domingo, fevereiro 06, 2011

CONSIDERAÇÕES (IN)CONVENIENTES...



Os acontecimentos da Tunísia e do Egipto (e os que mais adiante se verão) revelam algumas evidências que o “blá, blá, blá” de costume teima em deixar encobertas.

De facto, se há alguma lição imediata a retirar dos actuais acontecimentos da Tunísia e do Egipto, será a de que, por mais adversas que sejam condições sociais e politicas, mesmo na mais absoluta falta de liberdade e de violenta repressão, é possível aos povos insurgirem-se contra a tirania. Já se sabia, mas é sempre reconfortante testemunhar, momento a momento, a determinação dos povos a estoirar grilhetas e a soltar as mais exaltantes e generosas pulsões de liberdade …

Efectivamente, “não há machado que corte a raiz ao pensamento…”

 A segunda evidência é uma contestação que de tão evidente fere os olhos, mas que a “redoma ideológica”, onde estamos imersos, nem sempre permite percebê-la em toda a sua potencialidade transformadora: são as massas humanas, conscientes do seu destino e determinadas a prossegui-lo, quem faz a história e não os gurus do capitalismo dispersos por universidade de prestígio e pelos centros de poder económico-político.
O mito do “fim da história” está a ruir, de forma estrondosa na Praça Tahrir. E os actuais acontecimentos da Tunísia e do Egipto demonstram, de forma eloquente, que afinal de contas há muitos “muros de Berlim” que tombam, para além da propaganda e do poderio do Império.
De forma inesperada, a história persegue seu curso. E se há outra lição a recolher dos acontecimentos actuais, será a de que a corrente da vida galga as margens. E que as “revoluções” não se decretam, nem muito muito menos se traçam a régua e esquadro, ou obedecem a figurinos. E se é verdade, que por vezes “basta uma fagulha para incendiar a pradaria”, também é verdade que o fogo segue sempre a direcção do vento, por natureza incontrolável…
Boa oportunidade, portanto, para poderem ser reanalisadas algumas concepções mecanicistas, ainda remanescentes, que consideram a História com uma espécie de linha de montagem, a que se acrescentam, sucessivamente, novos saltos qualitativos…
Seja como for, vale a pena sublinhar a inesperada ironia – e esta a terceira consideração – de ver o Império e seus acólitos europeus “de calças na mão”, (passe o plebeísmo). Durante décadas, o ditador Ben Ali, na Tunísia, agora chutado, com estardalhaço, para os confins da Arábia e a ditadura de Hosni Mubarak estiveram ao serviço dos interesses dos Estados Unidos da América, da França, da Itália e de Israel.
Com as gigantescas manifestações o imperialismo assustou-se. E, perante o naufrágio, procuram os salvados. Confesso o meu prazer em vê-los rabiar… O governo dos EUA e seus comparsas na Europa começaram por reafirmar o apoio aos ditadores. Passaram depois, à medida que o movimento de massas engrossava, a ensaiar manobras de diversão para que, mudando alguma coisa, tudo fique na mesma.
Quer dizer, que sejam os mesmos interesses, que sustentaram as ditaduras, a moldarem o futuro daqueles países…
O governo dos EUA proclama que, no Egipto, se deve proceder a uma “transição democrática e pacífica” e logo a UE afina pelo mesmo diapasão, sobe uns decibéis, e sustenta ser necessário que se proceda a uma “transição pacífica e ordeira”.
Parece óbvio, que para além dos sonoros (e apelativos) adjectivos, qualquer das “transições” almejadas pelos EUA ou pela EU, se resumem ao seguinte: manter Mubarak no Egipto e, se tal não for possível, como se presume, substituí-lo por um qualquer outro de fachada democrática.
Compete aos cidadãos egípcios, furar-lhes os planos.
É a sua luta quem decide…   






14 comentários:

jrd disse...

Considerações (im)pertinentes...
Excelente!
Abraço

Rogério G.V. Pereira disse...

Os sinaleiros do futuro explodem sentenças enquanto apontam caminhos: Que nada fique como dantes, para que tudo fique na mesma...

Será que o povo segue a direcção indicada?

folha seca disse...

Caro Herético

Uma analise oportuna para ler e reler.
Abraço

Virgínia do Carmo disse...

A força do pensamento e da integridade pode tardar mas não falha.

Um abraço

lino disse...

Infelizmente quem vai triunfar, mais cedo ou mais tarde, é o profeta e a sharia.
Sbraço

O Puma disse...

Boa e pertinente reflexão

É preciso chamar boi ao boi

Mubarak Obama querem civis fardados
nos quarteis
prolongar a agonia do povo

Gabriela Rocha Martins disse...

excelentes e mais do que pertinentes reflexões.......

vejamos o que a "História" escreve!



.
um beijo

jawaa disse...

O presidente de um país estrangeiro fala do Egipto como se fosse um dos seus estados. E as tvs fazem eco.
O mundo em que vivemos...
Haja quem denuncie!

Anónimo disse...

Excelente análise do momento histórico que estamos a presenciar!

Em Junho do ano transacto, fui de férias à Tunísia... e sou testemunha da grandeza e opulência em que vivia o ditador.
Tunes ( uma cidade de contrastes).

Já se ouvia nos bastidadores o desagrado do povo.

Em referência ao Egipto... fiquei pasmada, quando ouvi na TV, o
Presidente de um país estrangeiro, fazer inalações dos acontecimentos como se fosse um dos seus Estados.

Viva a liberdade de expressão... mas, cada um na sua " casota".

Boa semana,
Beijo meu.
Maria

Graça Pires disse...

"os actuais acontecimentos da Tunísia e do Egipto demonstram, de forma eloquente, que afinal de contas há muitos “muros de Berlim” que tombam, para além da propaganda e do poderio do Império." Tu o dizes e eu subscrevo o texto...
Um bweijo.

mundo azul disse...

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Mas, são acontecimentos como esse, que nos dão esperanças... Prova, que o povo acaba por saturar-se do abuso, da exploração, da corrupção e tantos outros "ãos..." Quem dera que todos os povos acordassem e não se deixassem mais surrupiar!

Gostei muito da sua exposição.Obrigada!

Beijos de luz e o meu carinho...

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São disse...

O problema dos EUA no Egiptp é , como sempre, o "democrático" Israel!

Mas que as coisas acabarão por mudar, de certeza que sim...e quanto mais tarde pior será!

Tudo de bom.

José Leite disse...

Os diques do capitalismo e dos totalitarismos também são perecíveis.

Não há males que sempre durem...

luis lourenço disse...

Meu caro herético!

de uma claridade incontornável...
As multidões precisam de linhas de orientação, mas são imparáveis quando as correntes se tornam insuportáveis...Como bem citas" não há machado que corte as raízes ao pensamento.

abraços,

véu de maya

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