terça-feira, fevereiro 21, 2012

NO CARNAVAL NINGUÉM LEVARÁ A MAL...


Vocês lembram-se do meu amigo Zeca? Sim, esse mesmo, o alentejano de Beja, solteirão impenitente e protector de donzelas desvalidas. Como esporadicamente vos vou dando notícia, o meu amigo Zeca encontra-se já há uns tempos “retirado da vida”, como ele, num suspiro, faz questão acentuar, passando os dedos pela papeira dos olhos, ou alargando a mão à calvície luzidia...

Quanto à profissão, bah! – o Zeca está sem pachorra para aturar cretinices e favores políticos. E quanto a saias, o meu amigo, enfaticamente, reclama que durante toda a vida as “mulheres lhe foram comer à mão” e que não será,  agora, portanto, “que irá arranjar jeito para ser cabide”, seja lá o que for que em seu léxico, o morfema “cabide” possa significar...

De forma, que administrando, os réditos de uma carreira de “consultor” na área financeira, com altos e baixos, mas relativamente bem-sucedida, aí temos o meu amigo, do alto do seu apartamento debruçado sobre o Tejo, a desfrutar os prazeres que este inverno soalheiro lhe vai proporcionando, alargando-se em amplos passeios à beira rio, com um poderoso “labrador” pela trela...

Fora isso, apenas a cozinha, em que se esmera e sublima sabe-se lá que desejos... E o charuto e o conhaque, claro, com que obsequia os amigos depois de suculenta refeição, seleccionadas, em cada caso – sei-o agora – em função dos gostos culinários de seus amigos. O prazer da partilha e da amizade é tão genuíno no Zeca, que o leva a este requinte de sensibilidade...

Há escassos dias fui um dos seus comensais. Éramos quatro pândegos, de papilas gustativas bem afeitas (e afoitas) a paladares intensos, à volta de uma esplendorosa terrina com arroz de lampreia, escorrendo com seu molho espesso e cremoso, pelas gargantas, depois de bem degustados os pedaços, que o Zeca, com mão sábia, sabe temperar...

“Manjar de anjos”, lhe chamaria Eça fosse dar-se o caso de gostar de lampreia e merecer, naturalmente, a honra de um convite do meu amigo Zeca...

Isto para vos dizer, que foi uma tarde à maneira antiga. Na lassidão dos conhaques prosseguiu a revisitação do roteiro nossos “pequenos ódios de estimação”, zurzindo as figurinhas e figurões que assombram o quotidiano dos portugueses. E, depois de alguns momentos de beatífico voo nos espirituosos vapores do álcool, eis que alguém traz, inesperadamente, o incontornável Eduardo Catroga, agora de novo em voga com a saga da privatização da EDP.

O torpor, porém, era manifesto e a “intromissão” não mereceu mais que uma pilhéria deslavada a propósito do alegado “tamanho” dos chineses e da roliça compleição física do dito Catroga.

Não sei se motivado pelo esforço de vencer a sonolência colectiva, se obedecendo à pulsão irresistível de sempre acicatar o Zeca, segurei o fio da conversa e jogando com a figura anafada de meu amigo, lancei para a turba:

- “Para além de economistas, aliás distintos, o Catroga e o Zeca estão a ficar cada vez mais parecidos, quase dois irmãos gémeos, não vos parece”?! ...”

O semi-sorriso de meus amigos, deixava prever “sangue”. Entrei, por isso, a fundo e acentuei a ironia: - “Se lhe oferecermos um capachinho com a melena branca do Catroga, o Zeca bem pode funcionar como seu duplo, nos transes de maior risco do chairman da EDP”...

E, perante a gargalhada já solta dos circunstantes, afoitei-me mais um pouco: “Quem sabe se com o seu fenomenal currículo o Zeca não poderia dar contributo desinteressado para a baixa generalizada dos preços da energia e a integral realização do sósia, massajando os insignes joanetes da senhora sua esposa?

