“É verdade, vivo em tempo de trevas
É insensata toda a palavra ingénua. Uma testa lisa
Revela insensibilidade. Os que riem
Riem porque ainda não receberam
A terrível notícia.
Que tempos são estes!
Uma conversa sobre as árvores é quase um crime
Porque traz em si um silêncio sobre tanta monstruosidade.
(...)
Dizem-me : come e bebe! Agradece por teres o que tens!
Mas como posso eu comer e beber quando
Roubo ao faminto o que como e
O meu copo de água falta a quem morre de sede?
Apesar disso eu como e bebo!
Também eu gostaria de ter sabedoria.
Nos velhos livros está escrito o que é ser sábio:
Retirar-se das querelas do mundo e passar
Este breve tempo sem medo.
E também viver sem violência
Pagar o mal como o bem
Não realizar os desejos, mas esquecê-los.
Ser sábio é isto.
E eu nada disso sei fazer!
É verdade, vivo em tempo de trevas!...
(...)
Vós, que surgireis do dilúvio
Em que nos afundámos
Quando falardes das nossas fraquezas
Lembrai-vos
Também do tempo de trevas
A que escapastes.
Pois nós, que mudamos mais vezes de país que de sapatos
Atravessámos as guerras (...), desesperados
Ao ver só injustiça e não revolta!
E afinal sabemos:
(...)
Também a cólera contra a injustiça
Torna a voz rouca. Ah, nós
Que queríamos desbravar o terreno para a amabilidade
Não soubemos afinal ser amáveis.
Mas vós, quando chegar a hora
De o homem ajudar o homem
Lembrai-vos de nós
Com indulgência...”
Excertos do Poema “Aos que vão nascer” – Bertholt Brecht
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Assim, nós, nos dias de hoje, pedimos indulgência ... Será que saberemos merecê-la neste silêncio, à vista de tantos massacres e iniquidades?!...
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20 comentários:
Todos merecemos tranquilidade indulgencia nem todos.
boa semana
"Também a cólera contra a injustiça
Torna a voz rouca."
Quanto à pergunta penso que não sabemos, não.
«La vie vous reprend; il arrive que, dans sa veine agitation, elle vous fasse horreur; ainsi, dans une salle de bal bien écalirée, des silhouettes mobiles et dansantes que vous observez de loins, caché dans la nuit, sans entendre la musique! La vie apparaît alors sans object, répugnante»
(Carta de Mahler ao jornalista e crítico Max Marshalt de 26 de Março de 1896)
Deixas-me sem palavras.
Umas horas atrás, passei por aqui e li o que postaste. Deste-me um tal nó na cabeça que resolvi, mais uma vez, interromper a interrupção(!) e fazer um post onde a minha indignação ficasse clara.
Não haverá geração futura que possa ter, para connosco, indulgência. Porque este "olhar para o lado", este silêncio é cumplicidade no crime. À luz de qualquer lei.
Beijos
Volto aqui. Com interrogações. E depois de ler o comentário da Lique pergunto mesmo: "Como é que o meu silêncio é cumplicidade no crime?" Que posso eu fazer? Sinceramente não sei. Nunca nada para mim é claro, as notícias chegam deturpadas, não sei mesmo o que fazer. A única coisa que faço, e julgo que isso é já qualquer coisa, é tentar escolher os meus governantes o melhor que eu saiba ou que me pareça. Até porque há relação entre as várias políticas mundiais. De resto, porque é os que vêem depois de nós não hão-de ter indulgência para connosco? Eles também não serão perfeitos e é na aceitação da nossa e da sua imperfeição futura que a humanidade se redime e se torna mais humana. Penso eu. Mas que diabo, fico outra vez sem palavras. Bolas!
Já por duas vezes vim ao teu blog. Abri a janela para comentar e, por não encontrar as palavras adequadas, voltei a fechá-la e nada escrevi.
É a terceira tentativa....as palavras não saem.
Vivemos num mundo de incertezeas, de atrocidades, de isolamente, se falta de respeito e de solidariedade para com o outro. Somos como Angras. Cada um refugia-se na sua...sem palavras, pois até essas deixaram de ser nobres.
Sinto-me impotente para tudo: Para comentar; para me revoltar; para viver: sara escrever.
Estou de férias. Espero que o mar da minha terra me retempere as forças e possa voltar a ser a contestatária e não acomodada que sempre fui.
