A Sãozinha mantinha então a frescura indecisa de uma
balzaquiana bem cuidada. A pele fresca e os seios juvenis. Chama-lhe “príncipe” em saboroso recorte
queirosiano... “És o meu príncipe!”- Suspira,
melodramática. Do marido, garante, nunca mais deixou tocar-lhe, depois da cena
com o enfermeiro: - “Aquele cabrão panilas!”
- solta com asco.
Mas toda ela se dá “ao
seu príncipe” em arroubos amorosos e deliciosas indecências. O “Begin” pasma de tanto talento! “Quem tal diria!?” - Sorri para os seus
botões.
Ela gosta de o mimar. Traz-lhe novidades da terra e
petiscos regionais. Que gostosamente cozinha para ele. Em dada ocasião, foram
morangos. “Os primeiros da quinta”,
como garantiu. Comidos na cama, enquanto, em pelota, desfilava a cidade: o labrego
do presidente da Câmara, o negócio de carros importados do Governador Civil, a
última amante do Bispo, verruga de Fulana, a unha encravada de Sicrana. Um desfile
de cortar a respiração. Que ele aceita com um sorriso complacente. E, quando
termina, quer um beijo. - “Chega por
hoje!...” – diz ele, evitando a boca...
Assim correram uns tempos. À medida que se intensificavam
as visitas da Sãozinha, mais a tese do doutoramento deslassava. E o “Begin” a ficar cada vez mais enfastiado.
Um dia, já em fase de refluxo, não se sabe por que artes,
a Sãozinha soube da presença do “Begin”
na cidade. A verdade é que mal acabara de se sentar numa esplanada, rodeado de
jornais, quando telemóvel deu sinal.
- “Tens que vir ao
meu “paraíso”! – intima a Sãozinha, sem aviso prévio. O “Begin” ficou apavorado. Naquela manhã,
apetecia-lhe antes ficar por ali, deambulando pelos locais e pela memória, sem
outro compromisso que não fosse consigo próprio. Mas quem resiste a um apelo da
Sãozinha?
Por isso, antecipadamente vencido gracejou o Begin: - “Mas tu tens um “Paraíso”, Sãozinha?... E, divertido, dando asas ao jogo de alusões queirosianas
– que ela tanto cultiva – “Que se saiba,
tu não te chamas Luísa, nem eu uso bigode”, evocando, assim, no fio do sorriso,
o célebre “Paraíso” e o celebrado “beijo francês” do primo Basílio.
- “E que te disse a ti
que és meu “primo”?” – carregou ela, numa subtil passagem semântica de “primo” para “primeiro”... E numa gargalhada provocatória: - “Não te armes em esquisito e aparece!
Reservo-te bem melhor...”- acrescentou, jocosa.
Foi, claro!...
A instituição de que a Sãozinha é administradora,
directora executiva, consultora cultural e investigadora emérita está sediada
na parte velha da cidade, numa colina sobranceira, cujo imóvel, nos seus usos,
acompanhou as vicissitudes da história pátria. Convento franciscano na Idade
Média, “casa da roda” com o
constitucionalismo liberal, acolhimento de pobres e de órfãos na primeira
República. O Estado Novo acabou (como todos sabemos) com os pobres e os órfãos
e instalou no edifício a Legião Portuguesa e o Arquivo Distrital. Depois de 25
de Abril, foi sede de uma Associação Revolucionária e Popular, cujo projecto de
Creche e Lar da 3ª Idade cedo estiolou, como a euforia democrática.
Arrostando golpes e caprichos da História, o vetusto
edifício foi assim dando testemunho de si e dos tempos. Foi, digo bem!... Até
que a Sãozinha lhe deitou a mão. Como um furacão!...
Do histórico edifício resta apenas o casco. Madeiras
exóticas e mármores importados substituíram os castanhos embutidos e as pedras
seculares. E abriram-se corredores e salas em toda a extensão. Mas está certo. A
Sãozinha merece o melhor e a Câmara é rica... Então não é mesmo uma glória
aquelas portas automáticas abrindo-se em alas, a passagem da Sãozinha, em majestade?
