…)”tomar em consideração a opinião da entidade especificamente incumbida de se pronunciar sobre quaisquer instrumentos internacionais em negociação que envolvam, total ou parcialmente, o tratamento de dados pessoais”.
Acresce que, no âmbito da União Europeia, estão em curso procedimentos preparatórios da negociação com os EUA de um Acordo-Quadro, relativo à protecção de dados pessoais. “Cabe, pois, ponderar – refere a Comissão – “se tem sentido pôr em aplicação o presente Acordo bilateral entre Portugal e os EUA, quando está em preparação um Acordo-Quadro entre a UE e os EUA, tendente a emanar regras gerais vinculativas, norteadoras dos acordos específicos entre os Estados-Membros e os EUA.”
Não admira pois que, das suas conclusões demolidoras, se extraia do Parecer, que não fará sentido aplicar Acordo bilateral. Ou que o Acordo não contempla as necessárias garantias exigidas pela lei nacional e pela legislação europeia para a transferência de dados pessoais, a fim de suprir a falta de um nível de protecção adequado nos EUA.
And last, but not the least, que “não é salvaguardada a possibilidade de os dados transmitidos aos EUA não serem utilizados em procedimentos conducentes à pena de morte, prisão perpétua ou prisão indeterminada”.
Por entre a euforia das praças da Liberdade, assim vai a Democracia portuguesa!...
Parecer: http://multimedia.iol.pt/backoffice/oratvi/multimedia/doc/id/13382747//9
Parecer: http://multimedia.iol.pt/backoffice/oratvi/multimedia/doc/id/13382747//9
6 comentários:
Mas só pela alegria de a filha ter tirado uma foto com Obama, vale a pena a subserviência e a estupidez de Amado!!!
Porém a responsabilidade também é da nossa apatia...
“se tem sentido pôr em aplicação o presente Acordo bilateral entre Portugal e os EUA, quando está em preparação um Acordo-Quadro entre a UE e os EUA, tendente a emanar regras gerais vinculativas, norteadoras dos acordos específicos entre os Estados-Membros e os EUA.”
Esclarecedor!
A democracia portuguesa vai mal mas é dentro dela que temos que resolver os nossos problemas. Quanto a esse acordo que eu desconhecia começo a interrogar-me quem tem culpa disto tudo... Todos sabemos a resposta.
Um beijo, amigo.
Só lamento que a CNPD não tenha sido tão incisiva com as gravações das conversas telefónicas e mensagens de correio electrónico a que estamos sujeitos. O acordo sabujado apenas se referia aos condenados, mas são cidadãos à mesma.
Abraço
Creio que não terá havido intenção, mas apenas precipitação na análise do acordo.
Ou nem isso, porque, quando a informação é dada, ninguém sabe se ela vai ter consequências ou não... como é que se pode garantir o que quer que seja com os americanos?
Faz-me confusão...
Porque, mesmo que o acordo tenha essa ressalva, nós não conseguimos controlar o processo, que pode ser 5, 10 ou mais anos depois da informação prestada.
Para além disso, as informações são misturadas com outras informações... que dão origem a investigações e a meios de prova...
Ou seja, em tese, uma pessoa pode ser condenada à morte, porque o ministério público americano pode sempre alegar que não usou a informação específica que demos.
Enfim, não sou jurista...
Um abraço.
Soberana
só a nossa divida
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