segunda-feira, junho 06, 2016

A MINHA AMIGA SÃOZINHA...


Sem se fazer anunciar, a Sãozinha apareceu em Lisboa. Eu deveria ter previsto, mas que querem? Com o passar do tempo sou cada vez mais distraído aos caprichos da Sãozinha. Embora, devesse adivinhar que viria. Que me lembre nunca houve Governo do país, cuja posse não tivesse o luzimento da sua presença. Porque seria agora diferente? Como compreendem a Sãozinha, adoraaaaa!... O brilho das toilettes, o perfume da intriga sussurrada, o telintar das lantejoulas, o sobressalto do reconhecimento público é fascínio a que a Sãozinha não resiste.

Mais a mais, tem responsabilidades. Convém estar nas boas graças dos governantes que tutelam a “sua” Instituição. É verdade, que, desta vez, a Sãozinha ficou um pouco descoroçoada. Ela, que gosta de cirandar de beija-mão em beija-mão, foi compelida a ficar acantonada, com reduzida hipótese de borboletear na flama do poder.

- ”Faz uma pessoa todos estes quilómetros, para isto!” – exclama, manifestamente agastada.

Dou-lhe razão, claro. E para a confortar gabo-lhe a toillete. Um conjunto de saia casaco, rosa choque, com o corpo torneado da Sãozinha dentro, todo ele ressumando blandícias e desejos.

- ”Gostas?! Não achas a minha abertura pequena...” – inquiriu, coquette, voltando-se de costas, esquecida já do contratempo da cerimónia frustrada.

Ora eu que, sobre a abertura da Sãozinha tenho opinião altamente favorável, disse-lhe com um sorriso divertido: “Mas a tua abertura, minha querida, é absolutamente fabulosa”!... E, alargando o sorriso: “Não me digas que o novo governo se propõe lançar imposto sobre o uso das aberturas femininas...

Com a minha gargalhada, a Sãozinha abriu o jogo dos subentendidos e, de dedo em riste, advertiu-me: “Deixa-te de ser perverso, afinal eu estou “apenas” – enfatizou – a falar-te da racha da minha saia, capice!

(Capice é interjeição, com sabor a “bom-bom” na boquinha “rosa rosae” da Sãozinha)

E, sem me dar tempo a corrigir o equívoco, a Sãozinha, passou ao ataque num fôlego: “Imagina tu que o burgesso do meu adjunto acha que tenho a abertura pequena...”

E, ante a minha perplexidade, contou indignada. Numa visita recente de altas individualidades do Estado à cidade, a instituição da Sãozinha foi, como era de esperar, o centro nevrálgico da digressão. Reuniões e briefings, durante toda a manhã, com a Sãozinha dirigindo, prevendo, dando ordens, deslumbrando Suas Excelências, em prol da cidade e do prestígio da instituição.

À partida para almoço, com a caravana formada, polícias e bombeiros em guarda de honra, a Sãozinha, em lugar destacado, dirigiu-se para a viatura oficial, onde, perfilado, “o burgesso” lhe abria a porta. Oh drama! Oh maldição! Por duas vezes, a Sãozinha alçou a perna para entrar na viatura. Por duas vezes, a saia da Sãozinha subiu às coxas roliças, em exposição pouco digna... Apenas à terceira tentativa foi possível entrar na viatura, entre sorrisos (mal) contidos de polícias e populares.

- “Nunca me senti tão vexada” – garantiu-me. “E o burgesso, em vez de me ajudar, atreveu-se a dizer-me que eu tinha a racha pequena! Aquele “rachado”!... – rematou, indignada.

Não é adorável a Sãozinha? Que outra coisa pode um homem fazer que não sejas tira-la de embaraços futuros e fazer o trabalho que o “burgesso”, pelo visto não faz, isto é, dar a sua (modesta) contribuição para a alargar a racha da Sãozinha.

Da saia, evidentemente – “mal y soit qui mal y pense”. Um dia destes apresento-a a meu amigo Zeca. Que vos parece?

Manuel Veiga


11 comentários:

Suzete Brainer disse...

Um texto de uma ironia pura e descritiva da
frivolidade do poder, posso ter lido errado,
mas para mim esta "Saozinha" representa o
poder, sendo cobiçado e com tantos meios e
aberturas ilícitas de ser navegado.
Talvez viajei na leitura, né?...rss
De qualquer maneira adorei a divertida
leitura feita aqui!
Agora se for uma mulher pode ser apresentada
para o Zeca "predador" e quem sabe não será
a alma gêmea dele?...rss
Amigo, desculpa o senso de humor, certo.
Bjs.

rosa-branca disse...

Amigo Manuel, um texto hilariante que adorei. Um abraço com carinho

Agostinho disse...

De inclinação em inclinação o poder da São zinha está na racha ou na sua inclinação.
ou então...
Abraço.

Manuel Veiga disse...

digamos antes, caro Agostinho _ "a racha ao poder!"...
abraço

Agostinho disse...

A Sãozinha é pelo que se adivinha mulher pro-eminente. Que seria do poder sem declinações figurativas de saias de racha para cerimónias e inaugurações?
Belo texto..

José Carlos Sant Anna disse...

Deliciosa a tua crônica, Manuel. Que fino humor! Belíssimo texto!
Como por vezes pesa o "racha" a distrair o tédio do poder!
Abraços,

Fê blue bird disse...

É por estas e por outras que eu não uso saias :)

Adorei toda a ironia do texto.

Beijinho

Pedro Luso de Carvalho disse...

Gostei muito de sua crônica, Manuel. As suas “Excelências” serão sempre um bom tema para a crônica. Gostei da Sãozinha, àsvoltas com sua saia.
Um abraço.

Mar Arável disse...

A coisa não é fácil nem barata

Abraço pelo belo texto

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

melhor deixar o Zeca de parte, pode dar faísca e a racha da saia ainda se descose de vez...

;)

Afrodite disse...


Deliciosos trocadilhos!!... :)

E estou com a minha querida amiga Fê... porque ao invés daquilo que a Ivone Silva dizia, enquanto interpretava fabulosamente a mulher do vestido preto, eu reformulo dizendo:
- eu com um par de calças vestidas nunca me comprometo!
Apenas não rima... o que é uma pena! :))


Beijinhos em prosa
(^^)

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