quarta-feira, janeiro 17, 2007

Ventos de Oeste...

Referem os jornais que o novo Congresso norte-americano integra um “democrata socialista”. Bernard Sanders, de sua graça. O jornal, donde retiro a notícia (“Público”, de 04.01.07), apressa-se a esclarecer que nunca dantes o Senado dos Estados Unidos teve um político que a si próprio se define como socialista. – “Washington precisa de ter pelo menos um...” proclama, resignado, o próprio Sanders, em entrevista à BBC.

Claro que os Estados Unidos sempre tiveram políticos socialistas. Nisso o “Público” está equivocado. Nunca no Senado, é certo. Acrescento, porém, que entre o Povo norte-americano está implantado, há várias décadas, um aguerrido Partido Comunista. Apesar da marginalização, superando as perseguições do pós-guerra, o Partido Comunista norte–americano alarga a sua influência nos estratos mais pobres da sociedade...

É evidente que, assim, ostracizados pelo “status quo” político-mediático e afastados dos holofotes dos poderosos meios de comunicação, os políticos socialistas “não existem” nos Estados Unidos. Como bem se sabe, a política norte-americana gira em torno do “Elefante” e do “Burro”, ambos puxando a mesma carruagem dos interesses económicos e financeiros...

Portanto, a notícia em causa vale sobretudo pela... notícia! Fica a saber-se, desta maneira, que a entrada de um “democrata socialista” no Senado merece particular destaque na comunicação social norte-americana, pelo seu ineditismo. O que revela bem mais do que diz: “fala”, por exemplo, dos limites da democracia norte-americana...

Vejam. O homem para quem “o objectivo da sociedade devia ser o de aliar uma classe empreendedora que crie riqueza e emprego a uma forte presença governamental para garantir que todos têm um bom nível de vida” levou trinta anos a entrar para o Senado!... E, hoje, é considerado um “fenómeno”!... Surpreende a persistência, mas – reconheçamos – “socialista” que baste, helás! E mesmo assim, um feito histórico, imaginem!...

Em rigor, nada porém que se possa estranhar, nesta picada de mosquito na pele rusgosa dos simpáticos animais (ou será uma carícia?) que simbolizam o “establissement” político norte-americano. Desde a matriz fundadora da grande nação que a igualdade e a liberdade políticas foram maculadas pela prevalência do direito de propriedade. A sangrenta história do movimento operário americano aí está para o provar. A América “virtuosa e digna” dos pais fundadores da nação americana não “concedeu” seus direitos aos trabalhadores e sindicatos, que apenas com o New Deal foram admitidos, após século e meio de muito sangue e lutas derramadas...

Os que ainda hoje se admiram com o “fenómeno” Bernard Sanders são bem herdeiros culturais e políticos daqueles que, como Calhoun, nos primeiros anos da independência, proclamavam que o direito à liberdade é “reservado aos homens inteligentes, bons patriotas, virtuosos e dignos”, não podendo ser “um privilégio concedido a um povo ignorante, demasiado aviltado ou demasiado vicioso para a usufrir...” ( in – “O Sonho e a História” – Claude Julien – Ed. Arcádia). Em suma, direito apenas dos "proprietários"...

Registemos, porém, o feito do “democrata socialista” norte-americano... E saudemos todas as canções, “semeadas no vento que passa!...”

19 comentários:

Jorge Castro (OrCa) disse...

Bem, esta "conquista extremista" deve enfermar, no mínimo, de virose luso-socrática... assim a modos que um "socialista pragmático" que ora é, ora não é e daqui a pouco logo se vê.

Caramba, mas não posso deixar de saudar, também e inequivocamente, este arroubo ou desvario de imprevisíveis consequências para o destino das nações. :-)

Um grande abraço. Temos de nos ver um destes dias, meu caro.

disse...

Então são já dois casos inéditos no congresso Americano.
Uma mulher e um socialista.
Alguém vai passar a reclamar dos seus direitos espezinhados?

JPD disse...

