Frustrados que foram, por razões que não vêem ao caso, outros destinos, desta vez coube-me, em desespero de causa, uns dias de férias no Algarve, sorry... Allgarve! – de que, durante décadas, tenho fugido como o “diabo da cruz...”.
Não vejam nesta minha recusa qualquer manifestação de pedantismo. Assenta a minha caturrice, tão-somente, nesta vaga resistência do meu carácter, não aos percursos trilhados, mas à dissolução que os passos imprimem nos caminhos...
Bem sei que “viver” é em boa medida “dissolver”, que qualquer marca ou sinal traz consigo os gérmenes da sua própria dissipação e que até a água mais cristalina arrasta, na corrente, os detritos do acaso. Mas que querem? Dói-me, por vezes, a decomposição das paisagens e a desconstrução de memórias e símbolos... E, sobretudo, o ímpeto e a arrogância das novas formas e fórmulas, que sabemos também elas precárias...
Ora o turismo, como bem sabemos, é fenómeno predador. E arrogante. Compreenderão assim melhor a minha resistência atávica aos “santuários” do turismo nacional...
Procurei, por isso, afastar-me, tanto quanto possível, dos roteiros mais solicitados e “refugiei-me” (pensava eu) em locais mais discretos, porventura buscando (ingloriamente) nas pegadas dos míticos “índios da Meia Praia”, lenitivo e compensação para as temidas contrariedades...
Assim, intimamente apaziguado, neste balanço de expectativas e dúvidas e confortado pelos afectos centrados em terna criança de pouco mais de dois anos, abri o espírito à disposição de alguns dias de estrito lazer...
Eis-me, pois, no “esplendor” do Algarve!... Cada vez menos “reino” de Portugal, como é minha forte convicção...
Seguindo um método estatístico, que considero infalível por altamente científico, (querem ver que ainda sou chamado para as sondagens políticas!...) de avaliar a nacionalidade dos turistas pela persistência do linguarejar no ouvido, 90% serão manifestamente de proveniência espanhola. Os restantes 10%, seguindo o mesmo critério, serão distribuídos, respectivamente, 5% ingleses, 2% franceses, 2% italianos e 1% de portugueses, incluindo este vosso amigo e a sua prole...
Claro que a minha amostra inclui também turistas do outro lado do Atlântico. Dois exemplares, aliás notáveis!... Um casal cinquentão provindo do Texas, ele na arrogância do seu típico chapéu; ela exibindo as carnes flácidas, em fato de banho pelos corredores, trauteando, empolgada e empolgante, o conhecido paso doble “Arriba Espanha...”. (Mas por que raio é que a excelsa senhora não foi antes exibir seus talentos para o Iraque ou para o Afeganistão, a animar tropas?!...).
E, saídos do filme “O Carteiro de Pablo Neruda” para o bar do hotel, como o romantismo literário de minha mulher teima em afirmar, um casal sul-americano, de negro e vermelho vestido, altos e esbeltos, belas cabeças emolduradas em cascata de fios prateados, corpos colados na vibração do tango e do bolero... Tão exímios e tão perfeitos que apenas o sangue e o futuro o justificam!...
Admirei-os, com emoção e apreço. E ficarão guardados...
Dos portugueses, os “karaokes” postiços e esganiçados!...
Triste sina!...
Cá fora, as montras exibem sinais da nossa decadência. E garantem-me que entramos em fase de “permoção de 10% a 50%”...
A minha Pátria é a língua portuguesa?!... Ou seremos, em certo sentido, de novo exilados na nossa própria Pátria?!...
segunda-feira, agosto 03, 2009
A minha Pátria é a língua portuguesa?!...
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24 comentários:
ultimamente despertou-me o interesse por outras culturas. nao sei dos japoneses por exemplo. quer dizer... praticamente nada. e por ai fora.
dos portugueses sei mais qualquer coisa mas confundem-me a cabeça.
beijinhos
Pois, lá para o Allgarve acontece-nos isso de nos sentirmos estrangeiros na nossa terra. Ainda assim, parece-me que, hoje em dia, quase todos os ditos destinos turísticos nacionais estão cheios de espanhois que, apesar da crise ou talvez mesmo por ela, literalmente nos "invadem" pacificamente :)
Gostei do colorido das descrições. Quase vi os teus confrades turistas nesse hotel onde ainda se dança o tango e o bolero... :))
Beijos
exilados. sim.
atravessados pela "estranja" que nos "emborca" de papo para o ar...
texto que apetece subscrever até que o mar volte a ser "lusitano" e a língua uma vela orgulhosa.
beijo.
bem re.vindo. e (obrigada)
Todos os povos são estranhos
conforme o tempo
e o espaço que ocupam
Não fugimos a regra
mas temos excepções
por nos considerarmos
mais pequeninos
do que somos
Ainda bem que gostaste
da tua volta
cá dentro
Muitas vezes esquecemos a importância da nossa língua, e a dignificação da mesma por parte do poder político.
Parabéns ao seu texto...
