Para além da
vivenda de Dona Rosalinda, arvorada, daí em diante, em sede do comando militar
Companhia de Cavalaria, da qual o Alferes e o seu pelotão de bravos era guarda
avançada, o núcleo central da Tabanca era constituído por meia dúzia de
edifícios coloniais, de diferentes tamanhos e portes, construídos de “pedra e cal”, que os portugueses vieram
para ficar, à volta do qual se alargavam, em círculos desordenados as palhotas indígenas.
À entrada,
descaído para o sul, que dizer, no lado oposto à fronteira, um edifício quadricular
e térreo, construído em adobe de barro e tapado, em lugar de telha, por folhas
de zinco, que cobriam, além do telhado, o alpendre em volta da casa, esteticamente inspirado na opulenta vivenda
de Dona Rosalinda, onde nas noites cálidas, espreguiçava uma mão cheia de
mulheres indígenas, de diversas idades e numerosa prole e, lá dentro, estendido
sobre um baloiço de pano, de lés-a-lés, atado nas pontas às colunas que
suportavam o tecto, um homem sem idade, abanado em seus calores e caprichos por
um jovem (eunuco?), digno cenário certamente do prodígio das “mil e uma noites”.
Efabulava, assim,
o Alferes, num registo irónico, “a
arqueologia dos saberes e das distâncias”, oscilando, por momentos, em suave
gozo intelectual, entre a inefável “permanência das estruturas culturais” e o
“lastro sociológico em que se despenham” transfiguradas e degradadas, mediante o “mergulho
no real histórico”, como se a opulência do Xeique
das Arábias decaísse em pindérico Régulo guineense.
“Nada é perfeito, nem sequer o perfeito mundo das
formas!”
– desabafou o Alferes, filosoficamente, para os seus botões, em seu percurso íntimo, rumo à vivenda de Dona Rosalinda, onde
esperava poder negociar as suas
instalações privadas, certo como estava, que seu corpo continuaria pasto de
diversos jejuns da generosa senhora, destino aliás que, benevolente consigo
próprio, estava resignado a aceitar, pois de alguma forma, desde as suas
peripécias amorosas, ainda Portugal, no decorrer da recruta, em Castelo Branco,
com a célebre “Papa Alferes” estava
vacinado contra ironias e zombarias dos seus camaradas de armas, sejam eles o
seu amigo Valentim, seja o próprio comandante do Batalhão.
E, como em tudo
da vida, mesmo nas situações mais incómodas se pode tirar sempre algum
ensinamento ou vantagem, na mente um tanto ou quanto precocemente perversa do
Alferes, reconheça-se, começava a germinar a ideia de que, da “exigente missão militar” que o leito de
Dona Rosalinda era campo de exercícios e aplicado treino, talvez, cismava o
Alferes, talvez pudesse daí advir ganho de causa, pois que a excelsa senhora,
com sua longa permanência, conheceria, certamente, por dentro e por fora, a
Tabanca e, sobretudo, os percursos de vida, quiçá, os segredos e os esconderijos de alma dos seus
concidadãos brancos, que o nosso denodado jovem oficial, qual Mata Haari de másculos calções, se
propunha arrebatar, aprendiz de caçador de almas, que desejaria ser um dia...
Calo-te a pergunta, Maria Adelaide, que te queima os
lábios: “Mas donde saiu agora esta “Papa Alferes”? Não te parece excessivo o pendor
femeeiro da tua escrita? É que não há narrativa que resista a tão aceso
desígnio literário, nem paciência de leitor que o suporte...”
Eu sei, eu sei, Maria Adelaide, que a “apaixonante”
Dona Rosalinda te caiu “no goto”, desculpa plebeísmo, nem sempre pelas melhores
razões, pois que o que te move na tua urgência, é apenas o capricho de mulher
mimada, que julga as figuras literárias pelo seu próprio figurino, a que, no
teu caso, acresce África e as suas voltas e revoltas e os destinos e caminhos que
marcam o itinerário da tua vida. Descansa, Maria Adelaide, esquece a “Papa
Alferes”, que nada traz de interessante, apenas incidente, mera passagem, ponto
de referência ou ponte para outras margens, que alimentam o descuidado fio da
narrativa. A urgência agora é outra, que em tua pulsão ansiosa e os teus
cuidados com Dona Rosalinda e o que dela esperas para dulcificar teus caminhos, não
te permite sequer um desprendido olhar de interesse.
E terás, porventura, razão.
Que importância tem o “apoucalhado” soldado básico, graduado na mais baixa
condição militar, como “ordenança” do comando da Companhia, e que se reconhece
na alcunha “O Assobio”, a que os seus camaradas de armas, em prova de insólito
privilégio e admiração, o promoveram, perante a crepitosa Dona Rosalinda e seu
lúbrico desvelo pelo Alferes? Mas não te vais livrar de “O Assobio”, Maria
Adelaide , por muito que o teu enfado me seja penoso.
E, no entanto ....
6 comentários:
Um texto deste, a nossa atenção de
leitor é muito fácil, sem nenhuma
possibilidade de enfado.
A "Maria Adelaíde" é muito briguenta...rsr
Ela sabe da sua importância no universo
da crítica do palco (texto)...
Meu passaporte carimbado para
a continuação desta viagem, Poeta amigo!
beijo.
Lá estarei no teu próximo apeadeiro
Abraço amigo
Nesta tua prosa vem "esgalhada" continuo a seguir atentamente a Maria Adelaide que muito admiro pela acuidade das suas interpretações. E como eu a entendo...
Um beijo, meu amigo.
Acho que peguei o "bonde andando", mas ainda assim uma ótima leitura com personagens cativantes e que me deixaram curiosa pelo outros fragmentos... lerei portanto.
Beijinho.
Maria Adelaide com ciúme de Dona Rosalina, que todos conheciam de outros carnavais?...
Beijo, Manuel!
Já assobio, caro Manuel, que do belo campo de batalha da D. Rosalina hão de surgir pelas de ciúme que a perspicaz Maria Clara nem sonha, tanto mais, presumo nunca envergou o verde oliva dos heróis.
Muito boa a leitura a escorrer pelas gargantas como cerveja nos tropicais dias de remanso.
Abraço
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