A Festa do Avante, promovida pelo jornal do Partido Comunista Português, celebra-se, anualmente, na Quinta da Atalaia, no Seixal, com a participação de milhares e milhares de pessoas, de todas as idades e condições sociais, vindas de todos os cantos do país (e muitas do estrangeiro) para três dias de encontro e confraternização (7, 8 e 9 de Setembro).
“Não
há festa como esta” dizem, com razão, os seus promotores e militantes. E não
apenas pelos seus eventos culturais (com o melhor que se produz no domínio da
música – para todos os gostos - das artes plásticas ou da literatura), ou por
esse mosaico de gostos e paladares que são a culinária e os vinhos nacionais,
ou pela multifacetada expressão do artesanato regional, ou pelos exaltantes
momentos de participação política.
Claro
que haverá sempre diversos olhares sobre a Festa. É natural que haja. Apenas a
engrandecem aqueles que por preconceito, ou por função e missão, dela
desdenham. Mas para quem, com olhar límpido, quiser ver não poderá ignorar o
imenso sortilégio que a Festa do Avante exerce sobre quem a frequenta,
independentemente, das opiniões políticas.
E
é caso para nos interrogarmos sobre as razões de semelhante sucesso, numa
sociedade eivada de um anticomunismo larvar, permanentemente instigado pelos
aparelhos de dominação ideológica – na comunicação social, nos modelos de
sociais, nos padrões de consumo, na política, na profusão das imagens que
encharcam o nosso quotidiano.
Por
que razão o “efeito” Festa do Avante excede o horizonte da mera militância
política e seduz tanta gente? Digam-me. Tenho, porém, claro que a Festa do
Avante é antítese perfeita da chamada “sociedade do espectáculo”, em que
andamos mergulhados. Dai as razões do seu sucesso...
Deixem
que tente explicar-me. Como sustenta Guy Debord, as modernas condições de
produção apresentam-se como uma imensa acumulação de espectáculos, onde “tudo o
que até então era directamente vivido se afastou numa representação”.
Assim,
o espectáculo será, no dizer deste autor, “ao mesmo tempo o resultado e o
projecto do modo de produção existente”. Sob todas as suas formas particulares
- informação ou propaganda, publicidade ou consumo, ou divertimentos - o
espectáculo constitui o modelo da vida socialmente dominante, numa “afirmação
omnipresente da escolha já feita na produção e no consumo”.
Forma
e conteúdo do espectáculo são, assim, a justificação total das condições e dos
fins do sistema de produção existente. Numa frase lapidar, “o espectáculo será
o discurso ininterrupto que a ordem dominante faz sobre si própria, ou seja, o
seu monólogo elogioso” .
O
processo de alienação será permanente: quanto mais o espectador contempla,
menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes, menos ele
compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. “A exterioridade do
espectáculo em relação ao homem concreto revela-se nisto - os seus próprios
gestos já não são seus, mas de um outro que lhos apresenta”.
Pois
bem, a Festa do Avante escapa a tal lógica. A Festa do Avante pertence literalmente
dos seus construtores. É trabalho voluntário que ergue os seus pilares.
Trabalho livre, sem salário. Com o tempo e a forma que cada um escolha,
motivado apenas pelo desejo de “fazer” a festa. Trabalho desalienado, portanto.
Que subverte do sistema de produção dominante, pois é demonstração prática
(precária que seja) de que outro modo de produção é possível.
Por
outro lado, a Festa do Avante pode ser usufruída sem mediação, nem filtros, por
todos aqueles que nela participem. O espectáculo, (que Festa do Avante também
é) e as imagens que projecta na sociedade portuguesa e, em especial, em que têm
o privilégio de nela participar e compreender, correspondem à vivência real dos
homens concretos, como “discurso” alternativo à ordem social alienante.
Por
momentos, nos três dias da festa, será a libertação do Desejo e do Sonho, (“de
focinho pontiagudo”), sondando os dias do Futuro. E a vida real de milhares
pessoas, alargando o horizonte da consciência social de cada um e o caudal da
consciência colectiva de que é possível uma vida melhor.
Gosto,
sim, da Festa do Avante. Muito. Como paradigma de uma sociedade diferente. Mais
justa, solidária e fraterna. Como lampejo da Utopia, que as mãos, a luta e o
suor dos homens, libertos das contingências de modo de produção dominante, um
dia poderão erguer...
Manuel
Veiga
“NOTÍCIAS
DE BABILÓNIA e Outras Metáforas”
Edição
MODOCROMIA – Abril 2015
6 comentários:
Registo
esta página
desse teu livro
Domingo, querido amigo
estarei de serviço
Porque a FESTA
não cai do céu...
Já estive na Festa mais do que uma vez e apetece voltar, sim...
Quanto ao que escreveste, concordo de todo.
Abraço com carinho
Nascida numa família pouco politizada, e do "centro" tenho uma relação com a festa do avante completamente diferente daquela que aqui se expressa.
Quando miúda (leia-se adolescente a entrar na aditícia) tinha muito curiosidade - afinal a música era BOA! Mas parecia-me a uma distância (real) inultrapassável.
Depois cresci e o fascínio esmoreceu. Nunca fui ao Avante!
Mas não concordo com tudo o que foi dito sobre o que torna a festa do avante especial.
Ou pelo menos contextualizo de outra forma.
Quando pessoas se juntam com objectivos comuns, e levam a cabo uma empreitada como a da festa do avante (com tudo o que o texto fala), alguma magia acontece sim. Mas não nasce do ideal politico que a ela subjaz. É algo mais transversal, primário, e... humano. O sentir que não estamos sós e que juntos moveremos montanhas. Inebria-nos. Faz-nos sentir poderosos e com um laivo de omnipotência. - que experiência viciante!
É bom ver/ler alguém falar com entusiasmo de um sonho comum!
E estar tão envolvido que ache que a experiência é de tal forma única e especial que nenhum outro comum mortal a poderá atingir. É muito bom!
No fundo somos todos feitos da mesma massa. E sentimos nas vísceras coisas semelhantes.
É isso que nos torna capazes de entender os outros.
Só quem já viveu o que falas sabe do que falas.
Eu seu do que falas! (pretensiosa?)
Nunca fui à festa do Avante, mas sempre tive vontade de ir. É uma lacuna nos meus passos. É que os testemunhos que me chegavam, das mais variadas formas, chamavam-me E chamam-me.
E os teus argumentos, meu amigo Manuel, são, como sempre, brilhantes.
É uma época de impedimentos vários e a quinta da Atalaia fica-me distante. Mais uma vez me fico pelas imagens e leituras.
Beijinhos e boa festa!
Olá, Manuel
Gostei muito do seu texto. Explica muito do sucesso que a Festa do Avante tem tido ao longo dos anos.
Nunca lá fui. Mas um dia gostaria de ir.
Abraço
Olinda
O encontro tem de ser em Festa para que a vontade não esmoreça. Sempre de atalaia...
Abraço
Enviar um comentário