Como se sabe, no decurso da História,
muitos foram os momentos em que a Igreja de Roma se cruzou com os destinos de
Portugal.
Desde logo, no acto fundador da
nacionalidade. Afonso Henriques assumiu o Reino de Portugal em 1128, mas apenas
decorridos 15 anos, em 1143, através da assinatura do Tratado de Zamora, é
reconhecida a nossa independência por parte de Afonso VII, rei de Leão.
Foi determinante, no contexto histórico,
o primado espiritual e temporal que o Papa exercia na Idade Média, suserano de
todos os reinos europeus. Afonso Henriques ofereceu o Reino de Portugal à
Igreja de Roma, declarou-se vassalo do Papa e prometeu um pagamento em ouro, ad aeternum, de um tributo feudal.
Não, por certo, sem que antes tenham
sido regateadas algumas cláusulas, pois que apenas em 1179, o Papa Alexandre
III, aceita definitivamente D. Afonso Henriques como rei de Portugal e
reconhece a independência de reino.
Sem mais retorno nos vínculos
estabelecidos. Por exemplo, na sequência da restauração da independência, em 1640, D.
João IV, num gesto submissão à igreja, colocou a coroa régia na imagem da
Virgem Maria. A partir de tal gesto, nunca mais nenhum Rei de Portugal usou
coroa. Em contrapartida, a igreja Católica, deliberou que o dia 8 de Dezembro
fosse feriado religioso, dedicado á Imaculada Conceição, entretanto, proclamada
Rainha de Portugal.
Permito-me evocar estes longínquos
acontecimentos, porque episódios recentes fazem acreditar que, ainda hoje, as
instituições portuguesas são tributárias dessa relação de suserania, que está na
matriz da fundação do País e que, de alguma forma, moldou, num tempo longo, as
relações com a Igreja Católica.
Bem sabemos que a Revolução de 25 de Abril
procurou nova configuração das relações com a Santa Sé. A Concordata, assinada
no auge da afirmação poder da dupla Salazar/Cerejeira, foi substituída por um
novo instrumento diplomático.
Por outro lado, o instituto da família,
com forte influência do pensamento católico, foi profundamente revisto, seja na
consagração de igualdade dos cônjuges, seja na instituição do divórcio ou na
interrupção voluntária da gravidez. E até, mais recentemente, sem grandes
conflitos, na instituição do casamento de pessoas do mesmo sexo.
Mas, sobretudo, com o 25 de Abril,
quebrou-se o vínculo orgânico, mediante o qual o regime salazarista restituiu à
Igreja Católica o poder e a força que a 1ª República lhe havia retirado, em
troca da base da sustentação do regime, traduzida nos milhares de fiéis, que
foram o fermento dos consabidos “bandos
costumes” dos portugueses, de que Salazar se vangloriava.
Em troca, portanto, da cumplicidade
activa da Igreja Católica, que – honra às excepções! – se pautou pela cómoda
atitude de não ver, não reagir, não questionar, nem protestar perante os
crimes e atropelos do regime salazarista.
Outros os tempos, hoje, sem dúvida. Tempos
de um Estado laico e de uma Igreja Católica mais comedida e em maior
consonância com os ventos da história.
E, porventura, sinceramente mais identificada com os dramas e as angústias do
tempo presente.
Por isso, se torna mais difícil compreender
algumas emanações desse caldo cultural de
dependência, que por vezes irrompem no quotidiano da nossa vida política.
Não tanto pela imposição das autoridades eclesiásticas, que naturalmente não
desdenham vénias, nem salamaleques. Nem prebendas...
Mas, sobretudo, pela falta de rigor, de
equilíbrio e sentido de estado das personagens que transitoriamente ocupam os órgãos
de soberania, a quem cumpre velar pelo prestígio das instituições da República
e pela equidistância religiosa de um verdadeiro Estado laico.
De facto, fará algum sentido, para além
da costumeira solicitude da televisão pública, que numa cerimónia de
estritamente religiosa, como foi a entronização do novo Patriarca de Lisboa,
tivessem caído (sem ironia) no Mosteiro dos Jerónimos os mais altos
representantes do Estado, acompanhados por luzidios séquitos, desde o
Presidente da República, Presidente da Assembleia da República e
Primeiro-ministro?
Será que esperam o milagre da redenção
no beija-mão ao novo Patriarca de Lisboa? Ou que os aplausos, vindos das naves do
templo, irão sarar a amargura do isolamento e do desprezo que a sociedade
portuguesa, em geral, lhes dedica?
Se assim for, bem poderão dizer que,
(não Paris, nem sequer Lisboa), mas o olhar compassivo e tolerante de D. Manuel
Clemente “merece bem uma missa”...
10-07-2013
Manuel Veiga
8 comentários:
Portas não se demitiu
pediu a demissão
Os tipos não beijaram a mão de D.Clemente
só o anel
e Cavaco coveiro da sua urna
insiste em ficar na história
de Boliqueime
A malta dos subúrbios de tudo
procura uma zona protegida
ainda não discerniu
que pode tudo
nas ruas - mas também nas urnas
Santidade, tanta! Negro, o Mar!
Lídia
Excelente texto! Os aplausos foram uma vergonha de que o novo Patriarca se deveria ter demarcado na entrevista à esganiçada.
Abraço
Belo texto meu Caro.
Foi o D. Clemente que disse que as eleições não são convenientes.
Se calhar porque tem receio da cor do fumo que vai sair delas...
Abraço
Nunca sei comentar seus textos heretico mas acompanho contrita cada momento político religioso ou babilônico e vou aprendendo contigo e me solidarizando assinando embaixo tudo que quiseres ok? rs
Dizem que S.Clemente era mesmo um fazedor de milagres , por aqui é tal a esculhambação que virou nome de escola de samba ... rs
Um abraço kirido meu,
bons dias obrigada pela amizade além-mar.
Muito negro, o mar, sublinhando o comentário da Lídia...
Abraço!
O interessante é que nunca perdem pitada para meter o bedelho na política.Não que não tenham o direito à opinião ( longe disso), mas porque adoram uma certa intromissão...
São esses eventos que eu não entendo!
O porquê do aparato e da vaidade...
Maria Luísa
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