Há uns anos atrás tinha um "cliente"
especial à minha janela, com quem mantinha um cumplicidade estranha...
Um pardalito desajeitado e ladino teimava
em fazer-me negaças!... Com uma regularidade de fazer inveja, saltava para o
parapeito e aprimorava-se a olhar-me em desafio. Se me levantava ou lhe falava
arrancava de lá um grosso manguito e desandava...
Se me concentrava e fingia não lhe
ligar, tratava de me provocar com um atrevimento inaudito!...
Suspendia então as teclas e os códigos
e, de olhar bovino, impávido, fixava-me nas suas cabriolas; olhava-me então
(pressentia-o terno) de cabeça inclinada, dava uma bicadas imaginárias,
"amandava" uma substancial borradela e asas para que vos quero!... Como
um risco de fogo, atravessava então a poalha doirada de um sol outonal, e entre
guindastes e fios lá ia ele perdendo-se sobre o Mar da Palha!...
Depois desapareceu. Pensei eu que para
sempre, embrulhado numa daquelas saudades maiores, que duram eternamente.
Estive, assim, anos seguidos sem
mais o ver...
Apareceu esta manhã, novamente, à minha janela. Fazendo
negaças, está claro. E deixando a monumental borradela.
Pareceu-me feliz. E juro que deixou
tombar um sorriso na minha alma de poeta – seca e fria. Talvez para me lembrar
que há amores eternos, que nunca se perdem...
E ainda por cima, com todo o desplante, deixou o poema
que se segue:
“Descem
as águas em rios secos
Até
à raiz de nada.
Apenas a enrugada terra
Apenas a enrugada terra
E
a sequiosa greta
E
a viçosa flor
Encantada
A
espreitar
Lesta
Como
Se
nada
Fora...
Ou sacrário
Ou sacrário
De
vida
Resguardada:
Cópula de sol
Com gota de água...
E ansiada espera
E ansiada espera
Que
a chuva
Cai-a
Agora.
Ma vie? Ça vá!...”
Agora.
Ma vie? Ça vá!...”
..........................................
Então não é que o sacana do pássaro sabe francês? Quem diria...
Então não é que o sacana do pássaro sabe francês? Quem diria...
M.V.
10 comentários:
Um post bem-humorado.
Com um pardal que sabe francês... voila...
Caro Veiga, tem um bom fim de semana.
Abraço.
Manel
que originalidade...gostei do texto e fechando com um poema tão belo.
e nem interessa se ele sabe francês ou não
:)
Bela e criativa prosa poética, uma encantadora narrativa.
Não fiquei surpresa do pardalito desajeitado falar francês,
agora ser poeta? Acho que ele fez o poema por telepatia
contigo, um grande poema dos grandes poetas.
Poeta pássaro? Acho que sim!
Adorei, meu Amigo.
Beijo.
Um pardalito poeta, será que é meu parente (afastado), pois a sua poesia (francesa ou não) é bem melhor que a minha :))
Gostei bastante da originalidade desta apresentação.
Um beijinho com o desejo de um excelente fim de semana.
Dizer o que, meu cara poeta?
Ainda bem que o pardalito não é um sol efêmero, é como "os amores eternos que não nunca se perdem".
Forte abraço, caro amigo!
Nem fale em monumentais borradelas...
Por aqui, tenho dezenas de pardais que escolheram o meu telheiro para fazer ninho, escondidos nas canas. Como vê, é só fazer as contas de multiplicar para perceber o estado em que fica o meu pátio. É que se ainda me deixassem algum poema... :))
:))
Gostei da forma, desanuviadora, gostei do conteúdo.
Abraço
Com sua bela prosa retornei ao passado, onde um desses pássaros pousava em minha janela diariamente. Tive a infeliz ideia em alimentá-lo, pois achei que estava pegando amizade por mim. E fui comprar comida, seria alimentado diariamente, a vida lhe seria mais fácil. Seria meu filho adotado!
Pois não é que o bichinho nunca mais apareceu!? Até hoje cobro uma explicação... Talvez se eu tivesse escrito um poema teria ficado...rs
bj.
Adorei...
Um pardalito que parla frances :)
Gostei do texto e do belo poema.
Abraço *
O pardal faz poemas talvez por telepatia. Gostei de ler. Também tenho dessas visitas mas nunca me deixaram nem poemas nem prosa.Nem os melros, estes oferecem-me ninhos.
Enviar um comentário