"Sabemos menos do tempo do que o tempo sabe de nós. Mas o menos que dele sabemos já chega para sabermos que os próximos dias, os próximos meses, os próximos anos vão ser o tempo de uma grande insónia cercada pela noite que cresce. Hora a hora, minuto a minuto, surgem, por todo o lado, os indícios de uma desgraça que avança e cintilam os sinais de um pânico que corre.
Não são apenas as bolsas que caem, nem o desemprego que aumenta, nem as dívidas que crescem, nem os bancos que se afundam. É, antes disso e depois disso, a imagem fúnebre de um sistema financeiro que se devora a si próprio, devorando-nos e devorando a esperança, sem a qual a vida é empurrada para a morte.
Nesta “epopeia americana” que terminou em tragédia mundial, George W. Bush quis ser Aquiles, mas acabou num “Édipo de Guantánamo” que não conseguiu vencer a esfinge chamada Bin Laden (mas Gore Vidal diz: “Não precisamos de Freud. quando-se trata de Calígula”); Dick Cheney é um Creonte de petrolífera; Alan Greenspan, uma Medeia de Wall Street; John McCain, um Pátroclo tardio; Sarah Palin, uma Clitmnestra de casino (ou será Hécuba?). E Barack Obama é o Ulisses de uma Ítaca em chamas, com o mundo transformando na Penélope que o esperava.
E por todo o lado ouve-se o grito de Antígona a clamar pela justiça que desobedeça à injustiça que manda. Aqueles que durante anos aplaudiram, de Washington a Bagdade, a representação da peça, participaram no elenco, escolheram o teatro, serviram de ponto, desenharam o cenário, fizeram os figurinos, teceram o enredo, são agora os mesmos que se fingem surpreendidos com o desfecho: um desastre que começou a revelar-se na sua enormidade e que eles olham como se estivessem a ver o munido ao contrário.
Por isso, andam cada vez mais de cabeça para baixo para tentarem vê-lo direito. Num tempo tão despossuído de si mesmo, é natural que já nem haja consciência da tragédia que por todo o lado nos envolve como o ar que respiramos. E essa inconsciência, essa ignorância, essa irresponsabilidade são o mais trágico do trágico.
O tempo sabe mais de nós do que nós sabemos do tempo. E o que ele sabe de nós diz-nos que os próximos anos vão ser terríveis: de incerteza, de insegurança, de perigo, de medo, de ansiedade. Aqueles que, ainda há pouco, se vestiam de um optimismo triunfante e calculista cobrem-se agora de um pessimismo cobarde e assustado. Sabemos que, como é costume, quem vai sofrer mais são os mais inocentes, aqueles que têm menos culpas. Sabemos que os autores do desastre são os que estão a recato dele e dos seus horrores, sem consciência, sem vergonha, sem compaixão - e com dinheiro inesgotável.
Sabemos que a vida será um alfabeto de dor, com o qual escreveremos o texto da mudança. Sabemos que voltaremos a passar por essa “confusão cruel e inútil” de, que um dia falava George Steiner falando da História. Quando esteve em Lisboa, da última vez, o autor de “Errata” disse, sobre o que se estava a passar, palavras de que ninguém quis ouvir nem o som, nem o sentido. Ele afirmou: “Espanta-me que os pobres não se revoltem...”
E acrescentou que estranhava, quando todas as manhãs abria o jornal, não ver lá escrito que “tinham assassinado um daqueles empresários que encerram fábricas e depois se metem nos seus jactos privados para ir passar férias a Barbados”. Steiner ecoa neste seu comentário violento o antigo clamor dos profetas judeus do Antigo Testamento, que faziam da cólera uma ameaça e só depois um presságio.
Hoje, o vento mudou e tudo muda com ele. Lemos os jornais de todo o mundo e percebemos que cada jornalista passou a ser, mesmo sem o saber ou sem o querer, um São João que, nos seus vaticínios, promete um Apocalipse que não surgirá, como o outro, no fim dos tempos: este apocalipse é iminente, instantâneo, vertiginoso. Virá amanhã, logo à tarde, agora mesmo.
Mas, com à inconstância de tudo, não é impossível que um dia destes se anuncie o regresso ao Génesis primordial, onde do caos se gerará a luz e, sob ela, se criará de novo o mundo"
José Manuel Santos – in Suplemento “Actual” – Jornal “Expresso” de 8.11.08
quarta-feira, novembro 12, 2008
Palavras Outras - "Amanhã..."
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23 comentários:
Salvé!
Um texto lúcido, visando algumas profecias, e que estão prestes a realizaem-se - o tempo o dirá!
Não é apenas o caos financeiro mundial, que está em causa; mas sim, algo bem mais Alto em nós, e, em nós estagnado! Estes "sinais" vieram dizer que chegou a hora de DESPERTAR!!! - este post vem corroborar, o que escrevi anteriormente.
