Aqui
chegados, o escrevente,
hesita, ou melhor, não sabe muito bem com que linhas poderá cerzir esta prosa bárbara,
que se diz literária e continuar a desbravar sendas e caminhos que Manuel Maria,
herói desta fita, não o esqueçamos, há-de percorrer em outros tempos literários
e que trilhos e passos seus irão decifrar outros destinos e caminhos, apesar do
pobre escrevente estar disposto o fazer
o que se lhe exige, ou seja, desatar os nós, em que esta prosa redonda, frequentemente,
desemboca. como é agora o caso, com o jovem José Augusto Esquerdino à espera, não
se sabe bem de quê, num bairro da preferia de Lisboa, sem sabermos que lances irão
definir a vida, débil compromisso de escrevente
sem vocação de cronista para poder relatar a epopeia da sua passagem do Rubicão ou, dito com mais
propriedade, a dar testemunho da sua construção como homem, ele jovem
adolescente em fuga para longe, cada vez mais longe, por montes e vales. sem
nunca olhar para trás, pois que, como na metáfora bíblica, poderia transformar-se
em estátua de sal, mas fugindo sempre, fugiu para longe José Augusto, sem
arrependimento, acossado pela dor pungente e pela revolta de ver seu pai, seu
mestre e seu ídolo, ajoelhado perante outro homem pedindo perdão, “mas pedido perdão de quê meu Deus!... ”,
e a voz arrogante do patrão a martelar fundo, em carne viva e a roer as entranhas, “de joelhos
Esquerdo, que perdão pede-se de joelhos” e o pai ajoelhado
erguendo as mãos pedindo perdão e a vergonha do filho com humilhação do pai e o
grito de revolta e a blasfémia “maldito sejas José Esquerdo!
Não contes mais comigo como teu filho, pois deixei de te reconhecer e como pai…
Assim, pois, José
Augusto, deixado sozinho, num bairro periférico de Lisboa, ainda que apenas por
minutos, que mais pareceram horas, num local, onde tudo lhe parecia hostil, desde
a escuridão circundante, ao ruido difuso do trânsito e, mais longe, as luzes da
cidade a brilharem, quais olhos de um dragão a chisparem cinzas ardentes. José
Augusto sentia-se inquieto e, pela primeira vez se interrogou sobre se, virar
costas ao mundo que até então conhecia, renegando aos seus pais e aos seus
irmãos, pois em verdade nunca se pode fugir da Terra que nos viu nascer, seria
a solução certa para a -sua vida e, agora, neste salto no desconhecido, sem a
certeza de poder escapar a um destino ainda pior do que as Terras do Demo.
Surpreendido, José
Augusto, com uma palmada amistosa nas costas e uma voz que o interpelava “és o José Augusto, não é verdade? Anda,
vamos depressa que este sítio não é recomendável” E, para lhe conquistar a confiança, puxou de uma
certa intimidade como se lhe adivinhasse os pensamentos, ou se os dois jovens
conhecessem há largos anos “deixa
essa tua cara de arrependido – o que lá vai, lá vai!... E com sorriso contagiante “e as grandes cidades fizeram-se por grandes
homens e, quem sabe um dia de verdade não serás um homem grande... José Augusto sentiu-se “agarrado” com
entusiasmo do companheiro e prestando-se ao jogo jocoso, retorquiu: “claro, claro um dia quem sabe, se não serei
o gajo que vai governar Lisboa e tu Portugal inteiro ... ”
E assim,
galhofeiros, os jovens seguiram pela escuridão da noite até se envolverem no
crepitar da cidade, para espanto e curiosidade de José Augusto que não se
cansava de interpelar o amigo, por tudo e por nada, sorvendo às golfadas,
aquele seu primeiro mergulho na cidade.
È dever do escrevente pôr de sobre aviso os leitores de que, a partir da
primeira imersão de José Augusto na cidade, se abre novo tempo literário, em
que um jovem adolescente, que sem nunca olhar para trás, fugiu, de seus pais,
dos irmãos e da Terra que o viu nascer, na verdade ninguém foge totalmente à
terra que nos viu nascer, mas fugiu José Augusto, pois nenhum homem deve ajoelhar perante outro
homem para pedir perdão – mas pedir
perdão de quê, meu Deus! se todos os homens são iguais no nascimento e na morte?...
a partir deste momento, dizíamos, José Augusto Esquerdino desaparece do “radar”
do escrevente e dos leitores (se leitores houver) e, se é
verdade que nos diversos tempos desta narrativa, que se quer literária, havemos
de sentir a sua presença, em múltiplas tarefas de “revolucionário
clandestino”, a verdade é que,
nesses momentos, a sua aparição é como uma nuvem, que descarrega chuva
benfazeja para, de imediato, desaparecer e fundir-se novamente com céu azul.
Não tem, pois, o escrevente
a veleidade de conhecer o percurso de José Augusto Esquerdino, após chegar a
Lisboa e ficar entregue aos cuidados de um jovem, de quem não sabemos o nome,
mas apenas podemos garantir que no dia seguinte procurariam trabalho para o seu
novo amigo, pois bem se sabe que homem sem trabalho, é como um chão que apenas cria
ervas daninhas.