(Já não me lembro se terá sido eleito para o Senado ou para o Congresso, li também no Público, que um sujeito se propunha, na tomada de posse, jurar cumprir o mandato com a mão, não sobre a´bíblia, mas sobre o corão.)
A Revolução Americana não terá tido nem de longe nem de perto os excessos ideológicos da Francesa.
Se esse facto determinou ou não a inexistência de uma declarção dessas de um seu político não faço ideia.
Sei apenas que o McCartismo foi cego e obstinado na sua temerária caça às bruxas e que uma afirmação de opção ideológica no socialismo poderá ser considerada uma bizarria nos EUA.
A alternância na governação entre o Burro e o Elefante são esmagadores.
Um abraço

Licínia Quitério disse...

Sinto um pequeno, tímido, regozijo.
Só isso, mas já é alguma coisa.
Não sabia da notícia. Obrigada.

Dafne disse...

bsOlá
Tenho andado um pouco desaparecida..
Agradeço o simpático comentário deixado no meu blog!
Procuro sempre os melhores poemas, aqueles que me tocam a alma....
Quanto à tua análise, gostei. espero que continuem a soprar "ventos" de mudança...
Um bj

vida de vidro disse...

Bem, isso é uma mini-revolução! :)
Tenhamos em conta que as palavras "socialista" e "comunista" são quase pejorativas na sociedade americana.
E, apesar de tudo, até um socialista "socrático" é algum avanço. :)**

António Melenas disse...

Também li essa do Deputado socialista que, finalmente chega ao Congresso. Admiro o homem, mas o stalishement, há tirar todo o proveito desse "ornamento", tornando, completamente inútil. Também por cá, apesar da sua forte implantação, o PCP é ignorado sistemáticamente pela comunicação social, a menos que seja para inventar um qualquer pequeno escândalo a seu respeito. É a democracia que temos!
Fizeste bem em iluminar esta notícia que a muitos passou despercebida.
Um abraço

batista filho disse...

vdvTímido passo? Talvez... mas sempre um passo. Movimento. É preferível uma aragem, por mais ténue que seja, que perceber as folhas paradas, sem lembrança da brisa amiga, sem perspectiva dos vendavais que abalam estruturas viciadas. Um abraço fraterno.

Unknown disse...

Um socialista no Senado dos EUA é notícia! Pena que tenha passado tão desapercebida por aqui...

Beijinhos

Diafragma disse...

Um PC nos Estados Unidos???
Nunca tal me passaria pela cabeça!
Devem ter a sede para aí no deserto de Nevada ou coisa no género...

M. disse...

Não fazia ideia nenhuma. Ainda bem que há quem saiba e me conte...

José Leite disse...

Pela primeira vez aqui venho e gostei. Um abração democrático. visita-me e ensina-me algo...

Os pássaros são quase-humanos...

Buda Verde disse...

Pelo menos um, mas que faça valer a pena!!!

Bom blog.

Menina Marota disse...

Vim actualizar a minha leitura... sabes como aprecio ler-te, mesmo que por vezes não comente... deixei-me de políticas... mas gosto de me manter actualizada...

Beijo e bom fim de semana ;)

isabel mendes ferreira disse...

um destes dias ainda nos surpreenderemos com a democrática américa.....:))))))))))))))).


será?


beijo. e bom fim de semana.

Anónimo disse...

Percorrer esta merecida página não é uma imposição, mas, tão-somente, um prazer lúdico, para ver a elegância, qualidade, de braço dado com a noção de estética e bem-fazer. Afinal, tenho a sorte de puder apreciar e visitar este agradável blogue. Óptimo fim-de-semana.

maria disse...

Dizia-se que "De Espanha, nem bom vento nem bom casamento..."_ E da América, que se dirá?
Sempre atento ao que é importante, é um prazer ler-te
Beijo

PintoRibeiro disse...

Mudei de casa outra vez. É sina. Pois. Abraços.

Nilson Barcelli disse...

Não conheço com rigor o que se passa no espectro político americano para além dos 2 habituais...
Aparentemente não se passa nada, mas essa notícia e o que falas indiciam alguma coisa.
Um abraço.

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