Era inevitável. O patriarca, ungido pelo fogo sagrado, desce da Montanha e decreta, em sua supina beatitude, que os trabalhadores, face a premência da crise, “não devem trazer agitação às ruas”. E, profético, proclama, de dedo em riste: “façam-no e verão o que os espera...” .
Qual papa laico, aponta o caminho da redenção – oferecer a outra face à violência da exploração capitalista...
Qual papa laico, aponta o caminho da redenção – oferecer a outra face à violência da exploração capitalista...
Como bem se sabe, (embora por vezes a memória dos homens seja curta) o patriarca laico esteve na génese do processo de inversão dos valores de Abril, que em seu parto generoso, para além da explosão de liberdade, visava prosseguir também objectivos de desenvolvimento social e de maior igualdade entre os portugueses, numa democracia que se almejava ao mesmo tempo, política, económica e social.
Cedo, porém, os objectivos de maior igualdade e participação se diluíram, na exacta medida do processo de recuperação capitalista e os direitos sociais, cívicos e políticos, tão duramente conquistados, se foram aviltando pela mão dos antigos e modernos senhores do dinheiro e dos solícitos governos, que mais não foram (e são) que empenhadíssimos agentes dos seus interesses políticos.
Com especial zelo dos variados governos do Partido Socialista, quod erat demonstradum, isto é, conforme o Eng. Eng.º Sócrates dá veemente testemunho...
Neste processo, de quando em vez, sempre que os interesses do seu clã ou os seus objectivos políticos assim o determinam, desce à ribalta o patriarca laico e, emplumado, pavoneia as suas credenciais de democrata e “homem de esquerda”, pois claro!, e... “indigna-se” contra as injustiças e, na emergência actual, quanto ao estado do Mundo e a “falta de regulação dos mercados”.
Aliás, “europeísta convicto”, perante a ineficiência dos órgãos da União Europeia, tem até a receita pronta para subjugar a arrogância teutónica – um governo federal para a Europa. Assim, sem tirar nem por...
Por cá, já se sabe, continuamos a voar baixinho. Nunca, como hoje, foi tão grande, no Portugal de Abril, a fractura social e a distância entre ricos e pobres e, presentemente, é eminente o risco de se acentuarem ainda mais gravemente as desigualdades sociais.
A causa do défice (que tudo justifica) reside, porém, nos milhares de milhões de euros que saíram do Orçamento de Estado para tapar os rombos e a má gestão de determinados grupos financeiros e económicos. Não foi para salários, subsídios de desemprego, prestações sociais ou pensões de reforma.
Ou para investimento produtivo no desenvolvimento do País...
Ou para investimento produtivo no desenvolvimento do País...
Os baixos rendimentos dos portugueses contrastam com os lucros dos grandes grupos financeiros e com as escandalosas remunerações recebidas por dirigentes de empresas, designadamente, as empresas públicas. E com os paraísos fiscais. E com a ostentação de riqueza. E com a fuga aos impostos. E as mordomias e os compadrios e os injustificados privilégios de uns tantos. E com as actividades especulativas. E com o enriquecimento ilícito e a corrupção grande escala...
Perante isto que nos diz o patriarca laico? Diz para baixarmos a bolinha e não protestar! Como se não fosse possível e urgente retomar os caminhos de Abril...
Aliás, este prestimoso conselho para “sofrer e calar” não é inocente. Inscreve-se perfeitamente na velha e reaccionária proclamação de que “os pobres e os desempregados (e os trabalhadores em geral) são uns malandros”. Quase se lhes aponta a culpa pela situação em que se encontram...
Mas quem são os malandros neste país? Os desempregados ou os que, muitas vezes, por ganância, os colocaram na miséria? Os que recebem subsídio de desemprego, cada vez mais parco, ou os que se apropriam de milhões de forma gananciosa?!...
Sobre isto o velho “socialista”, republicano e laico faz orelhas moucas...
Sejamos justos – “indigna-se”, de vez em quando! Numa indignação de roupão e chinelos, enquanto cá fora a crueza da vida nos interpela à insubmissão e à luta...
7 comentários:
Foi com ele que começou a descida da encosta dos nossos sonhos. E o velho ódio não acaba. Fiquei tão indignada!
Abraço, Amigo.
As bochechas já não o deixam ouvir para além da própria voz.
Abraço
Começo por pedir desculpa da ausência. Ando sem pachorra e, com um pé cá e outro lá, algures na velha Europa...
"Por cá, já se sabe, continuamos a voar baixinho." e, mesmo assim, acho que, com muito medo de cair...
"Portugal a voar baixinho" é o nome de um livro, que por sinal recomendo, de um Professor lá da "minha" UTL, Jorge de Vasconcellos e Sá.
Diz o senhor, no dito, e em jeito de conclusão sobre a arte de bem governar e passo à citação:
"Medidas?
Não é certamente falar ou conversar. Primeiro porque conversar é algo que é especialmente agradável com senhoras bonitas. No máximo, com cavalheiros interessantes. Ora não é propriamente isso que se espera de governantes. Destes pretendem-se obras. É para isto que estão lá, os cidadãos os seleccionaram e lhes pagam. Isto é: estradas, pontes, hospitais, escolas, aumento das reformas e pensões, desburocratização, justiça célere, ensino de qualidade, etc.
(...)
Como obter este desiderato?
... o exemplo de cada um.
(...)
Mais que Frei Tomás (que bem fala Frei Tomás, façamos como ele diz, não façamos como ele faz),é lugar para Frei exemplo, porque como disse o Padre António Vieira, "as pessoas aprendem mais pelos olhos que pelos ouvidos".
em suma, Herético, muito pertinente, como sempre, a sua abordagem.
E, de novo citando o meu estimado Professor Jorge Vasconcellos e Sá,
importa acabar com atitudes de "deixa andar", "que se lixe" ou de "nonne hic est fabre filius? Nonne hic est faber filius Mariae?"
e indigne-mo-nos, pois sim senhor!!!
Herético, eu que sou "loura", entendo que a coisa está preta,e, mais que apontar caminhos, ouso tentar soluções na minha vida, qu'uns diachos, como é que a massa acefálica (exacto!!!) governante não vê e não muda a agulha dos caminhos de todos???
Ou faz que não vê???
deve ser por causa a poeira do vulcão Islandês... só pode...
Fraterno abraço
Mel
PS: peço desculpa da duplicação dos comentários, tentei apagar mas não consegui :)
... texto exemplar!
E como se acentuam as desigualdades :(
Acutilante, sóbrio, mas inteiro!
Beijo,
Não sei se precisamos de outro Abril. Eu preferia um Maio fulgurante como as rosas.
E um bom jardineiro. Cadê ele, cadê?
Abraço
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