sexta-feira, janeiro 29, 2016
Encobre-se o Poeta em Seu Nome...
Encobre-se o
poeta em seu nome
E assim
emboscado
Recolhe a graça
E se faz Mar
E barco...
E se unge
E se alcança
Marinheiro...
Torna-viagem de
si próprio arde.
E na amurada do
sonho funde as rotas.
E todos os
mapas. E em todas as praias
Aporta.
Peregrino...
Em cada enseada
se derrama.
E em todas as
ilhas cativo.
E é mastro
altaneiro. E gávea.
E é o alvoroço
inaugural das ondas.
E o corpo em
flor de Nereide.
E o canto
enfeitiçado...
Tece em seu
diário a ortografia da viagem.
E o assombro. E
a vertigem.
E em registo
cifrado
Tabelião de
desacertos
Resguarda-se.
E desdizendo-se
se faz rota.
E do sangue
incendiado
Se faz Grito.
É companheiro de
brumas
E Argonauta de
todas as demandas.
E na Âncora em
que se acolhe
O prodigioso
dia!...
Manuel Veiga
quarta-feira, janeiro 27, 2016
Dias Amputados de Futuro...
Na implosão de
cravos
Apenas a raiz
Se finca
E a cor
Em bandeiras
Da fome…
Dias amputados
de Futuro
Nos trilhos do
Nada…
Descartáveis Auroras
De um tempo sem
fronteiras
Como chumbo…
E no arrepio da
dor
Uma memória
perfumada
Uma vertigem que
explode
Nos olhos…
E carnívora se
ergue nas bocas
Em apoteose de
flor sanguínea
No corpo
imaculado da Tragédia
Pronunciada…
Como cristal
aceso
Em noite de
facas…
Manuel Veiga
segunda-feira, janeiro 25, 2016
(Novas) NOTÍCIAS DE BABILÓNIA - I
Havia em Babilónia uma consigna – “O
povo é quem mais ordena!...”
Que explodia como uma canção nas ruas. E
na garganta dos babilónicos em momentos de euforia...
Hammurabi, o Grande Dissimulador, reveste-se da majestade do Direito e, mefistofélico, saboreando um
subtil veneno, captura a consigna: “O Povo é quem mais ordena!..” – proclama,
solene, do alto de sua vitória...
....................................................
E um velho escriba de olhar cansado de
tanto ver – “Depois da flor do Direito, a mão pesada da Ordem, se for o caso... Cautela, babilónicos – o Grande Dissimulador
disse ao que vinha...”
domingo, janeiro 24, 2016
quinta-feira, janeiro 21, 2016
GOTA A GOTA, O CALCÁRIO...
Gota a gota o
calcário na persistência da água
Inaudível música
a inundar o interior da pedra
Antes da
forma...
O furor das
catedrais são meus olhos
E as linhas que
precedem a condensação das horas
Ainda fluídas...
E os invisíveis
dedos no rosto das coisas
Que amadurecem
na vibração das tempestades
Adormecidas...
Nada é eterno.
Nem a voracidade das chamas.
Nem o colapso
dos gelos. Nem a sedimentação dos dias.
Nem o esplendor
de montanhas sagradas...
Apenas o vigor
de cada forma em novas formas.
E a infinita
permanência do Sol. E a precária vontade
Dos homens...
E o adejar do
poeta derretendo as asas...
Manuel Veiga
terça-feira, janeiro 19, 2016
ANTÓNIO ALMEIDA SANTOS
“Não tenho vergonha,
tenho orgulho. Não há descolonização má sem
colonização má!...” - afirmou Almeida
Santos, em 2006, numa visita a Maputo,
Moçambique.
domingo, janeiro 17, 2016
FRAGMENTOS XVI - A Saga do Assobio (ainda)
Pois é, Maria Adelaide, no parto da escrita, nem
sempre o óbvio é certeza, nem o percurso das palavras segue o carreiro, antes é
voo desgarrado, despenhadeiro de águas desconhecidas, ou aguilhão inesperado ou
gota de suor a encavalitar-se na fronte, de que não há maneira de fugir. Deixemos,
por isso, que as palavras fluam, sigam seu registo volátil, marcas desamparadas
e ténues que não resistem ao mais leve torpor, e nos encaminhemos, sem
resistência, conforme os desígnios ocultos desta “mão invisível” (não dos
mercados – hélas!) mas a mão que nos guia no entendimento das coisas e nos
desvenda, sob os diáfanos véus da palavra, o mais íntimo de nossas pulsões.
