“L'Osservatore Romano, o diário vaticano que é expressão directa da cúria romana, apenas dois dias depois da morte de José Saramago, atacou brutalmente o escritor português, Prémio Nobel da Literatura.
Este ataque denuncia uma hipocrisia bem reconhecível, de marca clerical.
Mas, sobretudo, uma ignorância sobre quem seja este homem e o seu compromisso moral e cívico durante toda uma vida. Como se houvesse necessidade de dizer, a todo o custo, algo que negasse a sua clareza, transparência, honestidade e coerência política.
O que se concretiza numa afirmação deturpada: “Cala-te, não podes acusar a Igreja secular pelas suas violências criminosas, pois estiveste calado perante as violências igualmente criminosas dos comunistas soviéticos, dos quais eras um apoiante”.
Eis a mentira! Tive ocasião, mais de uma vez, de falar sobre a questão com José. Eu contava-lhe como a União Soviética, de há 30 anos para cá, nunca mais colocara em cena um trabalho meu de sátira política sobre a cultura capitalista. Antes, tinha censurado a possibilidade de montar qualquer espectáculo. A razão, evidente, é que aqueles ataques sarcásticos tocavam profundamente também a concepção de poder em toda a União Soviética e arredores.
Por sua vez, Saramago recordava-me a censura sofrida pelos seus escritos, também da parte da liderança do partido na URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas).
Já no final dos anos 60, Saramago tinha tomado posições muito duras em relação a Cuba. Não se sentia levado a apoiar, cívica e moralmente, o regime de Castro que levava para a prisão não quaisquer opositores, mas comunistas que não estavam de acordo com a sua política.
Mas, ainda, já desde as primeiras notícias sobre o goulag e o destino dos dissidentes, tinha escrito vários ensaios sobre o que considerava a destruição do comunismo originário.
Naturalmente, o jornal da cúria finge estar distraído. Não se preocupa sequer em informar-se a este propósito. Dá por adquirido que um comunista não tenha a dignidade e a coragem de denunciar a violência muitas vezes criminosa de um grupo político ao qual pertence.
Esta atitude, tendente a mascarar, cobrir, ignorar, pode ser considerada como historicamente aceitável, só por quem faça parte do mundo católico apostólico romano. E isto é “um deixa andar” que dura talvez desde há séculos, desde o início do movimento denominado cristão: a partir mesmo do momento em que bispos e altas autoridades da Igreja colocaram à disposição do Império Romano do Oriente e Ocidente as suas pessoas e toda a cúria.
O tempo, para certas formas de alta hipocrisia, não passa nunca”.
16 comentários:
A posição da Igreja sobre Saramago, vai muito para além do que Dário Fo escreveu...
Tanto quanto me apercebi, a igreja portuguesa foi a única que discordou frontalmente do Vaticano, S.A, mas a sua voz nem cá no burgo tem eco, quanto mais além fronteiras. Como membro não alinhado da igreja, continuo a afirmar que denunciar é preciso.
Abraço
herético
Saramago era um visitante frequente e ilustre em terras brasileiras.Gostaríamos que tivesse escolhido morar aqui quando preferiu a Espanha . Convites foram feitos .
Sua relação de amor é ódio com a sua terra era lamentável e sabemos mesmo assim o quanto foi amado pelos portugueses, só que
a Igreja se ressentia com os temas religosos publicados e o governo portugues se sentiu no direito de retirar um dos seus livros à indcaçao ao Premio Literário Europeu, além de não honrá-lo como merecia.
Tremenda cafajestada!
Saramago era lógico e assim descreveu a morte : "simplesmente a diferença eentre estar aqui e já nao mais estar".
Como saudade nao tem remédio o jeito agora é seus amigos e leitores curtirem suas obras.
Vi o filme Ensaio sobre a cegueira dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles e recomendo a quem ainda nao viu . Instigante.
meus abraços , desculpe alongar-me
A Cúria, a Corja. Medieva e tirânica.
Para muita gente que mente há muito mais gente que diz a verdade.
Abraço
Felizmente vai havendo quem denuncie e levante aquelas sotainas.
Em relação ao Escritor, os cães ladram e a caravana passa.
Abraço
já tinha tido oportunidade de ver referência ao artigo deplorável que o jornal do vaticano publicou.
sinceramente, não entendo a postura da Igrega-instituição e de muitos cristãos-indivíduos: é que estão tão longe dos valores de Cristo, Cristo era pessoa simples, não vivia em opulência, ensinava a bondade, a tolerância, não atirar pedras, dar aoutra face, paz, amor... mas não vejo estas atitudes nem na Igreja nem em muitas das pessoas que se dizem cristãs...
depois, que lhes interessa, em termos religiosos,uma obra de ficção/ literária?
Caríssimo,
Não me surpreende muito a posição do Vaticano...Certas posturas não mudam, se repetem sempre em autoritarismo e conservadorismo...
Novos tempos, velhos dogmas.
Beijo.
Genny
Gostei imenso do artigo de Dário Fo.
Aliás a hierarquia da Igreja tem sobre quase tudo uma posição hipócrita.
Por aqui houve quem fizesse o mesmo, descaradamente.
Para mim Saramago não morreu. A sua obra há-de fazer com que fique para sempre entre nós.
Pois, há quem se entretenha com a sua própria hipocrisia e com a dos outros...
O que vale é que nem todos são assim e vão denunciando o que parece ser doença crónica.
(Não tenho tido oportunidade de vir aqui com frequência. Recomecei hoje a visita aos blogs habituais. Certamente perdi muita coisa interessante mas não consigo esticar o tempo.)
saramago estava muito à frente do seu tempo. mais tarde, quando a cultura se sobrepôr à mesquinhez, o seu nome será lembrado com honra. porque dignidade teve sempre. um grande beijinho, heretico.
... vim deixar-te
um beijo,
Mais uma voz, esta de Dario Fo...
Beijo
Hoje faço um balanço sobre a minha actividade como bloguer.
Gostava de a partilhar consigo e despedir-me...
http://conversavinagrada.blogspot.com/2010/06/6-meses-de-trabalho-gourmet-para-voce-o.html
Esta igreja, que se «esquece» permanente e deliberadamente dos seus pés de barro - aliás, de toda a sua estrutura de barro... - não é uma Igreja, sequer.
É tão só uma imensa multinacional que gere os seus interesses através de um património imaterial que, pela própria natureza das coisas, não lhe pertence.
Mas julga-se - e sabe-se! - possidente. Então, transporta em si os tiques censórios, vingativos, interesseiros como qualquer outra multinacional.
Não esquece nem subvaloriza os seus adversários mais subversivos.
E mostra, esplendorosamente, a sua face mais obscura e a sua pequenez quando permite que o seu órgão oficial assim se refira a Saramago, após a sua morte.
Não é verdade que as acções ficam com quem as pratica? Então, o seu a seu dono: a Saramago o que é de Saramago; à santa madre igreja católica apostólica romana o que é da santa madre igreja católica apostólica romana. Grandezas e misérias...
Grande abraço.
A figura, a obra, o exemplo, os gestos, a coerência pertencem ao nosso Prémio Nobel da literatura.
Isso ninguém lhe poderá retirar...
O meu apreço à sua vida e obra.
abraços,
Véu de Maya
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