Cavaco Silva, cuja coragem física é proverbial (os alunos que, na crise académica de 1969, frequentavam o ISCEF, na velha escola da Rua do Quelhas, sabem disso), encheu o peito de ar e, numa cerimónia a cheirar a ranço, vem como Presidente da República, porventura inflamado da sua proclamada “magistratura activa”, apelar aos jovens “deste tempo” para se empenharem com a mesma determinação com que os militares que, há 50 anos, participaram “na guerra do Ultramar”.
Diz Sua Excelência – cito os jornais – que não existe “causa maior” que os combates ao “serviço da Nação” que é necessário continuar a travar para “promover um futuro mais justo, mais seguro e próspero”.
Diz isso em voz de falsete, em claro propósito de branqueamento da guerra colonial que, no léxico político do Presidente da República, se degrada no léxico fascista de “guerra do Ultramar” e a repressão dos povos das colónias como “serviço da Nação” .
É evidente que a memória dos homens é curta e que a generosa democracia portuguesa desguarneceu a componente pedagógica; por isso, é bem possível que a juventude a que o Presidente apela, confrontada como está com as dificuldades actuais, pouco se importe com a guerra, que há 50 anos decepou sonhos e provocou milhares de mortos e estropiados, em sucessivas gerações de jovens portugueses.
Fui um dos milhares de jovens que, naquele tempo sombrio, foi obrigado a enfileirar na guerra colonial, interrompendo a frequência de um curso superior e que, nas “bolanhas” da Guiné, durante dois longos anos, sofreu as agruras de uma guerra injusta e injustificável. E, se é certo que dela saí sem um arranhão ou trauma, não me orgulho do que presenciei – dos mortos e dos estropiados, das colheitas destruídas, das tabancas incendiadas, das mulheres violadas, dos velhos fuzilados ou das crianças assassinadas.
Como também fui testemunha de actos de verdadeira cobardia e jogos de empurra para safar a pele, entre a casta superior do exército, que nada honraram o escalão superior das forças armadas portuguesas. Felizmente, que os jovens capitães e o “Movimento das Forças Armadas” nos vieram redimir, às Forças Armadas e à sociedade no seu todo, da injustiça da guerra e do opróbrio do regime fascista.
E esse exemplo, sim, deveria ser apontado à juventude! O exemplo daqueles que, nas mais difíceis condições, arrostando perigos sem conta, se bateram, ao longo de gerações, para que Portugal se libertasse dos grilhões da guerra e da opressão. Cujos anseios os “jovens capitães”, souberam interpretar com a gesta libertadora de 25 Abril de 1974.
Como bem faz notar o poeta da “Praça da Canção”, (Manuel Alegre - DN – 17 de Março), a Constituição da República Portuguesa, que Cavaco Silva jurou, mais uma vez, recentemente, respeitar e fazer respeitar “nasceu da luta contra a ditadura e a guerra colonial” e que afirmar ou sugerir o contrário, será fazer “revisão da História”.
Na mesma linha de indignação também um prestigiado militar de Abril (Pezarat Correia): “do discurso Presidente fica por grande ambiguidade, que parece extremamente censurável e pouco pedagógica: dá a entender que era uma guerra justa”. E acrescenta que os termos em que elogiou a forma como a guerra foi conduzida “está a louvar a política da guerra” e o regime que a declarou…
Sob o sofisma de um apelo aos “jovens deste tempo”, o Presidente da República fez, com acinte, uma afronta gratuita à geração que foi obrigada a fazer a guerra colonial. E, mais grave ainda, colocou-se fora do regime democrático implantado com o 25 de Abril de 1974.
Neste jogo de sombras, que a crise económica e social (e política como se anuncia) faz tombar sobre a sociedade portuguesa, é caso para nos interrogarmos o que faz correr Cavaco Silva…
2 comentários:
O mesmo de sempre.
O sujeito é adepto da lei do mais forte,
mantém um sentimento colonialista,
e acha que é legítimo explorar os fracos.
Um forte abraço
Não esqueças que ele foi voluntariamente à PIDE declarar por escrito que estava bem integrado no regime. Eu tive a sorte de ficar numa especialidade que não dava mobilização, mas durante 42 meses passaram-me pelas mãos centenas de nomes de mortos para publicar na "Ordem do Dia".
Abraço
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