A proclamada reforma do poder local, que
o governo PSD/CDS, sob a batuta da tróica, se propõe introduzir, constitui um
verdadeiro programa de subversão do poder local democrático e a mais
despudorada e acintosa tentativa de concretização do velho desígnio e ambição
da direita de ajustar contas com uma das mais importantes conquistas de Abril.
De facto, as propostas agora anunciadas
e as iniciativas legislativas em curso têm em vista, ao arrepio da Constituição
da República, liquidar a autonomia das autarquias e reconstituir um modelo de
dependência e completa subordinação das autarquias locais em relação ao
Governo, existente até ao 25 de Abril.
Não cabe no âmbito destas linhas, traçar
o quadro institucional do funcionamento das autarquias locais (Municípios e
Freguesias). Importa, no entanto, assinalar que o Poder Local integra a
organização democrática do Estado; e, conforme as normas constitucionais, as
autarquias não são subsidiárias, nem dependente da Administração Pública
central ou do governo.
O governo, no quadro da Constituição da
Republica, tem apenas poderes de tutela de legalidade sobre as autarquias, mas não
tem tutela de mérito sobre o funcionamento. Quer dizer que o Governo apenas
pode avaliar a conformidade da actuação das autarquias aos dispositivos legais
em vigor, mas não pode intervir no exercício das suas actividades, nem no
funcionamento dos órgãos autárquicos, que nesse plano, apenas respondem
(politicamente) perante as populações que representam.
Pois bem, o que está na forja é a
completa subversão deste regime. De facto, dando continuidade a opções
ensaiadas em momentos anteriores, por vezes com a iniciativa e a cumplicidade
do PS, o governo actual desencadeou um salto qualitativo na ofensiva contra o
poder local democrático.
Um ataque que a concretizar-se
plenamente constituiria a mais completa descaracterização do poder local e a
liquidação do que ele representa enquanto conquista de Abril: amplamente participado, com órgãos colegiais autenticamente democráticos e
efectiva autonomia administrativa e financeira.
Bem pode dizer-se que este programa de
agressão ao poder local, para além do retrocesso da vida democrática local, constitui também, pelas suas consequências, um programa de agressão
às populações e às suas condições de vida, dado que será um factor de
constrangimento do desenvolvimento económico e o consequente agravamento de
assimetrias regionais.
Em rigor, pode afirmar-se que a
profundas alterações almejadas pelo Governo PSD/CDS ao regime jurídico-político
do Poder Local têm subjacente uma concepção política, que embora mantenha o
princípio da eleição dos órgãos autárquicos (irremediavelmente limitado e
amputado) não disfarça a ambição dos seus autores em impor um sistema de governação
local que, à maneira do fascismo, nomei os presidentes de câmaras e os regedores
para as freguesias.
E, assim, cada vez mais a democracia se
reduz a um esqueleto, como “coisa” descarnada e exangue – a tal “santinha dos
altares”, de que falava Saramago, venerável embora, mas distante e fria...
6 comentários:
Qualquer dia voltamos ao tempo do "Regedor" e do "Cabo de ordens".
Abraço
Esta canalha
não tem pudor
agora querem violar
as casas do povo
Tenho este teu texto "debaixo de olho". Dar-lhe-ei um destino no meu espaço, um dia destes, proximamente.
Os políticos passam, sobretudo aqueles que espalham infernos. E os povos não são parvos.Viva a democracia real e não esquelética...que essa não interessa nem ao menino Jesus.
Abraços,
Véu de Maya
vai cair-lhes em cima com todo o vigor...
Espero bem que esta, por ser uma medida tão impopular, venha, afinal, a fazer com que o tiro lhes saia pela culatra... Nem que seja nos votos. A ver vamos.
Quanto à tua análise, sempre um enlevo do maior interesse e pedagogia!
Abraço.
Enviar um comentário