Um destes dias um poeta,
que muito estimo,
Meio por graça disse-me
que minha poética caligrafia
Era escrita à mão ainda e,
se por acaso, eu sabia
Que a poesia, toda ela,
hoje em dia, salta
Das entranhas do
computador e se derrama
Pelas ruas citadinas em gigantes
placards
E montras, não de
chocolates, mas de iguarias
Bem recicladas, como
noticias esventradas,
Ou bombas por explodir
algures em qualquer lugar
Ou esquina do mundo. E se
consome sem sal
Em fulgor hiper-realista.
E se ilumina consumista
Nas escórias do luxo. E do
lixo.
Eu não sabia, por isso,
saí da refrega com
O rabo entalado qual cachorro
de feira enxotado
Pela cozinheira, a
polvilhar a mistela do dia.
Mas fiquei a matutar na
minha. E como no fado
Dedilhado em que o
fadista se esganiça, fingindo
Que chora, o que então
não disse, vou pois
Dizer-lhe agora que
prefiro a poesia me venha
À mão como “dobrada
fria” em vez do arrepio
Fervilhante dos bits a
formigar nas teclas
Dos computadores. E que
dispenso o incenso
E contorcionismos do
hip-hop. E a borbulha tardia.
E que a culinária literária
me faz azia a derreter-se
Nas bocas hipermodernistas.
Ou nas tretas da grande
farra das letras.
Manuel Veiga
(reedição)
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AVISO:
O "poeta que muito estimo" não publica em blogs !
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AVISO:
O "poeta que muito estimo" não publica em blogs !
14 comentários:
Boa tarde Poeta,
Que grande poema!
Parabéns!
Um beijinho.
Ailime
A poesia não se importa com essas tretas. Se sai da pena ou da tecla, tanto faz. O que conta é que saia do conluio entre a mão e o coração.
Caro Manuel este teu ótimo poema lembrou-me da época em que relutava em escrever no teclado do computador (foi muito difícil); tudo parecia não ter saído de minha cabeça, tão estranho era. Mas hoje não saberia escrever fora do teclado. Parabéns pelo poema.
Grande abraço.
Pedro
Manuel,
Custei a aceitar a mudança. Lembro, faz anos, uma vizinha minha contou-me que escrevia seus contos diretamente na tela. Mas como? Achei a mulher meio maluca! Mas ela estava anos à minha frente. Lógico que não quis saber e continuei a escrever à mão. Era mais romântico, tudo saia do fundo da alma. Mas fiquei intrigada, queria saber a diferença e fiz o teste. Daquele dia em diante, nunca mais escrevi nada à mão (que ‘mão de obra), que riscanhada, quanto tempo perdido!
Hoje, se não vejo a estética, a formação e o desenvolvimento se formando, perco a noção e a ideia. Gostei muito dessa tua poética realista.
Beijo, amigo.
Tais e Pedro Luso,
é um privilégio os meus poemas e outros textos merecerem a atenção e o apreço dos dois amigos, um distinto casal inteligente e culto.
na caso presente, fico, no entanto, um pouco frustrado pois os seus comentários demonstram que o poema, afinal, não revela a carga irónica que lhe quis imprimir e não me fiz entender.
afinal o "amigo que muito estimo" quis tão (?) somente considerar "datada", na substância e na forma, a minha poesia, usando o computador como símbolo.
mas o culpado sou eu (que não soube imprimir ao poema o sentido desejado) e não o computador de que sou "fiel" utilizador há mais de 20 anos.
fico-lhes grato pela leitura, pois e permite "afinar" melhor a minha linguagem
caloroso abraço a ambos
Poesia sem lirismo, nua e crua.
Foi a minha interpretação.
Boa noite,caro MV
Como pego na coisa? De caras ou de cernelha?
Porventura, farei de abelha. Asneira!, não tenho meio de dar loiro algum. Quem o inventou foi a escrita "inteligente". O que eu teclei tinha sido "azelha". Conclusão a tecnologia tem riscos.
Porém, bites, bytes, teclado, tela, portátil, PC e restante maquinaria não me causam urticária.
Por outro lado, a caneta, de esfera ou de aparo (o aparo parece dar-me mais amparo à mão), e o papel, liso ou pautado, aceito-os naturalmente. Confesso que no que diz respeito à celulose,por temperamento, não alinho com a linha, ou seja, umas palavras ficam umas rés do chão e outras a flutuar; não escrevo, rabisco, de tal forma que, quando pego em cadernos, agendas, folhas avulso, bordas de jornais, guardanapos de café que acumulo em desencontrados lugares de casa, tenho dificuldade em decifrar os hieróglifos despenteados pelo sopro do momento inicial. Adiante, mas antes não quero deixar de referir a emoção do olfato: o papel e a tinta.
Cada um, sem preconceito, escreva onde muito bem entender. Pessoalmente, começo no papel e termino no... Não é pecado, seja assim ou assado.
Quanto à poesia propriamente dita... o autor adopta um estilo que não lhe conhecia, utilizando uma forma que pode desenvolver melhor a empatia do leitor. Há uma sedução por meio de uma literalidade de acesso mais imediato.
Não sei se o Manuel pode datar esta poesia no seu percurso de autor. A história e o ambiente social fazem o Poeta. E influenciam-no.
Fico-me por aqui. Gostei!
Obrigado pela consideração.
Abraço.
reconhei a ironia, o humor e a simpatia a quem este belo poema se dirigia (ou de quem falaria).
isto, logo que o publicaste pela primeira vez (ou não estivesse eu presente nas 'tardias' palavras ouvidas, no lançamento do 'caligrafia íntima').
e está, para mim, tão claro e brilhante este flurete de treino...
mas os amigos são assim: trocam galhardetes.
de qualquer maneira, eu prefiro a loja de bairro a todos os hiper... qualquer coisa, que polulam por aí, com best's
de lixo em prosa.
de 'enchidos' andamos todos fartos.
mas estou muito curioso em ler o teu amigo...
um abraço, caríssimo amigo, MV
É tudo uma questão de hábito.
A máquina não faz milagres... em qualquer caso, e se não houver sentido crítico do autor, faz parecer bom o que ainda é rasca...
Grande poema, gostei muito.
Um abraço, caro Veiga.
*reconheci...sorry.
Ser poeta , antes , ter- se alma de poeta, não será na rua dos "bit" onde a mesma se demora . Será no caldo quente das palavras e com os temperos da emotividade onde porventura a caligrafia seja antes o reflexo de quem dentro dela própria mora
Beijo !
Dizer-lhe agora que prefiro a poesia me venha /À mão como “dobrada fria” em vez do arrepio. É isso, meu caro amigo, ser inteiro e incerto, já nos basta. Chega de borbulha!
Fina ironia!
Beijinho, Manuel.
Ironia com finura, parabéns !
Beijinho, feliz fim de semana
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