Às portas da
cidade rarefeita por onde
Os lobos marcam lá
dentro a paisagem em seu registo de sangue
E ódio e se
devoram senhores do tempo
E os cães
famélicos são apenas os restos do banquete
E da apoteose da
morte...
Às portas da
cidade por onde o grito se perfila
E os rodízios e
as alavancas gemem num chiar de mudos
E o canto se
entope nas gargantas. E pela milésima vez
Bandeiras
esfarrapadas cobrem as chagas
Expostas como
fístulas poluídas...
Às portas da
cidade onde fervem as vitórias e todas
As desistências
são possíveis e os heroísmos são verso e reverso
De tudo ou nada.
E os homens se reconhecem
E são barro ou
aço na dimensão comum do seu destino
E da entrega à
incerteza e ao sobressalto...
Às portas da
cidade por onde um poeta sem nome
E sem glória aclara
a voz com cítara desajeitada
E recolhe os salvados
de todos os naufrágios
E com eles as dores
e as fomes descarnadas que se perfilam
Num deserto de
agonia trágica...
Aí nesse mítico lugar
de batalhas destroçadas e de furtivas
Esperas. Aí às portas
da cidade por onde corre o sangue
Fermente e o
medo se fecunda no rugir dos ferros e dos ventos
Nesse mítico
lugar solto meu grito de guerra e me jogo
Farrapo de azul vertido
em velas de um qualquer moinho...
Manuel Veiga
6 comentários:
E tanta gente que fica às portas da cidade! :(
Abraço
Abro as portas da tua cidade para deixar a minha saudação!
Ah cidade, cidade
que o poeta
mesmo sofrendo te liberte,
agora, antes que seja tarde
E que seria de nós, pobres mortais,sem a cidade?
Muito bem conseguido - como sempre - muito forte e, ao mesmo tempo, frágil. À laia de um Homero da atualidade.
Beijos.
as portas da cidade encerram tanta coisa boa (e tanta coisa muito má).
poesia muito forte e acutilante.
:)
há muitos homens com pés de barro; há alguns com vontade de aço...
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