Imagina-se quanto o “Begin”
terá ficado deslumbrado com tamanha modernidade... A Sãozinha segurou-o pela
mão e atravessaram gabinetes, auditórios, salões, estúdios. Todos,
naturalmente, desertos... Mas não pensem que a Sãozinha não trabalha. Trabalha,
pois!... A Sãozinha tem um adjunto. Um “burgesso”,
- como ela afirma – mas em qualquer caso um adjunto, que essa manhã,
expeditamente, enviara a “despacho”
com o Presidente da Câmara.
E, enquanto atravessam portas, salas e corredores, a
caminho do “paraíso”, a Sãozinha explica-lhe
tudo.
O adjunto é uma cunha sagrada. Intocável. Do outro lado da
serra quem pontifica na política é padre Sarzedello (com dois “ll”, não
confundam). O Padre domina uma boa mão cheia de votos. Como poderia – digam-me!
- o Presidente da Câmara dizer não a tal
“empenhoca”? Para todos os males da
Sãozinha!...
O adjunto é assim protegido do padre. Um primo afastado,
mas as parecenças são tantas, que há quem diga que o parentesco é bem mais
chegado. Da fama, pelo menos, não se livram o padre e o adjunto. “Mas certamente apenas umas “bocas” da gente
mal formada” – acrescenta a Sãozinha, piedosa.
O Begin ouvia-a,
distraído, entre o deslumbre os “melhoramentos” e o gozo antecipado da gulodice
que o esperava, no desvelo da Sãozinha. Contava, então, ela que, de início,
dera o seu acordo. Uma licenciatura em Antropologia Social e uma boa figura,
era mesmo o que ela precisava para aliviar as tensões do cargo.- “Todo o santo dia juntos os dois, metidos
naquele casarão, alguma coisa deveria acontecer!...” – suspirou a Sãozinha,
encostando a cabeça no ombro do Begin.
Mas os dias passaram, monocórdicos e não se “passava” nada. Então a Sãozinha começou
a olhar o adjunto com outros olhos. – “Com
olhos de ver!...” – sublinha.
A Sãozinha, não é parva de todo, como por certo, já
notaram. Desde que o adjunto lhe começou a aparecer, pela manhã, de olheiras fundas
e sobrancelhas depiladas que ela andava desconfiada. Mas agora tem a certeza.-
“ Imagina tu” – exclama, eufórica, detendo-se,
no meio do salão, perante o ar divertido do “Begin”–
“Imagina que um destes dias se apresentou, vestindo umas calças sem braguilha!
Um laço, no lugar da braguilha, aquele burgesso!”- exclama, indignada.
E completamente abatida: - “Já viste a minha sina!..."
De facto, uma má sina parece
perseguir a Sãozinha. O “Begin”, no
entanto ria, torcendo-se de gozo. O destino não pode pregar uma partida desta à
Sãozinha... Um adjunto com calças sem braguilha? Francamente!...
E mais animada, afastando a contrariedade com um sorriso
melado: - “Quem me vale és tu, meu
“Príncipe” que me compensa de todos os meus desgostos!...” E, assim,
atravessaram o edifício. Ela dependurada no braço do “Begin”. Ele dependurado de um sorriso de desconforto e um vago
tédio, que lhe escorria dos lábios.
Passadas as instalações da velha cozinha, finalmente, o “Paraíso”
da Sãosinha. No espaço ajardinado do que fora a antiga horta conventual, à
sombra de um velho freixo, entre uma figueira e uma nogueira frondosas, a
Sãosinha mandou instalar, presa no tronco de duas árvores, uma rede de baloiço,
onde, como uma diva concupiscente, enquanto zela pelo bem-estar cultural da
cidade, sonha com arroubos poéticos e outras fantasias.
No centro do espaço, uma mesa de pedra, com um vistoso
cesto de figos. “Mandei o “burgesso”
colhê-los. Para tu os comeres, meu Príncipe!...” - disse, enquanto
repenicava um beijo...
Sentou-se o Begin, de antemão arrasado, no banco de pedra.
