sexta-feira, julho 04, 2014

SEI AGORA...


Sou o linho estendido sobre a pedra. Como mesa...
E o suor dos rostos em círculo. Como mito. (Sei agora)
E o pão avaro.
E o rito das mãos de boca em boca
E as gargantas ressequidas.
Sou o vinho...

E sou a sombra. E a gota de água.
E a agitação do freixo. Sou a canícula e sou a raiva.
E a boina descaída sobre os olhos – basca.
E a precária sesta na aragem do dia.
Sou a ceifa...

Sou os tordos espantados de meus olhos
E a voz do amo
E o sol que já declina...

Sou os corpos debruçados sobre a terra
E o crepitar do caule e da espiga.
Sou o fio da revolta
Que não sabe ainda...

E neste horizonte de mágoa
Sou sopro de bandeira
Sou esta linha quebrada que explode
E me incendeia...

Sou este signo vazio de tudo ou nada
E o canto das cigarras que teima...

Manuel Veiga

10 comentários:

anamar disse...

Belíssimo.

:) abracinho

Graça Pires disse...

"Rito das mãos de boca em boca." A repartir a sede, a palavra, o espanto, a inquietude. O tordos espantados adejam as asas no olhar de quem tece a intimidade dos dias...
Um beijo, meu amigo.

Graça Sampaio disse...

Mais um belo poema ao e para o Alentejo. Lindo, lindo como a linda planície alentejana...

Mais uma vez: muito bem!!

Beijinho

jawaa disse...

Belíssimo poema!

Shirley Brunelli disse...

...o suor dos rostos,
o fio da revolta,
a raiva,
a cigarra que teima em cantar,
a gota d'água...
Isso tudo,
até quando?
Beijos, heretico!

Lídia Borges disse...


O "signo vazio" é um imagem forte, tão dolorosa... Desajustada até deste imenso canto que soa.

Maravilha!

Lídia

Mar Arável disse...

Cantemos meu irmão

mesmo que as cigarras se doam

Geladeira no prego disse...

Adorei o seu poema.

hfm disse...

Voltar aqui também é sempre um prazer.

maceta disse...

mas, difícil, como já algumas disse, decifrar a origem intrínseca de um poema, o que fica dentro do poeta,...

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