Como, por certo, compreenderão, mais que a figurinha congestionada do Catroga, esta excessiva graçola tinha outro alcance, a que apenas iniciados têm acesso. Visava, como alguns recordarão, circunstâncias antigas em que meu amigo Zeca, então promissor quadro de uma empresa pública, esteve à beirinha de “ter uma boa vida”, não fora uma senhora que “andava a pedi-las”, os incómodos joanetes e os sapatos apertados de uma zelosa sogra.(aqui).

Não fora este lance de má sorte, o Zeca seria hoje chairman de uma qualquer empresa pública em vias de privatização, quiçá destronando o próprio Catroga. Claro que a partir dessa data, o Zeca passou a odiar sogras, joanetes e sapatos apertados...

Enfim, tempos passados que apenas uma mente perversa iria agora desenterrar...

O Zeca, porém, não desarmou. E com a condescendência com que a sua impoluta amizade sempre suportou as minhas impertinências, fixou-me com olhar irónico e atirou-me, arrasador:

- “Tu estás calado e calas-te!... Sei onde queres chegar. Mas como nunca na vida “comeste” nada de jeito (o que é manifesto exagero do Zeca) não tens autoridade para gozar com meus fracassos”...

E, perante a gargalhada geral, continuou: - “E, fica sabendo, que o Catroga não tem pintelhos que cheguem aos meus, quanto mais tomates...”

Foi o delírio. E todos em coro: “Ó Zeca, ó Zeca, tu não sejas megalómano, pá! Os pintelhos do Catroga são celebérrimos - foram notícia de abertura dos telejornais, avaliados e dissecados em comentário político e, ao que parece agora até chegaram à China. Os pintelhos do Catroga são únicos, pá...”

Por momentos pressenti o Zeca embaraço, mas breve se recompôs: - “Vocês estão enganados. O Catroga tem “pentelhos”! Pintelhos tenho eu e espero que vocês... Os gajos nem sabem do que falam...

Embasbacamos! O Zeca avança então douta elucubração sobre os pêlos púberes, arrancando do negrume da ignorância a centelha da clarividência. Afinal os celebrados pelinhos vão buscar, ainda que indirectamente, a sua consagrada designação – imaginem! -  aos mistérios de Baco e ... ao vinho!

O Zeca não tem dúvidas. Diz-se “pintelho” e não “pentelho”, pois a palavra vai buscar o sentido ao “pintar” do bago das uvas, antes da completa maturação. Frutos precoces, portanto, a que o povo, na sua criatividade associa a puberdade e os inocentes pelinhos...

Enfim, “pintelhices” do Zeca, que agora trazem novo problema aos seus amigos! Não sabemos ao certo se devemos propô-lo a Presidente da Comissão do Acordo Ortográfico, se a membro da Academia de Ciências, na classe de letras, está bem de ver...

Que vos parece? ...   







  




6 comentários:

lino disse...

Presidente da República, que o que lá está nem tomates tem, quanto mais pentelhos!
Abraço

Nota: pintelho é uma espécie de pintasilgo (puffinus obscurus).

Rogério G.V. Pereira disse...

Que me parece? É pá, fiquei com a boca em água por falares em lampreiada.
O resto? O resto é semântica...

O Puma disse...

Excelente texto com um catroga que não merece os "trocos" que aufere
uma excrecência acoelhada

Manuel Veiga disse...

caro Rogério,

ainda bem que foste capaz de descortinar a "substância" da lampreia. dou por bem empregue meu tempo...

abraço

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

fui também ler o outro texto a que se refere o autor.

um excelente texto muito agradável de ler,que nos faz sorrir e que fica no ar a duvida do pintelho ou pentelho ou o que é que isso quer dizer (lo)

um beij

George Sand disse...

Fiz exactamente como a Piedade Araújo sol. Li a primeira parte do texto. E gostei desse estar à mesa de amigos.

  CADÊNCIAS ... 1. Enamoramento das palavras No interior do poema. E a subversão Do Mundo… 2. Cadências mudas. Em formação De concordâncias....