“É toda a Grécia e não apenas o seu governo que vive um dos mais difíceis momentos da sua história contemporânea. Praticamente ninguém chega a compreender o que realmente se passa nas ruas da capital e outros grandes centros urbanos, qual é a verdadeira razão dos protestos espontâneos, desta guerrilha urbana, de que os jovens são os principais actores.
E quase ninguém se interessa por saber quais sejam as causas mais profundas que levam milhares de jovens, a enfrentar, durante dias seguidos, as forças especiais da polícia(...). Como é possível? Interroga-se muita gente (...).
É, em grande parte erróneo, sustentar que estes acontecimentos são resultado da crise económica mundial. É impreciso porque a economia grega sofre, desde há bastante tempo de falta de investimentos, de privatização de empresas públicas, de flexibilidade laboral, que leva ao crescimento cada vez maior da taxa de desemprego e o aumento do custo de vida. A Grécia faz parte da zona euro, mas sobrevive graças, em boa parte, a uma economia subterrânea muito importante.
Esta tese perde muito sentido se se considerar que os jovens em revolta são menores ou estudantes universitários que não estão, em todo o caso, submetidos de maneira directa às consequências da crise económica. Pelo contrário, são muitas vezes vítimas do consumismo. No seio da contestação em Atenas está também a “geração dos 700 euros” que, em todo o caso, representa apenas uma minoria no movimento de jovens.
O que mais impressiona nisto tudo é a reacção do mundo político. A surpresa das primeiras horas foi acompanhada de declarações banais(...). Como se o despedimento massivo de milhares de trabalhadores, o sistema anacrónico de ensino ou a reforma da Educação pretendida pelo governo não fossem, para eles próprios a raiz da violência (...).
Como se não fosse igualmente violência ... a violência de uma "televisão-lixo", os escândalos e a corrupção, o afundamento dos sistema de saúde, de pensões, a perda de milhares de jovens na idade de Alexis (o jovem assinado pela polícia) todos os anos, em virtude de acidentes provocados em estradas, como não se vêem em países do terceiro mundo.
Para algumas pessoas a morte de Alexis não justifica a destruição nas ruas de Atenas (...) “Um acontecimento trágico como a morte de Alexis não pode ser utilizado como pretexto para desencadear uma violência cruel” – disse o primeiro-ministro grego, ameaçando com a aplicação severa da lei.
Karamanlis engrossou a voz face aos jovens. O dirigente socialista Giorgos Papandreou, ainda que bem mais prudente nas palavras, está no mesmo comprimento de onda, quando condena as desordens e os ataques ao “Estado de direito”, culpando os conservadores pelos acontecimentos. O jogo político, o duelo bipartido continua com as declarações convenientes, sem que ninguém no mundo político ponha a questão: porquê esta contestação? (...).
A raiva dos estudantes e evidentemente devida ao assassinato do jovem Alexis. (...) Mas a cólera de Atenas é, sobretudo, devida em grande parte por ausência de um futuro digno, pelo desemprego que bate à porta, antes mesmo do diploma, agora que o presente não se apresenta com saída, marcado por um nível de instrução vazio e a degenerescência da relação entre o estudante e o ensino.
Sem falar na atitude da policia perante os jovens. Os insultos, os controles, os abusos de poder, os maus-tratos são o dia a dia, num país de estado policial com longa tradição, herdeiro da direita mais dura (...).
A amplitude dos confrontos é também devida à falta de um plano por parte das forças da polícia, que estão presentes e ausentes ao mesmo tempo. As forças da polícia anti motim atacaram com gás lacrimogéneo, mas a dor e indignação eram tão grandes e fluxo de estudantes que se manifestavam espontaneamente tão importante que a situação se tornou incontrolável. Era evidente que as forças da ordem estavam, de acordo com as palavras de seus dirigentes, numa posição “defensiva”, demonstrando assim indirectamente a “má consciência” pelo governo pelo assassinato do adolescente.
A polícia não conseguiu defender nem os símbolos da globalização como bancos, MacDonnald´s, boutiques de luxo, edifícios do governo, nem muito menos armazéns e lojas daqueles que se encontravam a beira da falência, por causa da crise económica. Assim, se a reacção dos jovens gregos é cegueira compreensível, a da polícia e a do governo de Atenas e também cegueira, mas sobretudo cegueira incompreensível”.
Pavlos Nerantzis, in “il manifesto”, 10 Dezembro 2008
(Traduzido do francês)
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Entretanto, jovens gregos começaram a armazenar pedras, rochas e pedaços de mármore trazidos de Salónica, Corfu e Creta e estão a vendê-las - três pedras por um euro - a manifestantes, (cujos pais vivem na opulência ao estilo de Hollywood), mas unidos, aos jovens desempregados, pelo desejo comum de as arremessar à polícia.
Confesso-me, apesar de avó babado, tentado a comprar uma meia dúzia de pedras (virtuais, está bom de ver...)
