Manuel Maria e a Cléo mantiveram durante anos uma relação amorosa livre e solta, liberta compromissos e de lugares comuns. A Cléo, vivia a maior parte do tempo, em França, onde como se sabe tinha uma forte ligação ao cinema. Por seu turno, Manuel Maria havia entretanto, vendido alguns propriedades, em terras do Demo que lhe caíram na herança de Frederico Amásio e lhe permitiram organizar o seu atelier de arquitetura e comprar uma agradável vivenda na linha do Estoril, onde passou a residir com a mãe, a crepitosa Violante, depois de Camillinha ter professado no Convento das Carmelitas, o espaço residente da Santa Irmã Lúcia. Desta forma, ao longo dos anos, Manuel Maria e a Cléo, quando sentiam desejo mais intenso um do outro, metiam-se no avião e ei-los Em Paris ou em Lisboa, revivendo a sua mútua paixão, como se fosse a primeira vez, sem cansaços nem rotinas, depois quando a necessidade mútua de afeto os acicatava, regressavam aos braços um do outro, como eternos namorado
Etretanto, no país as coisas iam andando, cada vez mais às arrecuas. O País conservador ganhou as eleições, os militares entregaram o poder aos políeos e regressaram aos quartéis, os capitalistas que abandonaram País e o deixaram descapitalizado, foram chamados de novo e foram-lhe entregues as empresas e foram-lhe entregues os bancos que haviam nacionalizados, o centrãoso político ganhava as eleições “agora viras tu, logo viro eu “, e o “Portugal na CEE” e a EuropaConnosco “, e o “Pelotão da Frente” e a “fava que nos calha” e seus longos mandatos e os partidos do centrão a alternar continuamente e os milhões da Europa, entregues sempre aos mesmos e “as autoestradas a correr e os meninos aprender” e o “chico espertismo” e a corrupção e o fartar vilanagem e a União Europeia e cimeira de Lisboa, -“porreiro, pá!”, e a criação do euro e o encerrar do ciclo e Portugal na União Europeia e os países ricos do norte a mandarem nos países calaceiros do sul e a bancarrota e a crise económica e apertar do cinto e os pobres, cada vez mais pobres e os ricos, cada vez mais ricos e o Tempo esgotar -se num ai que não volta para trás!a
E no escoar deste tempo Flávia nasceu, cresceu e fez-se mulher e exímia pianista, com umas longas mãos, longas femininas mãos. elegantes e dedos finos, tão longas mãos, como nunca outras assim longas, Manuel Maria vira, que iam do Piano aos Céus, numa Sinfonia Tchaikovsky ou numa Sonata de Bach.
Num dia primaveril e quente, Manuel Maria convidou Flávia a almoçarem no Guincho. Depois da refeição, Flávia desceu à praia deserta. Manuel Maria uns passos atrás, seguia-a. Flávia soltou os cabelos em cascata, sacudiu a cabeça fulva e rebelde e seguiu pela areia, acentuado o donaire. A maresia inundava as narinas, O sol, ainda quente, queimava os poros. Uns passos atrás Manuel Maria seguia-a, sempre. Dominando o impulso. Serenando o sangue. Tecendo caprichos no bambolear das ancas da rapariga.
-“Gstava
de te saber nua!..”
- disse, num murmúrio, saído do âmago do desejo.E, sem nada o fazer prever,, Flávia
deixou cair as sandálias, soltou as alças
e a nudez soberba de seu corpo explodiu na serenidade plena da tarde. Um homem
perplexo, uma mulher nua e a paisagem, apenas. Sem outra glória, nem crime.
Apenas o crepitar do momento único. Passos adiante, oculta por uma rocha
milenar, estendida no acolchoado de areia fina, ali estava Flávia, expectante,
em sua impudicícia.
“Ofereço-te o livro do meu corpo, saberás ler todas as suas letras? “... – exclamou, em convite sorridente.
À
distância um realizador feliz, como se Eric Rommer fora, filmava um homem e uma
mulher, estendidos na areia, tocando o último beijo do filme.
E o “escrevente”, que é um homem honrado, mas não é de intrigas, pergunta-se “o que faria ali Cléo?”…
Manuel
Veiga
6 comentários:
O mesmo se pergunta esta leitora, que também não é de intrigas...
Abraço, Manuel.
Olá, Manuel Veiga
Confesso-me retida pelo segundo parágrafo onde o escrevente
descreve como num filme o que se passou no país depois do
25 de Abril e do 25 de Novembro...Fantástico!
Por outro lado, há o compromisso livre de Manuel Maria e Cléo, sem
amarras, e o nosso MM gozando a fortuna na linha do Estoril
um pouco esquecido dos seus ideais, mas com o seu gabinete de
arquitectura...
A "Final" envolta num mistério, em que se confundem Flávia e Cléo,
Cléo e Flávia, cabeleira fulva, mulher estendida na praia, corpo nu...
Abraço
Olinda
Corrigindo:
Onde se lê "A Final", deverá
ler-se "O Final".
Obrigada.
E esta leitora, ainda que correndo o risco de se enganar,
declara ter descoberto o mistério da Flávia. Não da Cléo.
Isso deixo para o escrevente.
Parabéns pela trama que nos trouxe até ao fim amarrados
ao fio da história.
Um abraço
Olinda
https://cidadesassentamentos.wordpress.com/
Não poderia perder o términus de uma narrativa que nos envolveu a par e passo entre o amor, a guerra e os problemas sociais. O romance culmina numa cena cinematográfica, a aura de romance que Manuel Maria gosta de viver. E uma pitada de suspense, personalizada pela Cleo, não deixa cair o pano.
APLAUSOS!
Parabéns e um abraço, caro amigo Manuel Veiga.
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