Sem
se fazer anunciar, a Sãozinha apareceu em Lisboa. Eu deveria ter previsto, mas
que querem? Com o passar do tempo sou cada vez mais distraído aos caprichos da
Sãozinha. Embora, devesse adivinhar que viria. Que me lembre nunca houve
Governo do país, cuja posse não tivesse o luzimento da sua presença. Porque
seria agora diferente? Como compreendem a Sãozinha, adoraaaaa!... O brilho das toilettes,
o perfume da intriga sussurrada, o telintar das lantejoulas, o sobressalto do
reconhecimento público é fascínio a que a Sãozinha não resiste.
Mais
a mais, tem responsabilidades. Convém estar nas boas graças dos governantes que
tutelam a “sua” Instituição. É verdade, que, desta vez, a Sãozinha ficou um
pouco descoroçoada. Ela, que gosta de cirandar de beija-mão em beija-mão, foi
compelida a ficar acantonada, com reduzida hipótese de borboletear na flama do
poder.
-
”Faz uma pessoa todos estes quilómetros,
para isto!” – exclama, manifestamente agastada.
Dou-lhe
razão, claro. E para a confortar gabo-lhe a toillete. Um conjunto de saia
casaco, rosa choque, com o corpo torneado da Sãozinha dentro, todo ele
ressumando blandícias e desejos.
- ”Gostas?! Não achas a minha abertura pequena...”
– inquiriu, coquette, voltando-se de
costas, esquecida já do contratempo da cerimónia frustrada.
Ora
eu que, sobre a abertura da Sãozinha tenho opinião altamente favorável, disse-lhe
com um sorriso divertido: “Mas a tua
abertura, minha querida, é absolutamente fabulosa”!... E, alargando o
sorriso: “Não me digas que o novo governo
se propõe lançar imposto sobre o uso das aberturas femininas...
Com
a minha gargalhada, a Sãozinha abriu o jogo dos subentendidos e, de dedo em
riste, advertiu-me: “Deixa-te de ser
perverso, afinal eu estou “apenas” – enfatizou – a falar-te da racha da minha saia, capice!
(Capice
é interjeição, com sabor a “bom-bom”
na boquinha “rosa rosae” da Sãozinha)
E,
sem me dar tempo a corrigir o equívoco, a Sãozinha, passou ao ataque num
fôlego: “Imagina tu que o burgesso do meu
adjunto acha que tenho a abertura pequena...”
E,
ante a minha perplexidade, contou indignada. Numa visita recente de altas
individualidades do Estado à cidade, a instituição da Sãozinha foi, como era de
esperar, o centro nevrálgico da digressão. Reuniões e briefings, durante toda
a manhã, com a Sãozinha dirigindo, prevendo, dando ordens, deslumbrando Suas
Excelências, em prol da cidade e do prestígio da instituição.
À
partida para almoço, com a caravana formada, polícias e bombeiros em guarda de
honra, a Sãozinha, em lugar destacado, dirigiu-se para a viatura oficial, onde,
perfilado, “o burgesso” lhe abria a
porta. Oh drama! Oh maldição! Por duas vezes, a Sãozinha alçou a perna para entrar
na viatura. Por duas vezes, a saia da Sãozinha subiu às coxas roliças, em
exposição pouco digna... Apenas à terceira tentativa foi possível entrar na
viatura, entre sorrisos (mal) contidos de polícias e populares.
-
“Nunca me senti tão vexada” –
garantiu-me. “E o burgesso, em vez de me
ajudar, atreveu-se a dizer-me que eu tinha a racha pequena! Aquele “rachado”!...
– rematou, indignada.
Não
é adorável a Sãozinha? Que outra coisa pode um homem fazer que não sejas tira-la
de embaraços futuros e fazer o trabalho que o “burgesso”, pelo visto não faz,
isto é, dar a sua (modesta) contribuição para a alargar a racha da Sãozinha.
Da
saia, evidentemente – “mal y soit qui mal
y pense”. Um dia destes apresento-a a meu amigo Zeca. Que vos parece?
Manuel Veiga
11 comentários:
Um texto de uma ironia pura e descritiva da
frivolidade do poder, posso ter lido errado,
mas para mim esta "Saozinha" representa o
poder, sendo cobiçado e com tantos meios e
aberturas ilícitas de ser navegado.
Talvez viajei na leitura, né?...rss
De qualquer maneira adorei a divertida
leitura feita aqui!
Agora se for uma mulher pode ser apresentada
para o Zeca "predador" e quem sabe não será
a alma gêmea dele?...rss
Amigo, desculpa o senso de humor, certo.
Bjs.
Amigo Manuel, um texto hilariante que adorei. Um abraço com carinho
De inclinação em inclinação o poder da São zinha está na racha ou na sua inclinação.
ou então...
Abraço.
digamos antes, caro Agostinho _ "a racha ao poder!"...
abraço
A Sãozinha é pelo que se adivinha mulher pro-eminente. Que seria do poder sem declinações figurativas de saias de racha para cerimónias e inaugurações?
Belo texto..
Deliciosa a tua crônica, Manuel. Que fino humor! Belíssimo texto!
Como por vezes pesa o "racha" a distrair o tédio do poder!
Abraços,
É por estas e por outras que eu não uso saias :)
Adorei toda a ironia do texto.
Beijinho
Gostei muito de sua crônica, Manuel. As suas “Excelências” serão sempre um bom tema para a crônica. Gostei da Sãozinha, àsvoltas com sua saia.
Um abraço.
A coisa não é fácil nem barata
Abraço pelo belo texto
melhor deixar o Zeca de parte, pode dar faísca e a racha da saia ainda se descose de vez...
;)
Deliciosos trocadilhos!!... :)
E estou com a minha querida amiga Fê... porque ao invés daquilo que a Ivone Silva dizia, enquanto interpretava fabulosamente a mulher do vestido preto, eu reformulo dizendo:
- eu com um par de calças vestidas nunca me comprometo!
Apenas não rima... o que é uma pena! :))
Beijinhos em prosa
(^^)
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