É que os mesmos jornais que me trazem estas notícias são os mesmos que referem aumentar, entre nós, o número de jovens e adolescentes que se auto mutilam. Uma violência mais caseira, bem de acordo com os nossos brandos costumes...
Valha-me D. Sebastião (alegre), na sua imensa glória de salvar a Pátria. Sem insurreições. Nem pedras, naturalmente...
Que a revolução também cansa...
terça-feira, dezembro 16, 2008
E a Grécia aqui tão perto...(ou tão longe!)
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22 comentários:
Herético
Que bom que haja quem nos fale sobre o que acontece na Grécia.
A nossa comunicação social sobre este tema bate pianinho não vá o diabo acordá-los. Até faz de conta que a Grécia não é UE e que cá não há razões para nada idêntico.
Avizinham-se tempos difíceis de contestação social. Há que interpretá-los para que os acontecimentos não nos ultrapassem.
Abraço
Um post para ler,reler e reflectir. O vento que passa não traz boa mensagem. A Grécia tão longe ... e tão perto!
Beijos
EStá tudo a ver-se grego!
:))
Que venha a revolução!
O que cansa é esta coisa morna em que nos mantêm....
Beijos. e beijos!
Herético,
grande post! não no tamanho, mas no conteúdo. Obrigada!, principalmente as considerações finais... tão verdade.
agora vou descer ... já não vinha cá há uns dias :)
deixo um afectuoso abraço
e o meu melhor sorriso :)
um FELIZ NATAL
mariam
Pedras já tenho e disponíveis
para os amigos
quando soar a buza
abro os portões solto os cães
lá estaremos
a rasgar silêncios
para hastear um fósforo
no mastro mais alto da vida
Abraço
Herético,
O acordar das consciências não pode ser sempre brando.
-nem sei porquê, lembrei-me do Maio/68 ;)
E embora o ano esteja prestes a findar, julgo que a contestação, o despertar, continuará a acontecer, indiferente ao dia de calendário...
Aqui e ali.
Abraço
Quando chegar á nossa porta já não nos admiramos
Saudações amigas e boas festas
Se o belo e jovem Alexis Grigoropoulos fosse meu filho, eu incendiava Atenas.
heretica.mente
iv
A Grécia será clonada a nível mundial, porque este despudor tem que ser afastado!
Felizes festas, sereno Natal e excelente ano novo para ti e quem desejares!
Um abraço grande.
tão clarividente e real a exposição reflexiva que fazes que só é pena que não vá pra para um periódico com ampla tiragem... a escalada do vazio é muito perigosa...e logo na Grégia que é uma das raízes da nossa civilização...é bom que os nossos aruatos da modernidade à portugesa escutem bem os sinais...
Um Natal Muito Feliz e Um Ano Novo cheio das melhores realizações...
abraço natalíceo.
Véu de Maya
que este poste seja uma reflexão.
Foi na Grécia.
amanhã, onde será?
beij
Caro Herético,
Sabemos o que se passou na Grécia mas... também em França e na Espanha se estão a passar situações semelhantes.
Parece que os europeus estão a chegar ao... limite!...
Um grande abraço,
Alvarez
um texto actual, pertinente e que retrata uma realidade que nos incomoda, principalmente porque sabemos que é lá, mas um destes dias poderemos acordar a viver uma situação muito similar a estar. Infelizmente os motivos-base existem lá, como cá...e em quase todos os países da Europa
beijos
A contestação social é uma coisa.
A violência é outra.
Esta é que arrepia.Como arrepia arrepia o que a causa.
Se compararmos as nossas ajudas sociais com as gregas, estamos muito à esquerda deles.
Eles queixam-se, não apenas os jovens, de que o Estado os protege muito pouco.
Não admira, por isso, que a tensão social seja uma espécie de panela de pressão prestes a rebentar a cada momento.
Feliz Natal, abraço.
Herético
Por todo o lado, ninguém quase conhece já quaisquer "causas", só dão valor/importância aos "efeitos".
Essa Lei Universal está perfeitamente abolida do quotidiano da humanidade - é por isso que ao olhar-se em redor...
Feliz Natal, para toda a família...nomeadamente para o António - é por ele e pelas demais crianças - o meu 1º neto saltará dentro de dias para este mundo - que receio!
Abraço
Mariz
a solução arquetípica seja qual for o credo, é a porrada e a indisciplina, males que vêm de longe, e nenhum país escapa à regra.
depois da Grécia virão outros..
bjs
Que falta faz um Alexandre, hein? E, de certo modo, o cara era meio socialista.
De Novembro para cá, trabalho feito um condenado, e, o que é pior, até agora não me convidaram para a capa da revista Forbes.
Passei mesmo para desejar-lhe o melhor dos natais e um feliz ano novo.
Um abraço!
Hoje em Atenas, amanhã em Lisboa...
E a Grécia aqui tão perto...
Excelente post, como sempre.
Beijinho*
Talvez "Um Barco para Ítaca" -outro- se possa transformar num "Navio dentro da Cidade" -outra-.
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