Magnânima e maternal, a senhora
Presidente da Assembleia da República, veio publicamente afirmar, após a
poderosa manifestação das forças de segurança, frente ao Parlamento, que era
salutar “ver os cidadãos baterem à porta
da democracia”, ou seja, aquele local constituir-se repositório de todas as
queixas e a expressão de todos os descontentamentos.
Não tenho bem presente, mas se não estou
enganado, a distinta senhora designou, na oportunidade, o Parlamento como “a casa
do povo”, numa clara demonstração da centralidade política da Assembleia da
Republica, no contexto dos órgãos de soberania, como instituição democrática por
excelência, fundada na representatividade popular.
Só lhe caiu bem o gesto e a solícita
palavra...
Acontece, porém, que, de imediato, a senhora
Presidente se aprestou a acrescentar, em sua emergência mediática, tendo
certamente ainda vivos os gritos indignados dos agentes de segurança que as “portas da Assembleia da República são sagradas”, como quem lembra a
presentes e futuros manifestantes que não poderão, em circunstância alguma, “franquear os portões sagrados” do
Parlamento.
Julgo haver aqui um manifesto exagero,
ainda que as palavras sejam tomadas pelo seu valor simbólico. É que, apesar dos
vetustos leões, que orlam a frontaria, nem o edifício da Assembleia da
República é um “templo”, ainda que profano, nem nos dias de hoje, a palavra da
lei, sábia e perene, é gravada em bronze com línguas de fogo...
Pelo contrário, os poderes de soberania
e, em especial o poder legislativo, são cada vez mais frágeis e precários, nesta
curva acelerada dos tempos, corroídos pela pulsão do lucro e a financeirização da economia, à escala
mundial. E, sujeitos tais poderes aos percalços inesperados
da história, que inelutavelmente prossegue seu trilho e cuja incerteza de seus
liames, porventura, aguçam a palavra condescendente da excelsa senhora,
precavendo-se dos seus perigos.
Mas sobretudo o poder legislativo, que melhor
ninguém Sua Excelência deverá conhecer, é cada vez mais fraco, capturado sem
pejo, nem vergonha, pela promiscuidade entre poderosos interesses económicos e o poder político e que tem expressão
pública nos contractos de outsourscing,
em prejuízo das funções da administração pública, com gabinetes de estudo e
sociedades de advogados, muitos dos quais são deputados.
O desaforo, neste plano, vai ao ponto,
de um dos sócios de uma dessas “instituições
industriais do exercício da advocacia” ter recentemente defendido
publicamente que as principais sociedades de advogados “deviam ser envolvidas, por parte do Estado, nas questões respeitantes
aos grandes interesses públicos”, sem que se conheça uma palavra de repúdio
por parte da senhora presidente da Assembleia da República.
Como também não se conhece uma palavra
de Sua Excelência, breve que fosse, sobre os desbragados ataques à soberania do
Estado português, provinda do quadrante político onde se move, máxime os
ataques ao Tribunal Constitucional pelo senhor Durão Barroso, presidente da
Comissão Europeia e seu ilustre correligionário político.
Parece haver, assim, no ilustre zelo de
Sua Excelência sobre os portões da Assembleia da República, mais que um
equívoco, uma clara inversão de valores e prioridades. Realmente, como
compaginar, as ansiosas preocupações de Sua Excelência com a dignidade da
Assembleia, quando este órgão de soberania é corroído no seu interior por
interesses espúrios?
É que de facto, lá no alto, para além
dos vetustos leões que, simbolicamente se erguem como “guardiães do templo” e
que assistiram, impotentes e mudos - coitados! - à ocupação das escadarias, a frontaria da
Assembleia é também orlada com as estátuas da Justiça e da Força e, do outro
lado, da Prudência e da Temperança, virtudes tão afastadas da acção
legislativa.
Bom seria, portanto, que para além de
afagar amorosamente a juba dos vetustos leões, Sua Excelência velasse também para
que essas virtudes e, em especial a Justiça, fossem o alfa e o ómega da
actividade do órgão de soberania, a que distintamente preside.
10 comentários:
Chama-lhe a Casa do Povo mas é aí que a maioria legisla contra esse mesmo Povo!
Cada vez mais lixados com políticos deste (baixo) calibre!
Abraço
A ilustre senhora que já chamou de carrascos aos que denunciaram os atropelos dos fariseus embusteiros que ocupam a maioria do templo, é, ela própria, um destes.
Belo texto
Abraço fraterno
Passando nesse finzinho de tarde pra deixar um abraço ao heretico ,
li o texto naõ entendi ,também não me interessei absoluto por 'vossas excelências' assim em minúsculas como as definiria.
um bom domingo e todos os abraços bem calorosos-tipo brasileiro.
rs
fica bem ,tá?
É pá, a senhora, só presta para contar os minutos dos discursos. Aliás, tem até cara de ampulheta...
(Bom texto, irmão!)
A senhora aposentada
presta um serviço tartufo
ao poder instalado
Simpática tremem-lhe os dentes
funde-se
ah, meu caro!
Muita parra e pouca uva...e então nas citações um arrebatamento que deve deixar os vetustos leões sem jeito.
forte abraço,
Véu de Maya
Já não tenho muito para dizer sobre estes assuntos :-(
Beijo, 'Herético'
Ele cada vez há mais baralhação de conceitos... Então a malta vai «bater à porta da democracia»? Não faz muito sentido... Vejamos, se (ainda) vivemos em democracia e estando o povo na rua, quando bate a alguma porta, essa poderá ser de qualquer coisa, mas da democracia não. A democracia, nesse momento está, como é óbvio, na rua. Lá dentro estará a tal qualquer outra coisa. A metáfora é, assim, frouxa.
Talvez haja uma residual boa-vontade, mas há, também, uma manifesta falta de jeito.
Lá está, acabam com o ensino da Filosofia e dá nisto!
Grande abraço, caríssimo.
"como compaginar, as ansiosas preocupações de Sua Excelência com a dignidade da Assembleia, quando este órgão de soberania é corroído no seu interior por interesses espúrios?"
Como?
Um beijo
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