“Há por aí uma petição que pede uma redução do número de deputados de 230 para 180. Os peticionários alegam razões de natureza “económica”, “moral” e “ética”. Defendem que a fixação do número de representantes no limite (constitucional) superior (230) resulta de “falta de bom senso político”, “oportunismo partidário” e “ignorância sobre o que se passa noutros países”.
A petição está mal escrita e revela, primeiro, um profundíssimo desconhecimento da matéria; segundo, não têm razão quanto aos argumentos económicos; terceiro, revela uma atitude populista, anti política, anti partidos e, no fundo, contra a própria democracia.
Vejamos porquê.
Em primeiro lugar, a petição revela um profundo desconhecimento da matéria versada e faz acusações gratuitas que raiam o insulto. Vários estudos têm revelado que o nosso país não tem um número excessivo de deputados, e a imprensa (fez abundante eco deles).
(...)
E por que é que o número de deputados é importante para o funcionamento da democracia? Primeiro, por causa da representação territorial sobretudo das zonas menos populosas. Por exemplo, com o sistema actual, algumas regiões do país, têm já muito poucos deputados e, se se reduzisse o seu número para 180, ficariam com menos ainda(...). Segundo, porque o número de lugares por círculo tem um impacto crucial no nível de proporcionalidade do sistema eleitoral: influencia de forma determinante o pluralismo na representação política (...).
Portanto, como uma redução do número de deputados levaria a uma diminuição do número de lugares por círculo, isso levaria a menor possibilidade de representação parlamentar dos pequenos partidos, sobretudo nos círculos mais pequenos.Os nossos concidadãos nessas regiões seriam duplamente prejudicados: teriam menos representantes e menos opções viáveis, logo, seriam (mais) constrangidos ao voto útil (nos dois grandes).
Isto poderia levar à redução do pluralismo, com custos para a democracia, e a um aumento da abstenção (para os concidadãos que, apesar de constrangidos, não quisessem votar útil). Se há algum dado seguro da sistemática eleitoral é o de que uma menor proporcionalidade implica menor participação.
Em segundo lugar, economicamente os peticionários não têm razão. Segundo cálculos (...) em quatro anos a poupança com a redução de 50 deputados seria de cerca de 20 milhões de euros (salários e ajudas). Pelo contrário,(...), as subvenções aos partidos, grupos parlamentares e campanhas eleitorais (2010-2013) apontam para um valor à volta de 163 milhões de euros.
Portanto, com cortes nestas subvenções entre 30 e 50 por cento (consoante as rubricas) poderiam poupar-se cerca de 64 milhões de euros. Aqui sim, há um esforço a fazer (...) sem com isso prejudicar a representação dos cidadãos no Parlamento.
Por último, esta petição revela uma atitude anti política porque faz da política e dos políticos o bode ”expiatório” de todo os gastos excessivos do Estado (e dos problemas económicos do país). Mas não é verdade: os 20 milhões de euros que se poupariam em quatro anos são uma pequena parcela ao pé dos 22,6 milhões de euros auferidos, só em 2009, pelos presidentes executivos das 20 empresas do PSI-20: em quatro anos teríamos mais do quádruplo dos 50 deputados (...).
Por outro lado, para um país que está no top das desigualdades na UE, por que é que não há uma fiscalidade muito mais progressiva para reduzir estas escandalosas disparidades? Outro exemplo, cada um dos dois submarinos que Portugal vai comprar (de duvidosa utilidade, sobretudo para um país pobre) custa 1000 milhões de euros. Ou ainda: somos dos países que mais gastam com a defesa na UE, mas os gastos militares, em Portugal, continuam sempre a crescer (...). Ou ainda: a tolerância de dois dias e meio para ver o Papa terá provavelmente custado mais do que os 20 milhões que pouparíamos com menos 50 deputados.
E por que é que, apesar de crise, continuamos com a candidatura para organizar o próximo mundial de futebol? Mas estes peticionários estão sobretudo preocupados porque há muitos deputados... o alfa e o ómega dos nossos problemas, claro.
É nestas alturas que o Governo representativo pode evidenciar as suas virtudes. Veremos se a classe política consegue elevar-se acima do populismo, a bem da democracia, ou se, pelo contrário, cede às tentações de agradar à populaça”
André Freire – politólógo, prof. no ISCTE - in “Publico” 31 de Maio.
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Espero que este texto, pela sua qualidade e rigor, possa contribuir esclarecer a questão. E, já agora, que sirva também como minha resposta às solicitações para subscrever a petição...
12 comentários:
Não podia estar mais de acordo com o teu parágrafo final...
Beijos.
Eu fiquei esclarecida. E também sei que o que se gasta com o futebol não tem importância...
Um beijo, amigo.
Assino por baixo, não a petição, mas o poste.
Um abraço
este texto elucida de forma cabal
e vem de encontro ao que havia pensado em termos de representatividade nos pequenos circulos eleitorais.
infelizmente o problema económico não se resolve com uma medida destas e nada justifica apertar mais o garrote a esta frágil democracia.
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beijo
Meu Caro,
O André Freire, há muito que consta da minha lista de testemunhas de que o Partido da Informação Golpista existe. Por issi acompanho tudo o que escreve, designadamente este excelente texto denúnciando a circulação desse abaixo-assinado. Que não seja só eu a dar-lhe destaque...
Bom post, meu!
Excelente escolha.
Abraço
estou até tentada a copiá-lo para a petição se isso fosse possível!
concordo em pleno que é preciso reduzir custos mas entendo também que é necessário ponderar muito bem onde devem ser reduzidos. e continuo com a minha velha teoria que acima de tudo é preciso produzir mais
Eles comem tudo
Muito bem.
Beijos*
Boa tarde Pai,
Concordaria com o André Freire e contigo se os eleitores soubessem quem são efectivamente os seus representantes. Um deputado que passa uma legislatura sem que se lhe oiça a voz, ou que se perceba o que ele pensa representa alguém?
Efectivamente os argumentos económicos defendendo a redução de deputados são ridiculos! A questão não é económica é politica.
Um beijo.
João
Pela oportunidade, republiquei no Facebook.
Beijo.
Democracia que não represente a pluralidade dos vários interesses e pontos de vista é coisa fraca...
Está tudo muito claro no teu texto.
Mais cego do que quem não vê é quem não quer ver. tanta mistificação que anda por aí à solta...Faz falta a lucidez...como bem chamas a atenção.
Abraço,
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