Tive a oportunidade de assistir, em 11
de Dezembro de 2008, a uma conferência do juiz Baltazar Garzón. Foi em Lisboa,
na Casa do Alentejo, numa reunião promovida por José Saramago. Das minhas
impressões do encontro dei conta, oportunamente, neste espaço.http://relogiodependulo.blogspot.com/2008/12/outras-personagens-baltazar-grzon.html
Como então afirmei, o juiz Baltazar
Garzón tem um brilhante curriculum como magistrado ao serviço das causas mais
nobres, como defensor das vítimas de crimes de genocídio e crimes contra a
humanidade, promovendo reabilitação moral e social das vítimas e movendo
perseguição jurídica contra os seus verdugos.
Dos processos mais conhecidos, ressaltam
a prisão e julgamento do ditador Augusto Pinochet e o processo sobre as vítimas
do franquismo, entre as quais o poeta andaluz Garcia Lorca que, como se sabe,
foi fuzilado às mãos do fascismo espanhol, acrescentando o seu nome ilustre a
milhares de outros.
Foi agora condenado pelo Supremo
Tribunal de Espanha e suspenso de funções por onze anos por alegadamente ter
ordenado a gravação de conversas de uma rede de corrupção política que envolve
directamente o Partido Popular, actualmente no poder. O juiz Garzón e seus
advogados rejeitam em absoluto a acusação. As suas acções foram sempre apoiadas
pela procuradoria anticorrupção e autorizadas por dois outros magistrados.
Trata-se assim de um verdadeiro
“linchamento judicial”, promovido pelos meios mais retrógrados da sociedade
espanhola contra o “juiz dos direitos humanos”, quando não mesmo, como alguns
referem, uma vingança do Partido Popular, envolvido na rede de corrupção
Gürtel, que o juiz Garzón desmantelou.
Porém, a perseguição judicial ao
denodado juiz ainda não terminou. Recai sobre ele um outro processo, movido
pela extrema-direita, com o qual se pretende o seu afastamento das lides judiciais
por um período de 20 anos. Qual a natureza do “crime”? Ter o juiz Baltazar Garzón
assumido a competência para investigar os crimes do franquismo.
O veredicto está para breve num
julgamento acompanhado pela opinião pública internacional, sendo conhecido que
a ele vão assistir observadores da Comissão Internacional de Juristas, da
Amnistia Internacional, da Fundação Edelstram, (que atribui o designado “prémio
Nobel dos Direitos Humanos”) bem como a prestigiada “Human Righgts Watch”.
No decurso das audiências tem sido
prestado testemunho de familiares das vítimas da repressão do fascismo espanhol,
que contam a trágica experiência de terem visto pais, mães e irmãos e outros
familiares, prisioneiros dos apoiantes de Franco, serem sumariamente fuzilados.
A divisa dos energúmenos do fascismo era, aliás como bem se sabe, que “dos vermelhos não deve ficar nem rasto”.
Conforme dados do próprio juiz Garzón, serão mais de 130 mil vítimas da
repressão política do franquismo.
Os acusadores argumentam que o juiz
Garzón ignorou deliberadamente a lei da amnistia de 1977, que arquivou os
crimes do franquismo. Baltazar Garzón e seus advogados sustentam, legitimamente,
que os crimes de genocídio e os atentados aos direitos humanos, perpetrados pelo
franquismo nunca poderão prescrever.
Sobre o escândalo deste julgamento o
jornal norte-americano The New York Times" escreveu em editorial que se trata de “eco perturbador do pensamento totalitário da
era de Franco”. E seus amigos consideram que o juiz Baltazar Garzón “é um homem que atrai a admiração e ódio das
elites”.
Assim vai a Justiça neste Mundo! Os direitos
do Homem no pelourinho e os verdugos como acusadores sem mácula...
Eis, enfim, a Caixa de Pandora
escancarada...
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Mais informações in http://josesaramago.org/260421.html
6 comentários:
"España al revés". Ao que isto chegou.
Abraço
Terrível tempo este de uma extrema direita revanchista e criminosa. Eis o juiz que de há muito era um homem a abater. Infelizmente tens razão: a caixa foi aberta.
Abraço, Amigo.
Transcrevo, de Saramago:
As lágrimas do Juiz Garzón hoje são as minhas lágrimas. Há anos, a um meio-dia, tomei conhecimento de uma notícia que foi uma das maiores alegrias da minha vida: a acusação a Pinochet. Este meio-dia recebi outra notícia, esta das mais tristes e desesperançadas: que quem se atreveu com os ditadores foi afastado da magistratura pelos seus pares. Ou melhor dito, por juízes que nunca processaram Pinochet nem ouviram as vítimas do franquismo.Garzón é o exemplo de que o agricultor de Florença não tinha razão quando, em plena Idade Média, fez dobrar os sinos a finados porque, dizia, a justiça havia morrido. Com Garzón sabíamos que as leis e o seu espírito estavam vivos porque as víamos actuar. Com o afastamento de Garzón os sinos, depois do repique a glória que farão os falangistas, os implicados no caso Gürtell, os narcotraficantes, os terroristas e os nostálgicos das ditaduras, voltarão a dobrar a finados, porque a justiça e o estado de direito não avançaram, nem terão ganho em transparência e quem não avança, retrocede. Dobrarão a finados, sim, mas milhões de pessoas sabem reconhecer o cadáver, que não é o de Garzón, esclarecido, respeitado e querido em todo o mundo, mas o daqueles que, com todo o tipo de argúcias, não querem uma sociedade com memória, sã, livre e valente.
In O Caderno de Saramago, publicado a 14 de Maio de 2010
É o descrédito total da justiça espanhola. Mas o bastonário dos advogados portugueses acha, em artigo de hoje no Jornal de Notícias, que a condenação é adequada e que a justiça espanhola é exemplar!
Abraço
Caríssimo,
Parece-me tão próprio recorrer a uma imagem simbólica que nos explique as mazelas das tantas "Caixas de Pandora" espalhadas pelos continentes do mundo...aqui, ali ou acolá este tempo de avanços e retrocessos prescreve a receita explicíta deste mundo caduco...
As vezes eu nem sei se o que se abre a é a "Caixa de Pandora" ou o "ovo da serpente"...
Felizmente, ainda que os calem, os lúcidos e corajosos continuam perenes - e isto já é um alento - para aqueles estão de olho no amanhã.
Bom te ler. Grande abraço,
Genny
Exaltante a perdurso de Gárzon e magnífico texto o teu.
O meu forte abraço aos dois.
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