De José Augusto Esquerdino,
saberemos apenas na medida em que formos dando conta das suas incursões
políticas, no quadro da luta antifascista, em que cedo foi engajado, sendo – tudo
o demonstra – um caso bem sucedido da
legenda de “como se faz” um homem, isto é, pelo trabalho e pela luta
política, ombro a ombro com outros homens, “aprendendo,
aprendendo, sempre” com a sua vida e com a
vida de seus semelhantes, lendo e estudando, numa sede permanente de conhecimento
científico da realidade e da raiz das transformações históricas e, nesta
perspectiva, a relevância e o papel de relações sociais de produção e da luta
política no seu interior, como fundamento da alteração, em cada momento, do
binómio “poder/saber”, que molda a história e o seu devir permanente.
E, assim, “se fez”
José Augusto Esquerdino, ao longo dos anos, nessa ascese revolucionária,
digamos assim, apreendendo, desde muito novo. o sentido e a grandeza da palavra
camarada, declinada com a responsabilidade que ela implica e a generosidade que
pressupõe, forjando o seu carácter, pela férrea vontade de superação e
merecendo dos seus amigos e companheiros de luta a mais sólida confiança, que sempre soube granjear,
pela coragem e pela determinação no desempenho das suas tarefas
revolucionárias, por mais perigosas e delicadas que se apresentassem.
De vez em quando,
José Augusto Esquerdino emergia da clandestinidade, como um relâmpago, para dirigir
uma luta, fundar uma associação, ou dinamizar o trabalho nalgum bairro
periférico e, quando era o caso, para integrar as campanhas eleitorais e
desmascarar as fraudes de que o regime fascista era o useiro e vezeiro e,
depois desaparecia, por largo tempo. Não raras vezes, porém, a sua ausência era
motivada pelas piores razões, significava que a polícia política o tinha filado
e que José Augusto estava preso nos curros da Pide/DGS curros, onde sofria as
mais infames torturas, que, por vezes, o levavam à beira da morte, porém sem
que sua boca se abrisse, mantendo-se sempre firme e determinado na defesa dos
seus ideais, sem mínima transverberação ou cedência, negando-se a responder aos
esbirros de fascismo
Esta atitude
dignidade e a sua valentia granjearam forte admiração, em particular, da
Juventude estudantil, que, nas suas tertúlias político/literárias e nas suas voluntaristas
“revoluções de papel” José Augusto Esquerdino era um verdadeiro herói,
quase um mito, a inspirar os sonhos de liberdade da Juventude.
Foi
numa dessas tertúlias político/literárias que o jovem arquiteto e o futuro
escritor Manuel Maria, que no tempo literário, agora presente, sabemos do seu
regresso a Lisboa, vindo de Terras do
Demo, aonde foi chamado com urgência e onde deixou uma herança pendente e duas Mulheres que o amavam como se foram
ambas sua mãe, para regressar, no próprio dia da chegada e, assim. poder
partilhar a euforia da Revolução dos Cravos, foi numa desses tertúlias político
literária, dizíamos, que António Maria ouviu falar pela primeira vez em José
Augusto Esquerdino, despejado, à beira da morte. junto à entrada do hospital
Júlio de Matos.
Nesta escrita redonda, de tempos cruzados e factos irreais
que, apesar de escritos, havemos ainda de conhecê-los, quando a ordem da escrita
assim o entender, o que quer dizer que
escrever não é mais que puxar os fios da escrita e desembrulhar o novelo, sem
se saber ao certo que capricho ou acidente determinou os caminhos travessos que
os escrevente percorre, bem sabendo que, de heróis, está a literatura cheia (e
a história) e a vida é caprichosa e complicada e nem sempre o ontem bate certo
com o hoje, nem o amanhã são favas contadas, nem todas as manhãs serão “amanhãs que cantam” …
Dêmos, portanto, corda aos
sapatos e digamos claro àquilo a que viemos, pois Manuel Maria tem urgência e o
sabemos empolgado com o seu projeto “de
uma arquitetura para o povo” agora
que com a Revolução de Abril vencedora, todos
os Sonhos são possíveis, sabendo nós que José Augusto
Esquerdino fora recentemente eleito, em grandes plenários, por braço no ar,
Presidente de um grande município da área metropolitana de Lisboa e que, por
entre as múltiplas tarefas, Manuel Maria, com uma urgência invulgar, evocava a
presença de uma velha amiga no círculo do Presidente e a si próprio se
interrogava “o
que faria ali a Cléo”…
Havemos se sabê-lo, quando
a hora chegar e o motivo for propício!
Manuel Veiga
4 comentários:
Um texto sem pontos finais.
Gostei de ler
Feliz domingo
Um texto sem pontos finais.
Gostei de ler
Feliz domingo
Belíssima prosa, Manuel Veiga. Gostei muito
de ver José Augusto Esquerdino e Manuel
Maria aqui neste rico texto, já com projectos
concernentes à nova visão do mundo, com a
Revolução de Abril nas ruas e a ideologia a
fazer as mudanças na sociedade.
Grande abraço.
Olinda
Llego a tu blog y me he quedado atrapada en el texto que dejas en tu spot
Felicidades, atrapa el contenido y la forma de presentarlo, ameno e interesante
Un placer su lectura
Un abrazo
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