quarta-feira, maio 24, 2017

"A ARMADILHA DA GLOBALIZAÇÃO"


Sabe-se que o conceito de Estado se associa a ideia de Estado de direito, cujos princípios, para além constituírem garantia “de forma” da acção estatal (separação de poderes, vinculação dos órgãos do Estado à lei e ao direito, controlo jurisdicional, etc.), detém também conteúdo “material concreto” de atribuição de direitos fundamentais aos cidadãos (direitos e liberdades políticas).

As garantias jurídicas de liberdade e de igualdade cívicas, que constituem o núcleo central da cidadania, foram enriquecidas ao longo do século XX pela ideia de Estado Social e pela missão nela contida de realizar a justiça social, de criar as condições reais para um desenvolvimento da personalidade e de concretizar a igualdade de oportunidades para todos.

Assim, hoje as constituições modernas, a par dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, inscrevem também um vasto elenco de direitos económicos, sociais e culturais, designados por direitos fundamentais de segunda geração que, com os primeiros, integram o “acquis” histórico da cidadania.

Pois bem! A globalização capitalista põe em crise a ideia de Estado soberano, alicerçado ao longo do século XVIII e do século XIX e que teve o apogeu no século XX, ao ritmo da 1ª revolução industrial e da evolução das necessidades da economia emergente. Como é inevitável, a crise do Estado é indissociável da crise política e da cidadania e dos direitos fundamentais que a enformam.

No entanto, nunca como hoje se falou tanto em direitos humanos e direitos fundamentais dos cidadãos - aos direitos fundamentais de primeira e de segunda geração, somam-se actualmente os direitos fundamentais de terceira geração (os direitos do ambiente) e os direitos fundamentais de quarta geração (os direitos de protecção face à informática e o direitos sobre o património genético, etc.).

E, se isto é verdade, também nunca como hoje, os direitos fundamentais foram tão postergados, designadamente, no domínio concreto da acção política e da cidadania. As causas? Bom, serão muitas e variadas! Mas sublinho que o desemprego, a exclusão social e a miséria, põem a cidadania em perigo, sobretudo, “pela angústia que inspiram”. É o medo da despromoção social, de perda de emprego e de direitos, que alastram na sociedade global, que tornam os cidadãos dóceis e conformados...

Assim, fazem todo o sentido as prevenções daqueles que afirmam que, no dealbar do século XXI, a mais eminente missão dos políticos preocupados com a democracia será devolver aos Estados as suas funções e restabelecer o primado da política sobre a economia e domar o processo de globalização.

Caso contrário, no dizer de alguns autores, o processo de fusão da técnica e do comércio, inscrito no âmago da globalização, acabarão por impor à humanidade uma velocidade dramática que poderá lançar o planeta num imparável curto-circuito global.

E, como afirmam. “aos nossos filhos e aos nossos netos não restará mais do que a recordação da idade de ouro, esses anos 90, em que o mundo ainda parecia ter ordem e em que era possível mudar de rumo[i]...”

Profecia trágica? Talvez!... Mas quem contesta a urgência de, no meio da dificuldades incomensuráveis, agregar forças, energias e vontades e travar as batalhas do futuro, tendo em vista “tornar possível o impossível”?

Manuel Veiga





[i] “A Armadilha da Globalização”- Jean Baudrillard

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