Nunca,
porventura, como hoje, se falou tanto de democracia. Nem as liberdades cívicas
e políticas foram tão enfaticamente proclamadas. Umas e outras são apresentadas
como a “coroação” do devir social e político da Humanidade, como se do fim da
história se tratasse e, em seu nome, se têm desencadeado as maiores
barbaridades e se oprimem povos e nações...
E,
entretanto, na “teatralização” da democracia, vicejam por todo o mundo os
valores do mercado e prospera o poder dos interesses económicos e financeiros do
capitalismo mundial.
Claro que
a democracia representativa tem inquestionável valor intrínseco, que importa
defender e aprofundar. A questão, porém, é o reconhecimento cada vez mais
amplo, até por pessoas insuspeitas de partilharem ideias revolucionárias, que
afirmam ser muito ténue “a ligação do
capitalismo à democracia” e cépticos se interrogam “se a democracia é compatível com os valores do mercado".
Esta será,
portanto, nos dias de hoje uma contradição fundamental do capitalismo, enquanto
sistema social dominante – por um lado, a proclamação enfática dos valores da
liberdade e da democracia; e, por outro lado, os constrangimentos cada vez
maiores dos direitos individuais e colectivos dos cidadãos.
Neste
contexto, é reconhecida a indiscutível “plasticidade” do sistema capitalista,
quer dizer, a sua permanente adequação às condições históricas concretas. Nesta
perspectiva, a dominação capitalista não se exerce, presentemente, através da derrogação
ostensiva dos direitos, liberdades e garantias, como nos regimes fascistas e
protofascistas; pelo contrário, os direitos, liberdades e garantias individuais
constituem acerbo histórico da Europa e do chamado mundo ocidental e, enquanto tais,
são híper valorizados em termos de ideologia.
Porém, é cada
vez mais evidente que os Estados democráticos - que historicamente constituem o
suporte da cidadania e dos direitos individuais e colectivos – estão cada vez
mais condicionados pelos objectivos e pela lógica do capitalismo global.
Na
realidade, como bem se sabe, a lógica do dinheiro e do lucro não se
compatibiliza muito bem com as “minudências” da democracia.
Na óptica
do capitalismo dominante, é sobre os trabalhadores e os direitos sociais, tão
penosamente conquistados, que devem recair os custos da recuperação da
económica e de auto reprodução do sistema. Sempre assim foi.
A novidade
será a “violência da receita” e o
fosso, cada vez maior, das desigualdades económicas e sociais que semelhante
receita provoca e o consequente mal-estar social que atinge as sociedades ditas
democráticas.
Nesta perspectiva, o que poderemos ardentemente desejar é que ao sistema capitalista aconteça o mesmo que aconteceu ao “cavalo do inglês” que, coitado, morreu da cura e não da doença.
Manuel
Veiga
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