“Um dia, num
restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o
amor como dobrada fria.Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta
E vim passear para a rua.
Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo.
(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele
E que a tristeza é de hoje).
Sei isso muitas vezes,
Mas se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-me frio.
Não me queixei, mas estava frio.
Nunca se pode comer frio, mas veio frio…”
Álvaro de Campos.
17 comentários:
Muito gostoso
Saudações amigas e boa semana
O amor nunca é frio.
Esta Álvaro de Campos é muito especial!
Beijo.
Sempre!
um dos poucos poemas de Ávaro de Campos que gosto
O Amor é louco mas a "Dobrada" é pior porque se as vacas são loucas...
;)
Abraço
Tripas com feijão branco é melhor comer no Porto. O Álvaro de Campos não devia saber!
Abraço
Álvaro de Campos gostava de questionar o inquestionável...
Um abraço, amigo.
Álvaro de Campos...sempre!
um beij
:)))
Se fosse gelada
podia queimar
Não me lembro de ter lido este poema alguma vez.
O amor?...pois, o amor....
Bons sonhos
Ah esse poeta de mil faces!
qualquer dia no restaurante vou pedir " dobrada a moda do Porto" (quentinha),já aqui em casa temos à mesa coisinhas portuguesas, é vinho, é azeite ,é peixe a gomes de sá , bacalhoadas ,castanhas torradinhas ... rsrs sabes bem meu apreço pela terrinha nao sabes?
Um poema cheio de humor e graça.
Gosto heretico gosto muito, quase tudo por aí é poético!
em agradecimento pelas gentilezas portuguesas que tenho â mesa e por essa bela" dobradinha"te mando mil abraços
Uma dobrada fria, sem amor... Um poema sem data, que pode ser qualquer tempo, o amor não tem data, nunca será datado, é atemporal como a poesia, e como Pessoa (e seus heterônimos)!
Lembou-me que já algum tempo o Porto me mata de saudades;
lembrou-me o Mia Couto, em O Fio das Miçangas, "cozinhar é um ato de amor", e nunca um ato mecânico.
Lembrou-me um mundo guardado em mim!
;)
Em tempos gélidos e mal temperados, as saudades que uma boa dose quentinha de tripas nos traz...
Vamos a elas?
Penso que este poema pertence à fase mais intimista (fase abulicólica) de Álvaro de Campos, em que se torna notória a desilusão e o cansaço relativamente ao mundo em que vive.
Já não tinha muito presente este poema.Foi bom recordá-lo.
Obrigada.
"Ai que prezer ter um livro para ler..."
Sempre deslumbrate, Pessoa!
Bj
Não nunca se pode comer frio
Mesmo que o arrepio nos adormeça
Na curva dos olhos ternos do Douro.
O amor, esse, que não arrefeça
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