Semear é um acto de amor! Para a natureza, que é sábia e não obedece a princípios morais, o gesto de lançar sementes à terra tem a mesma densidade ontológica que a procriação humana.
Acto primordial da criação, portanto, em que a natureza, no seu equilíbrio cruel, se auto preserva. E que o homem, eufórico produtor de mitos, sublimou pela religião e pela cultura, arrancando, da profundeza das forças naturais, a sublime vertigem da poesia. E da História…
Quem algum dia teve o privilégio de observar a amorosa solicitude com que o semeador lança as sementes compreenderá os indissociáveis laços que vinculam homens e natureza na fecundidade de acrescentar vida à vida.
E nesta fecunda harmonia, a semente será o elo promissor de uma nova transmutação criadora. Neste sentido, a semente é um património comum de todos os homens que, no húmus da terra e no suor do rosto, domesticam a natureza e, pela destreza de seu trabalho, produzem os bens, com que se alimentam e alimentam outros homens.
Por outras palavras, a apropriação das sementes e a patenteação industrial da sua utilização, é um comportamento contranatura, que ofende as leis naturais e os princípios fundamentais da soberania alimentar dos povos.
Ou assim deveria ser considerando pelas instituições jurídico-políticas europeias que, pelo contrário, fazem da produção de sementes, até agora nas mãos dos agricultores, fonte de lucro e domínio de uma quantas empresas multinacionais.
De facto, talvez não saibam, mas Comissão Europeia aprovou a chamada “Lei das Sementes”, que prevê um sistema de controlo apertado com sanções para variedades de sementes não registadas.
A Comissão Europeia, está assim a proceder à restrição total das sementes tradicionais e à criação de um mercado de sementes, patenteadas pelas grandes empresas de biotecnologia.
Os agricultores deixam de poder utilizar as suas próprias sementes; a partir de agora, apenas poderão ser utilizadas sementes “certificadas” em favor de meia de marcas/empresas, acabando-se, também por esta via, as especificidades das culturas nacionais.
Tudo isto acompanhado de eficaz fiscalização e grossas sanções para quem se atrever a guardar sementes (ainda que certificadas) de um ano para o outro.
Enfim, não desanimem. O país continuará a criar nabos. Mas agora com selo da garantia da União Europeia…
Muito mais nabos, portanto! E todos bem formatados…
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Abaixo-assinado "Carta pela Biodiversidade" em
11 comentários:
Sou eu que estou ficando tótó?...
Fica bem.
Já tinham regulado o tamanho dos tomates e dos pepinos, das peras e das maçãs e de tudo o que é comestível. Proibiram o bagaço caseiro, o azeite do produtor e o vinho do barril, mesmo que sejam muito melhores do que os martelanços comerciais. Já obrigaram a registar as minas e os poços de água. Agora são as sementes. Qualquer dia a procriação humana só vai poder ser feita com óvulos e espermatozóides patenteados. E nós deixamos.
Abraço
Se se auto-regulassem eles, os reguladores...
Que raio de mundo (ácido) estamos a deixar aos nossos filhos!
Abç
Que fazer?
Hoje li a crónica quinzenal de ALA e conta um episódio da mãe no dia do seu nascimento que teve sintomas de eclampsia. Quando passava, na maca, pelo marido/pai/médico, clamou: «Eu não te disse que morria?» Resposta do pai: «E o que queres que eu te faça?»
Parece que vai no sentido do anterior comentário. Já não sabemos lutar. «Que fazer quando tudo arde?»
Com todo o respeito que os crentes das diversas fés me mereçam, sempre considerei que os diversos deuses do panteão mundial mereciam um crédito muito relativo (quando não mesmo duvidoso) pelo que têm de mera criação humana e tão imperfeita.
Ora, se os deuses me são tão pouco credíveis e sustentáveis, que dizer dos burocratas arvorados em pequenos deuses caseiros?
Ontem os tomates, hoje as sementes, amanhã o esperma e, logo mais, a propriedade sobre os óvulos - secundando um raciocínio anterior - tudo não passará de uma estratégia de dominação à escala cada vez mais «universal».
Lembram-se de um tipo barbudo que falava de uma coisa estranha e que tantos referem como ultrapassada a que ele chamava o capitalismo monopolista de estado? O estado, cada vez mais estado e cada vez mais global, como excrescência do poder das grandes corporações
Pois, parece-me que será por aí... mas quem sou eu para o dizer, para aqui tão longe dos Olimpos.
Abraço, meu caro.
Cada vez mais nabos... Gostei de ler e assinei.
Um beijo.
Temos que respeitar os ritmos da natureza, pois a ingerência do homem em certas áreas, nem sempre é a mais conveniente.
Abraço,
Chris
O Homem, na verdade, parece querer escravizar a natureza... e substituir-se, prepotentemente, à ordem natural do univeros... Uma pena...
Um abraço
Adoro caldo de nabiças, mas com estes nabos todos...começo a ficar enjoado.Tão clarividente o texto!
como transformar gestos profundos em receitas puramente comerciais?
abraços,
Véu de Maya
Eu adorei ler este 'manifesto' a favor da identidade da agricultura de cada país europeu!
Sim, já vi um semeador!Várias vezes! E estou complemente de acordo| O cuidadoso gesto com que lança as sementes à terra, em gestos continuados, sincopados, cuidando que tudo se faça como deve ser...
Um beijo amistoso,
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