Irrompe o poema
a sobriedade e ousa o pórtico onde
Todas as
legendas se inscrevem. E imiscui-se
No interior sem
aviso prévio nem hora acordada
Como saltitante Mozart
e seu fogo
Divino derramando-se
pela casa...
Insufla-se
traquina
E desarruma o
outro lado, aquele fechado
Que nada guarda
apenas bagatelas, traquitanas sem glória
Ou mágoa...
E trepa (ou
desce)
Como ventania
inesperada
Ou janela aberta
que nada espera
Apenas a luz
coada
E que de repente
se escancara
Como se varanda
fora engalanada
E festiva...
E senta-se à
mesa o poema. Comensal de honra.
E acaricia o linho
e acende as velas
E reclama o
vinho...
E solene avisa
que neste dia não será
Servida dobrada,
que sendo fria sempre lhe causara
(Como os amores
de Pessoa) frustre azia...
E o poeta deixa que o poema seja.
E desamparado finge a dor
Que fica!...
E o poeta deixa que o poema seja.
E desamparado finge a dor
Que fica!...
Manuel Veiga
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“Um dia, num restaurante, fora do
espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada
fria.
Disse delicadamente ao
missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do
Porto) nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num
restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa,
paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.
Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo...
(Sei muito bem que na infância de
toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do
vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era
o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).
Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é
que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas
veio frio”.
Álvaro de Campos, in
"Poemas"
25 comentários:
Inesperado poema
Poeta
Mas que se passa? Estás de dieta?
eheheh.
boa malha, Rogério!
forte abraço
De como até uma dobrada se transforma em poesia... :)
Quem é Manuel veiga?
oh, oh ... vá lá saber-se!...
mas Veiga e com letra maiúscula - faço questão!
Desde que bem rimado,tudo vira poesia.
gostei
Tenho lá meu preconceitozinho com a dobrada seja 'à moda do Porto',ou a nossa costumeira 'dobradinha'... penso _que 'à mesa vestida com linho, velas e o vinho ...do Porto quem sabe a encarasse aceitando a sugestão de Baudelaire _ ''embriagai-vos!De poesia'
Gostei heretico
bom domingo
Boa noite (já sei k são os meus "devaneios" noturnos, já sei, mas eu gosto assim)!
Anda tudo de varandas engalanadas, poeticamente, falando, sim, pke eu estou atenta, e ando por "aí", como o "outro", esperando o "arraial", k não o dos santos populares, o do António, o da minha paixão, ou seja, o de Santo António. Tenham paciência e esperem só mais uns 4/5 meses.
Gosto muito da Babilónia k está a construir, cujos pilares são metáforas mega, mega eruditas e bem "metidas".
Não gosto de dobrada, nem fria, nem quente, mas vingança, por vezes, dá-me um certo gozo. Sou tão imperfeita e escolhi o pseudónimo, Céu. Incongruências, é o k é.
Gostei muito do poema, que escreveu e k colocou em paralelo com um de Álvaro de Campos.
Bom domingo e fique bem.
Peço desculpa,a minúscula foi um lapso...Manuel Veiga*
Hoje
a minha mãe
com 90 anos
não admite ser discriminada
Abraço
todos nós "tivemos o nosso jardim"...
90 anos é uma bonita idade para uma Mãe...
(a minha já teve...)
abraço, meu irmão Poeta!
~
~~ O Poeta às voltas com um poema traquinas e petulante...
~~ Beijos para si e para a mãe do seu lar...
~~~~~~~ Tudo de bom para vós.~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Não sei se é da dobrada, se do feijão branco, mas a verdade é que todos os meus versos se transformam em ventosidades! Será que sou uma merda?!
Um abraço e continua a estender as tuas palavras como linho - o sol da eira tratará deles - e depois imagina o que acontecerá...
nem penses, majestade!
a tua ironia (e a tua poesia) são autêntico "sol na eira!...
Amor, só com receita certificada e aprovada por eles, dizem eles.
Em grande, poeta.
Abraço
O fingimento do poeta.
A dobrada fria como pretexto para dizer a luz coada e o fogo derramado pela casa...
Um beijo, meu amigo.
Deixa o poeta que o poema seja sem condições. Bravo!
Talvez o vento em rajada
acerte nas próximas urnas
Oi.Belo poema,amigo poeta.Grato por pôr o meu blog na tua lista, pra mim é uma honra:O).Abraço.
Belo poema, Manuel!
Abraços!
Talvez, também, o Álvaro tivesse sido, ali, um fingidor. Dobrar-lhe-ia mais outra dor...
(e, ao costume, belo poema o teu!)
abraço!
Velas acesas sobre o linho e janela aberta,não sendo prudente, saiu-lhe aqui lindamente neste poema em que a dobrada até seria boa pedida, se quente, como quis um dia o outro poeta, o Pessoa.
Sempre surpreendente, sempre bom de ler.
abç amg
Til,
Manuel Veiga é um poeta maior e um escritor notável. Sugiro-lhe a leitura das obras publicadas.
É uma "pessoa importante que chegou".
de um lado a dobrada (fria) ou quente que seria incapaz de comer.
eis que o Poeta faz um poema muito original e que fechou com chave de ouro.
a dor não é fingida e fica.
bom fim de semana.
beijinho
;)
Dobre-se de vez a dobrada!
Em dois em três ou em quatro,
Por forma a ser dizimada,
Assim que aterrar no prato.
Se fria, ponha-se a jeito,
Quando não, enrola-nos o peito,
E a espinha fica arrepiada.
Se a dobrada arrefecer,
Por desatino de sol,
Deixa de ser bucho de luxo,
passa a tripa desimpedida,
Simples, sem couve nem vida,
De bovino, tresmalhada.
:)
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