Um beijo, meu amigo.
Obrigado pelas palavras que me tens deixado escrito.
Falta ainda industralizar
O fabrico da raça humana, em série
E em modelos de luxo
Mas serão crianças diferentes
Ou talvez nem sejam crianças
Vestirão próteses até ao cérebro
Congelado, em líquidos especiais
Terão a esperança de vida
Relativamente eterna
Que os seus vagamente antepassados
Sonharam que os deuses lhes dariam
Talvez tenham um número
E sejam iguais
Ou talvez cubram o corpo-máquina
Com matérias que imitem
As anatomias das espécies
Que existiram um dia...
Ou não?
Abraço
Paulo
A nossa vergonha de seres civilizados não encobre a dor dos estropiados.
Nem sequer a nossa solidariedade devolverá a vida aos que nem sequer tiveram tempo para a viver.
É urgente que entendam que enquanto existir um Americano chalado e ou um Judeu rico, o terror não acaba nunca.
Olá Herético!
Está excelente este teu post.
O que se está a passar no Líbano e a aquiescência do tempo que ainda falta a Israel para terminar o 'programa de bombardeamentos' é inacreditável.
Os relatos daquela hedionda guerra é impressionante!
Um abraço
Um poema muito bonito. Um pensamento que nos faz parar e pensar um bocadinho.
Beijos
"Mas vós, quando chegar a hora
De o homem ajudar o homem
Lembrai-vos de nós
Com indulgência..."
Não, não será fácil ter indulgência para comigo mesmo. Não será.
A consciência é um látego a me cobrar todas as concessões feitas ao longo do tempo,
todas as desculpas formuladas
não desculpam absolutamente nada:
quando percebo que entre os sonhos sonhados, todas as lutas encetadas em nome daqueles que nada tinham ou tinham pouco,
continuam sem nada ter ou a ter muito pouco...
sobrevivendo tão somente das migalhas que eu também ajudo a distribuir,
como se isso
me tornasse um homem virtuoso.
Esse teu post põe o dedo na ferida, não na ferida do outro, mas sim na minha própria ferida.
Olá Herético
Este excerto de Brecht é intemporal. Em todas as atrocidades, massacres e guerras que afectam este mundo, existe sempre alguém que olha para o lado.
Somos cúmplices, somos, infelizmente.
Enquanto tivermos consciência que esses actos são intoleráveis, somos cúmplices. Enquanto formos capazes de fazer algo para os evitar, somos cúmplices.
Enquanto vivermos e muitos morrerem por nossa omissão, somos cúmplices.
Desculpa este desabafo.Há muitas coisas que o Homem pode fazer, os políticos somos nós que os elegemos.Enfim estaria aqui, horas a fio a escrevinhar sobre o teu post. E isso é bom sinal.
Um abraço amigo
Dafne
Sempre houve tempos difíceis, e dantes mais do que agora.Mas agora são mais inaceitáveis porque, como nunca antes, este mundo poderia ser um bom lugar para se viver, se fosse para todos. Um abraço.
Para meditar, sem dúvida...
um abraço
O poema que escolheste é de aplicação actual.
Muito a propósito, por isso.
Abraço.
Se fossemos pela paparoca... teríamos que considerar a cumplicidade do algoz e da vítima... porque todos comem e bebem!
E, já reparaste?... todos fodem... e dormem... e agarram-se ao que é seu, etc...
Sabes, cheguei há muito à conclusão que não vale a pena querer uma sociedade justa... antes de se ter conseguido um «Homem Novo»...
Abraço!
Quanta fealdade anda por aí, Amigo. Como ela te aflige, nos aflige, não é? E nós assistimos a toda esta monstruosidade e nunca saberemos como começou. E trememos quando pensamos que os que vão nascer, apesar dos avisos dos poetas, darão continuidade à saga da loucura e da iniquidade. Mas iremos dizendo, para acalmar os nossos corações, que um dia virá em que as feras acalmarão sua estúpida fome de sangue de inocentes.
A tua lucidez, o teu inconformismo, são preciosos. É bom estarmos unidos neste mar desolado.
Forte abraço.
Licínia
Excelente texto de Brecht. A TV banalizou o horror que diariamente nos é servido às refeições.
Passei para deixar um olá com cheiro a maresia e um sorriso radioso como o sol que tem estado na minha (e tua) Ericeira.
Um beijo*
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