Ao colo a Sãosinha. Puxou-lhe então a mão para as coxas, por debaixo da saia
plissada, que ele cedo percebeu nada mais esconder além da pele, enquanto, ela esfolava,
perdão, com seus delicados dedos retirava a pele dos figos. Então, em boquinha “rosa rosae” debicava primeiro levemente
os figos e introduzia depois, um a um, partidos ao meio, na boca do Begin, entre beijos frenéticos e
gargalhadinhas de prazer.
Prestou-se, por momentos, ao jogo o Begin. Depois, já um pouco saturado (os figos são indigestos),
soltou-se da Sãosinha e perguntou meio sério, meio a rir, numa ironia amarga, que
o ia roendo por dentro: - “Oh, menina tu
queres empanturrar-me de figos? Olha que depois eu não me mexo!...”
Então a Sãosinha, inesperadamente, dobrou-se sobre a mesa,
levantou até à cintura a saia plissada, com os dedos abriu o abismo de suas
carnes, assim expostas como figo maduro. E, num suspiro de lúbrico, gemeu ali,
frente ao nariz do seu Príncipe:- “É teu! Dou-to! Come-o!... “
Que pode um homem fazer perante tão solícito pedido? O Begin ergueu-se e comeu-o. E,
possivelmente, chamou-lhe um figo!...
Do meio da folhagem, um melro soltou um assobio
trocista. - “Que alarve de pássaro” –
resmungou o Begin para os seus
botões...
(Não consta que os figos tivessem excitado a úlcera do Begin. Mas, pelo sim e pelo não, apressou
o regresso a Lisboa para extremosa dieta familiar...)
12 comentários:
Ainda recuperando o fôlego com as "artimanhas" de Sãozinha, aguardo expectante o próximo capítulo.
Forte abraço,
Maravilhosa a Saga da Sãozinha!...
Ela tem um senso de humor peculiar, um ego
com atitudes tão infantis e cheias de malícia.
E "coitado" do Begin, péssimo prognóstico
para sua úlcera.
Estou na primeira cadeira acompanhar esta Saga e
a viagem dos Fragmentos (Maria Adelaíde?),
imagina um encontro da Maria Adelaíde e
Sãozinha, egos femininos devoradores para pouco
espaço...rss
Desculpa, amigo, a tua criatividade
literária me leva a viajar também...rss
Adorei ler!
Beijo.
Suzete, querida amiga
Maria Adelaide e Sãozinha juntas? uhummm...
compreendo que seja uma tentação, mas completamente impossível: pertencem a universos (literários, está bem de ver) completamente distintos.
aprecio muito que a minha amiga, além da Poesia cultive também um finíssimo humor: não receie, porém, pelo "espaço" e pelas qualidades do Begin - ele dará conta do recado.
ou será que a minha amiga prefere o "ego devorador" de meu amigo Zeca?
beijo e um grande sorriso
Estou intrigada e espero novo capitulo...
Obrigada pela visita
Beijos e abraços
Marta
~~~
Fértil a tua imaginação erótica...
As coisas que tu engendras!
Em textos de qualidade.
Beijo, amigo.
~~~~~~
A Sãozinha é uma danadinha...
Beijo
Uma Sãozinha faminta e um "Begin" sedutor :)
Tudo o que é demais enjoa, até os figos rss
Um beijinho
Uma vez mais meu caro amigo
a excelente escrita
enclavinhada na realidade ficcionada
das boas memórias
Abraço sempre
Esta Sãozinha dá um romance...
Excelente narrativa, meu amigo. Continua, sff...
Bom resto de semana.
Abraço.
Relato mais delicioso que qualquer figo. :)
Em grande, meu amigo!
Abraço
esta Sãozinha é um pouco devoradora ( de figos) ;)
isto está demasiado erótico, tem que colocar bolinha vermelha
:)
Por coincidência, hoje comprei figos...
(na verdade hoje de manhã estive a ler este conto... e quando os vi (aos figos) no supermercado, não resisti a comprar!)
Um beijinho
(^^)
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