Aceitarás, por isso, embora a contragosto, que, em
vez da anunciada e crepitosa “Papa Alferes” e de sua tia, a narrativa siga seu
desordenado percurso e, em vez da virginal menina e da solicitude extremosa de sua
devota tia, ou de seus “afrontamentos” estampados no rosto, que vinham à
superfície, rompendo os cremes no ímpeto da empolgante missão de defesa do “tesouro”
familiar, trancado no mais intimo e secreto cofre, alvoroçado, porém, tal
tesouro, pelos “calores” húmidos da trigueira menina que, diga-se, o mesmo
secreto “tesouro” ficava um tanto ou quanto desguarnecido pelas suas
curtíssimas mini-saias e os opulentos seios, aceitarás, dizíamos, que em lugar
da menina Gertrudes, famosa “Papa Alferes” e sua tia, a narrativa venha
desembocar no “Bonanza”, cuja presença e desastrado equivoco na pastelaria da Rua
da Escola Politécnica, aliás, ao arrepio de tua nódoa negra e da decisão de teu
divórcio, tanto te perturbaram, bem assim como a familiaridade a que se
permitiu, sabendo nós que as distâncias sociais se medem pela sobranceria e
pela frieza de trato e não por aquele abraço de quebrar ossos de dois velhos
camaradas de armas, ainda que ele Alferes, na disponibilidade militar, e o “outro”
cabo radiotelegrafista “na peluda”, operário e “reguila alfacinha” que, qual
“samurai” dedicado, não apenas baptizou, como “adoptou” o nosso conhecido
“Assobio” e, quotidianamente, perante o mal disfarçado entusiasmo do Alferes,
então ainda “Aspirante”, e o monóculo caído de espanto do capitão Mascarenhas velou,
com desvelo fraterno, pela recuperação, como recruta, do “apoucalhado” amigo, agora irmão de armas.
Sem a resiliente acção do “Bonanza” e de seu grupo de reguilas
alfacinha do Bairro de Alcântara, jamais o “pobre de espírito”, que chegou à
recruta militar, com três dias de atraso, como encomenda extraviada e agora
ostentando o garboso nome de “Assobio” teria alcançado a suprema distinção de
servir na messe de oficiais, emoldurado, como um envelope lacrado, num libré
branca e dragonas vermelhas. Foram eles, o “Bonanza” e seus compinchas, que abriram
a gazua do desabrochar do “Assobio”, numa genuína troca de serviços, resgatada
da fatalidade dos Mercados e na qual a opinião dos economistas nada conta, ele,
pastor de ovelhas desde a mais tenra idade, esmerando-se no melhor de seu
talento de assobiador, imitando a passarada da Serra da Gardunha, na fruste
tentativa de constituir com os seus camaradas um naipe de brilhantes assobios e
eles, grupinho de reguilas alfacinhas, ensinado e treinando, treinado e
repetindo sempre, no tempo livre, ou à noite na caserna, como se a “construção”
do “Assobio” fora minuciosa execução de uma nova “composição tipográfica”,
tentando e repetindo, ensinando a mão esquerda e a mão direita, efectuando
vezes sem conta a “meia volta, volver!”, com toda a “cagança” da Cavalaria, o
“apresentar armas” ou a marcha em “ordem unida”, a aplicação da “solarina” no
brilho dos metais, a limpeza da velha Mauser e o afinar das correias na farda,
o brilho das botas e o uso do pente e do garfo e da colher, pois que militar de
cavalaria pode apresentar-se com mãos sujas, mas as botas e arreios devem
brilhar e cabelo, sem um milímetro que seja, fora do bivaque.
De tal ordem foi
profícua a acção resiliente do grupo de reguilas alfacinhas que, a breve
trecho, o “Assobio” enfileirava no pelotão como peça de um relógio devidamente
afinado.
Porém, não há “bela sem senão”! E em toda a humana
criação há sempre um “quid”, um quase-nada, um grão de areia, um sopro maligno,
um inesperado movimento, um capricho de Deus omnipresente e criador de todas as
coisas, uma falha da Natureza ou um amuo na fermentação do barro de que somos
feitos e o esplendor da obra perfeita decai no absurdo da mácula e da impureza
das formas! Que o diga o grupo de reguilas recrutas de Alcântara, com o "Bonanza" à cabeça, que na
realização da sua obra-prima e a fecunda transformação de um “apoucalhado”
pastor de ovelhas da Serra da Gardunha, que chegou ao quartel com três dias de
atraso como encomenda extraviada, claudicou como uma estátua sem forma. Para
que serve um soldado, carne para canhão na guerra colonial, se não consegue dar
um tiro?...
Assim o “Assobio”!... Finalmente, tão bom como os melhores, por obra
e graça do “Bonanza” e de seu séquito, na marcha, na parada, ou na ginástica de
“aplicação militar”, ou em quaisquer outras performances militares, o “Assobio”
revelou-se um colossal desastre na carreira de tiro. A cada “coice” da velha
Mausar no ombro, o “Assobio”, em cada disparo, largava a arma para tapar, com
as mãos, os ouvidos e, em cada estampido de bala, a espingarda para um lado e ele,
“apoucalhado” arvorado em “Assobio”, tombava para o outro, a tremer e espumar
como um danado, acometido de inesperada agitação física.