A hora não é de "dar vivas a Obama!" - ele não é o "salvador"!
Esta hora, é de revisão plena de Quem Somos, para onde vamos, o que queremos, ou "PODEMOS" - e aqui sim, de nós para nós, e de nós para o todo. E só!
A hora é pois, de reflexão, moderação, espera e silêncio; para que, na altura certa, haja PRONTIDÃO, para o que vier! De NADA SERVE O MEDO, O PÂNICO. O caos, está instalado desde há muito tempo, mas poucos se aperceberam disso; tanto assim, que a maioria questiona-se dos porquês, mas... continua adormecida, dormente, queixosa!
Saiba-se que não foram só os acontecimentos de há 2000 e tal anos atrás, que se cumpriram....Não!
Todos os "poderes" (ilusórios) enfraquecerão e as novas torres de Babel, ruirão. Não há por onde fugir, nem a quem socorrer; isto agora é para todos, e é a doer!!!
Sugere-se concentração, e que cada um pense pela sua própria cabeça e não, comme d'habitude, pela cabeça do outro, ou pela global! - como reza a História; contudo, nem com ela, se aprendeu...pelos vistos!
Abraço de sempre
MAriz
"sabemos menos do tempo do que o tempo sabe de nós".
....................hoje tive a prova disso... tristemente,
bj
Nunca perco esta crónica pelo contexto e pela limpidez de uma linguagem sem tiques nem trejeitos.
"Num tempo tão despossuído de si mesmo..." Perplexos estamos todos de estar neste tempo e de ver materializarem-se temores antigos. Decerto, o pânico é inútil mas digam isso aos que já nada têm. E o que é menos que nada?
Li esta crónica com fascinação. E angústia que não consegui evitar. **
Já tinha lido este texto, como leio sempre os textos do José Manuel Santos. Acho espantosa a forma lúcida como ele consegue expressar muito do que penso.
Um abraço.
Falando em profecias: os Maias antigos, os que detinham saberes fabulosos, deixaram aviso de que enormes e fundíssimas alterações ocorrerão daqui a cerca de quatro anos no planeta.
E se aqueles povos foram capazes de prever o seu próprio fim...
Abraço.
Há muito que deixei de ler o dito jornal. Não consigo, não sou capaz.
Felizmente que, graças ao RP, tive oportunidade de admirar esta crónica de excelência.
Um abraço
uma cronica muito bem escolhida.
pertinente.
fica um beij
não conhecia o autor: até agora!
Amigo, faz-me um favor: caso tenha mais escritos dele, favor me enviar por e-mail, certo?
ilhamutuns@uol.com.br
leitura oportuna. valeu, mesmo!
Gostei de ler!
:))
arrepiante lúcido e mesmo trágico!
algo terá de ser feito para inverter este apocalipse incerto...
abraços
sim, sem duvida um texto túcido :)
"Sabemos menos do tempo do que o tempo sabe de nós." Grande verdade
Bom fim de semana e saudações amigas
Estará iminente a católica e postecipada ressurreição dos mortos!...
.
E para os não católicos?
E para os que não crêem, mas se importam com a humanidade?
.
[Beijo...@]
não sei nem do tempo, nem de mim,
sei
apenas,
deste instante.
Tudo é possivel...
:)
Um excelente artigo de opinião.
Gostei de ler.
Abraço.
Herético,
gostei de ler este artigo, mas, sou assim a modos que um pouco naif... então, prefiro, deixar correr o tal enexorável tempo, sem grandes alarmismos, vivermos o melhor que pudermos e soubermos sem "atropelar" terceiros, tentando não maltratar o meio-ambiente, no entanto, sempre aqui lhe deixo um subblog, do "Lobices", que costumo visitar, que me inquietou bastante quando por lá passei....
http://endat2012.blogspot.com/
Bom Domingo e uma melhor semana
um sorriso :)
mariam
Venha ele, esse novo mundo em que todos tomarão consciência que estava tudo errado e quererão fazer tudo melhor. Todos andarão felizes de cabeça levantada, a riqueza repartida de igual modo por todos, crises (o que é isso?) só se for as de riso, e todos deixarão de viver em função do tempo inimigo do sossego e da serenidade..
sonhemos, pois então..
Sim,
Amanhã
é uma magnífica palavra.
E o texto... sim, palavras brilhantemente deixadas aqui.
Passei reli alguns dos bons poemas
Saudações amigas
Aquele velho livro, o das Revelações, escrito há quase 2000 anos, dizia a mesma coisa; é óbvio que, com outras palavras. E, assim como você, também sou herético, contudo, acredito nisso.
Por outro lado, também com outras palavras, é claro, o livro menciona prenúncios da gênesis primordial.
Sou daqueles que crêem no refresco depois do choro e do ranger de dentes.
Um abraço!
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