NNego-me à estética do Horrível
E à música de Wagner como se a cavalgada
Da Morte fosse enfeite a enquadrar o telejornal
Nauseabunda esteticização do Desastre
A celebrar o Espectáculo dos corpos e das casas
E as labaredas a lamber os impassíveis olhos
Não refeitos ainda da voragem do Pânico.
Nego-me ao microfone em riste
A invadir as bocas e colher a baba das palavras
E espremer o pormenor da Lágrima
E a dobra da Agonia como viver ou morrer fosse
Noção escorreita perante e iminência da Morte.
Nego-me a doutas opiniões e ao grande Debate
E ao arroto da Sabedoria ao serviço da Ganância
A desenhar manobras e as invisíveis rotas
Do Lucro e permanente encenação do Mesmo.
Nego-me ao leilão das alvas consciências
A pingar em fila da Banca e dos altos muros
Da Instituição. E nego-me aos caninos cibernantropos
A salivarem tweets e likes e rabinho electrónico
A dar a dar, a babarem-se sem ao menos saberem
Que nada representam – pálida imitação dos Donos.
Nego-me a esta impúdica exasperação dos lugares.
E da Dor, que sendo minha, é apenas Simulacro
Palavra que não (me) redime, nem me salva
E que, no entanto, teima - acre lucidez de cinza.
Manuel Veiga
4 comentários:
"Acre lucidez de cinza". Um poema duro e inquietante, este, meu Amigo Manuel. Também nego o que disseste, e nego também o sofrimento de quem não tem culpa da ganância de poder dos "senhores da guerra".
Neste momento a minha solidariedade para com o povo ucraniano.
Uma boa semana com muita saúde.
Um beijo.
Manoel,
Lindo texto.
Encantada agradeço o compartilhar e a
visita ao
Espelhando.
Bjins de fim de carnaval 2022.
CatiahoAlc.
Olá, Manuel Veiga
Poema denso e feroz. Bate em tudo e todos
os que fazem da sociedade de informação
coutada própria, dos meios disponíveis para
nos comunicarmos e a forma como os utilizamos,
das negociatas do regime económico, da banca,
dos dependentes de benesses...
Uma via dolorosa percorrida e a que não podemos
fugir porque nos envolve e apenas nos resta
essa "acre lucidez de cinza".
Abraço
Olinda
Poema forte, no desfolhar destes dias...
Mordaz e lúcido.
Beijo
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