Chris
"Mas por que raio é que a excelsa senhora não foi antes exibir seus talentos para o Iraque ou para o Afeganistão, a animar tropas?!..."
ahahhahahahahahhaahh sorry não consegui evitar rir
e quem manda ir para o algarve (ups,,, sorry... allgarve) em pleno verão??? só podia sair asneira! :P
quanto a estrangeirismos... já basta cada vez que ponho a minha patinha fora de casa acharem sempre que sou italiana. irra que já irrita, um dia destes andava a passear por sintra entrei numa loja e num português completamente macarrónico perguntou-me a empregada se eu falava português "sim, falo... e pelos vistos 1 pouquinho melhor que a menina..." responde ela "ahhh desculpe, pensei que fosse italiana" não percebi se o "desculpe" era pelo portugues macarronico dela ou pelo equivoco...
E às tantas não sabemos onde está o nosso país! Beijos.
Pois, meu caro, tens muita razão. La lengua portuguese anda muito mal tlatada, viu? E os menùs dos restaurants são very funny indeed. Desde as velhas costoletas à carne açada tudo nos conforme, seu cara. E Allgarve na silly-season é um must, dear!
Valha-nos o par do tango e do bolero. E OlÉ!
Gosei imenso desta tua rentrée ;)
Beijinho.
Pois no meu Algarve, o serrano, ainda se vive muito bem. Há por cá ingleses, franceses,holandeses... mas com tal conta, peso e medida que não me importunam mesmo nada. Aqui, todos os dias são iguais e não fora o calendário teria dificuldade em identificá-los.Como vês esta ainda é a " Ditosa Pátria Minha Amada" e por aqui os erros ortográficos devem-se à pressa com que muitos serranos tiveram de crescer para ir ajudar os progenitores na apanha da alfarroba, da azeitona, da amêndoa...
Outros há, muitos, que têm competência linguística mas saíram da terra para prosseguir estudos e por lá ficaram.
Desejo-te umas boas férias neste canto sul onde ainda há muito por conhecer.
Beijo-te com gratidão
É, de "permoção" em "permoção", acabamos por vender tudo o que é genuíno. Apesar de tudo, há zonas do Algarve que ainda mantêm alguma autenticidade. Mas temos, quase sempre, que nos afastar um pouquinho das belas praias...
Gostei muito do teu texto, colorido de um verão em destino turístico. **
http://www.cidade-com-futuro.com/
"A minha Pátria é a língua portuguesa?!... Ou seremos, em certo sentido, de novo exilados na nossa própria Pátria?!..."
O trabalho da ministra ainda não chegou aí.
Por cá continuo, "índio da meia praia".
Alíás ir para uma praia estrangeira, o que é proibitivo e se corre o risco de apanhar a gripe A, prefiro ficar por cá. Praia por praia...
De exilidos passámos a turistas de viagens de praias, comes e bebes - triste roteiro sem grandes alternâncias.
Um exílio a que não podemos fugir...
Um abraço.
nem só no Algarve.
por vezes até custa a entender o que está escrito.
belo post...
um beij
o.b.r.i.g.a.d.a.
muito.
beijo.
Adorei este texto. Cada pormenor sua riqueza de pensamento.
Por isso fico pelo campo:))
Beijinhos*
A tua pátria é a minha, mas anda por aí muito "naturalizado" à pressa.
Abraço
... há muito que me recuso a ir para tais paragens!
Quanto à ' língua portuguesa' visível na publicidade fotografada, entristece-me sim!! Mas, dou razão a 'Isamar'!
Houve tempos em que as pessoas eram obrigadas a abandonar a escola em busca de mais alimento!
No entanto, as novas gerações também não estão a 'lucrar' muito com as 'aprendizagens', dado que o ensino da Língua Materna está a ser relegado para 2º plano! O que importa é ser bom a Matemática...
E, para grande mágoa, o Ministério da Cultura também não se preocupa com a defesa da 'língua 'mátria'.
Cabe-nos a nós, humildes cidadãos, desenvolver esse trabalho de enobrecimento de uma Língua que povos esquecidos por nós [país] teimam em preservar com veneração. É o caso dos goeses!
É sempre bom vir até aqui! Ou me surpreendes pela belíssima 'poética' ou pela 'prosódica' crítica social!
Adorei teu 'casal' saído de 'O Carteiro de Pablo Neruda'! Sabes que é um dos meus filmes, preservado na 'memória poética' que me acompanha.
Um beijo amistoso,
... muito sensibilizada pelo teu olhar tão afectuoso em 'fragmentos'!
Dói, não dói??? Ver "isto" na nossa Pátria... ver "assim" a nossa pátria..
Parabéns pelo texto... (escrita e conteúdo)
Abraço
Pois eu não volto mais ao Algarve a não ser fora do Verão e porque tenho uma irmã, um cunhado e três sobrinhos em Faro.
Deixei de ir há mais de 20 anos e, das duas ou três tentativad que fiz, vim fugida antes do tempo. O meu lugar é no Norte e à sombra.
Este ano foi definitivamente o último e fiquei em Silves, quase sempre mergulhada na piscina.
Uns bons dias por aí
beijo
É um prazer ler-te.
Parece que me sinto mais portuguesa, encontro, mais o meu Portugal longe daqui... porque será?...
Vamos estando em permanente permoção. De censura, acharia eu!
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