segunda-feira, fevereiro 13, 2012

A Caixa de Pandora II


Tive a oportunidade de assistir, em 11 de Dezembro de 2008, a uma conferência do juiz Baltazar Garzón. Foi em Lisboa, na Casa do Alentejo, numa reunião promovida por José Saramago. Das minhas impressões do encontro dei conta, oportunamente, neste espaço.http://relogiodependulo.blogspot.com/2008/12/outras-personagens-baltazar-grzon.html

Como então afirmei, o juiz Baltazar Garzón tem um brilhante curriculum como magistrado ao serviço das causas mais nobres, como defensor das vítimas de crimes de genocídio e crimes contra a humanidade, promovendo reabilitação moral e social das vítimas e movendo perseguição jurídica contra os seus verdugos.

Dos processos mais conhecidos, ressaltam a prisão e julgamento do ditador Augusto Pinochet e o processo sobre as vítimas do franquismo, entre as quais o poeta andaluz Garcia Lorca que, como se sabe, foi fuzilado às mãos do fascismo espanhol, acrescentando o seu nome ilustre a milhares de outros.

Foi agora condenado pelo Supremo Tribunal de Espanha e suspenso de funções por onze anos por alegadamente ter ordenado a gravação de conversas de uma rede de corrupção política que envolve directamente o Partido Popular, actualmente no poder. O juiz Garzón e seus advogados rejeitam em absoluto a acusação. As suas acções foram sempre apoiadas pela procuradoria anticorrupção e autorizadas por dois outros magistrados.

Trata-se assim de um verdadeiro “linchamento judicial”, promovido pelos meios mais retrógrados da sociedade espanhola contra o “juiz dos direitos humanos”, quando não mesmo, como alguns referem, uma vingança do Partido Popular, envolvido na rede de corrupção Gürtel, que o juiz Garzón desmantelou. 

Porém, a perseguição judicial ao denodado juiz ainda não terminou. Recai sobre ele um outro processo, movido pela extrema-direita, com o qual se pretende o seu afastamento das lides judiciais por um período de 20 anos. Qual a natureza do “crime”? Ter o juiz Baltazar Garzón assumido a competência para investigar os crimes do franquismo.

O veredicto está para breve num julgamento acompanhado pela opinião pública internacional, sendo conhecido que a ele vão assistir observadores da Comissão Internacional de Juristas, da Amnistia Internacional, da Fundação Edelstram, (que atribui o designado “prémio Nobel dos Direitos Humanos”) bem como a prestigiada “Human Righgts Watch”.

No decurso das audiências tem sido prestado testemunho de familiares das vítimas da repressão do fascismo espanhol, que contam a trágica experiência de terem visto pais, mães e irmãos e outros familiares, prisioneiros dos apoiantes de Franco, serem sumariamente fuzilados. A divisa dos energúmenos do fascismo era, aliás como bem se sabe, que “dos vermelhos não deve ficar nem rasto”. Conforme dados do próprio juiz Garzón, serão mais de 130 mil vítimas da repressão política do franquismo.

Os acusadores argumentam que o juiz Garzón ignorou deliberadamente a lei da amnistia de 1977, que arquivou os crimes do franquismo. Baltazar Garzón e seus advogados sustentam, legitimamente, que os crimes de genocídio e os atentados aos direitos humanos, perpetrados pelo franquismo nunca poderão prescrever.

Sobre o escândalo deste julgamento o jornal norte-americano The New York Times" escreveu em editorial que se trata de “eco perturbador do pensamento totalitário da era de Franco”. E seus amigos consideram que o juiz Baltazar Garzón “é um homem que atrai a admiração e ódio das elites”.

Assim vai a Justiça neste Mundo! Os direitos do Homem no pelourinho e os verdugos como acusadores sem mácula...

Eis, enfim, a Caixa de Pandora escancarada...
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6 comentários:

jrd disse...

"España al revés". Ao que isto chegou.

Abraço

Licínia Quitério disse...

Terrível tempo este de uma extrema direita revanchista e criminosa. Eis o juiz que de há muito era um homem a abater. Infelizmente tens razão: a caixa foi aberta.
Abraço, Amigo.

Rogério G.V. Pereira disse...

Transcrevo, de Saramago:

As lágrimas do Juiz Garzón hoje são as minhas lágrimas. Há anos, a um meio-dia, tomei conhecimento de uma notícia que foi uma das maiores alegrias da minha vida: a acusação a Pinochet. Este meio-dia recebi outra notícia, esta das mais tristes e desesperançadas: que quem se atreveu com os ditadores foi afastado da magistratura pelos seus pares. Ou melhor dito, por juízes que nunca processaram Pinochet nem ouviram as vítimas do franquismo.Garzón é o exemplo de que o agricultor de Florença não tinha razão quando, em plena Idade Média, fez dobrar os sinos a finados porque, dizia, a justiça havia morrido. Com Garzón sabíamos que as leis e o seu espírito estavam vivos porque as víamos actuar. Com o afastamento de Garzón os sinos, depois do repique a glória que farão os falangistas, os implicados no caso Gürtell, os narcotraficantes, os terroristas e os nostálgicos das ditaduras, voltarão a dobrar a finados, porque a justiça e o estado de direito não avançaram, nem terão ganho em transparência e quem não avança, retrocede. Dobrarão a finados, sim, mas milhões de pessoas sabem reconhecer o cadáver, que não é o de Garzón, esclarecido, respeitado e querido em todo o mundo, mas o daqueles que, com todo o tipo de argúcias, não querem uma sociedade com memória, sã, livre e valente.

In O Caderno de Saramago, publicado a 14 de Maio de 2010

lino disse...

É o descrédito total da justiça espanhola. Mas o bastonário dos advogados portugueses acha, em artigo de hoje no Jornal de Notícias, que a condenação é adequada e que a justiça espanhola é exemplar!
Abraço

Genny Xavier disse...

Caríssimo,

Parece-me tão próprio recorrer a uma imagem simbólica que nos explique as mazelas das tantas "Caixas de Pandora" espalhadas pelos continentes do mundo...aqui, ali ou acolá este tempo de avanços e retrocessos prescreve a receita explicíta deste mundo caduco...
As vezes eu nem sei se o que se abre a é a "Caixa de Pandora" ou o "ovo da serpente"...
Felizmente, ainda que os calem, os lúcidos e corajosos continuam perenes - e isto já é um alento - para aqueles estão de olho no amanhã.
Bom te ler. Grande abraço,
Genny

São disse...

Exaltante a perdurso de Gárzon e magnífico texto o teu.

O meu forte abraço aos dois.

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