De nada valia, nem os
apelos angustiados do “Bonanza” e sua camarilha de reguilas, nem as palavras de
estímulo do Alferes, “aspirante” a oficial que então era, nem a infinita
solicitude dos “cabos milicianos”, futuros “furriéis”, posto em que seriam arvorados,
a dois dias de embarcarem para a Guiné, nem o monóculo caído e as sobrancelhas franzidas,
de dúvida, do capitão Mascarenhas, comandante da Companhia. Nada, absolutamente
nada, nem ameaças, nem promessas conseguiram resolver o conflito íntimo e
visceral do “Assobio” com as armas de fogo!
O “Assobio” era verdadeiramente incapaz de dar um
tiro!...
.........................................
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Mas que as Barcas façam seu curso! Deixemos o “Assobio” e sua saga. E regressemos a África.
Breve que seja!...
quinta-feira, janeiro 14, 2016
MORDENDO A CAUDA...
No pórtico da Lonjura
e da Distância
Onde a Palavra
germina – febre e fio de água!
E o grão de
areia explode – quase-nada!
E as esferas se
movem. Surdas.
Frias e eternas.
E absurdas em sua eternidade...
Nesse indefinido
lugar onde todos os possíveis
Se resgatam. E outros
tantos colapsam. Sem memória
Que nos diga. Nem
sobressalto que nos valha...
Nessa tensão
desesperada entre a euforia do Ser
E a neutra alvura
do Nada...
Nessa oculta
razão das coisas
Em que – dizem-me
– os deuses se recriam
Em interminável jogo
de dados...
Nessa tatuagem
dos dias
Em que apenas os
nomes são árvore...
Aí nesse fogo
sem lume
Esculpo minha
circunstância - de palavras e cinza!
E me digo. E desdigo - mordendo
a cauda!...
Manuel Veiga
domingo, janeiro 10, 2016
POEMA RIDÍCULO...
Desfolho a
pétala
Que o vaivém da
onda
Nega. Como se
fora
E não fora...
Sorvo o vento
No búzio do
tempo
Glória sem eco
Que me devora...
Alinho ternura
No arco sem
volta
De qualquer
procura...
Denso perfume
Que se acende em
lume
Na ilusão de
ser…
Ausência rola
Como se mágoa
fora
Fingindo não
ser...
Manuel Veiga
........................................................
Poema ridículo!... Como os amores de Pessoa?...
terça-feira, janeiro 05, 2016
ÁLVARO CAMPOS - "Dobrada à Moda do Porto..."
Um dia, num
restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o
amor como dobrada fria.
Disse
delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia
quente,
Que a dobrada (e
era à moda do Porto) nunca se come fria.
Impacientaram-se
comigo.
Nunca se pode
ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não
pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear
para toda a rua.
Quem sabe o que
isto quer dizer?
Eu não sei, e
foi comigo...
(Sei muito bem
que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou
público, ou do vizinho.
Sei muito bem
que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza
é de hoje).
Sei isso muitas
vezes,
Mas, se eu pedi
amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda
do Porto fria?
Não é prato que
se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo
frio.
Não me queixei,
mas estava frio,
Nunca se pode
comer frio, mas veio frio.
Álvaro de Campos.
.....................................................................
Em tempo(s) frio(s) insisto nesta "saborosa" dobrada ...
Estarei ausente de vosso convívio por breves dias!
Beijos e Abraços!
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Em tempo(s) frio(s) insisto nesta "saborosa" dobrada ...
Estarei ausente de vosso convívio por breves dias!
Beijos e Abraços!
sábado, janeiro 02, 2016
OUSA O POEMA O PÓRTICO...
Irrompe o poema em sobriedade e ousa o pórtico onde
Todas as
legendas se inscrevem. E imiscui-se
No interior sem
aviso prévio nem hora acordada
Como saltitante Mozart
e seu fogo
Divino derramando-se
pela casa...
Insufla-se
traquina
E desarruma o
outro lado, aquele fechado
Que nada guarda
apenas bagatelas, traquitanas sem glória
Ou mágoa...
E trepa (ou
desce)
Como ventania
inesperada
Ou janela aberta
que nada espera
Apenas a luz
coada
E que de repente
se escancara
Como se varanda
fora engalanada
E festiva...
E senta-se à
mesa o poema. De honra comensal.
E acaricia o linho
e acende as velas
E reclama o
vinho...
E solene avisa
que neste dia não será
Servida dobrada.
Que sendo fria sempre lhe causara
(Como os amores
de Pessoa) frustre azia...
E o poeta deixa
que o poema seja.
E desarmado
finge a dor
Que deveras fica...
Manuel Veiga
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