(...)
Mas
tu sabes muito bem, minha querida, que as nossas divergências são de superfície
e que toda a minha narrativa, por mais desordenada que se apresente, nos tempos
e modos percorridos, ou por mais voláteis que te sejam as palavras e a
“irrealidade” dos sentimentos e comportamentos, tu sabes, Maria Adelaide, que
és o veio e a seiva que alimentam a minha escrita e esta narrativa que, sem
rebuço, dizes entediante.
Pois
dir-te-ei que se autor houvesse tu serias ficção, personagem privilegiada,
naturalmente, pois que, sendo única, ocuparias, no plano da narrativa, o lugar
nobre da figuração do coro, como acontece nas encenação das tragédias gregas,
que para além de dar “passagem” aos diversos quadros em que desenvolvem a
dramatologia funcionarias também como “um espectador ideal que se
responsabiliza pelo equilíbrio das emoções e pela moderação do discurso”. Então
sim, brilharias como o teu pezinho de cetim e bailado, tantas vezes te
requer...
E,
minha querida, mesmo que “trambolho da escrita” – ainda que lúcido, hélas! –
seria fácil ensaiar uma narrativa, como deve ser, com sujeito, predicado e
complemento directo e o tempo e modo bem alinhadinhos, (primeiro, o “antes” e o
“depois” ... depois!), na qual encenássemos os momentos mais quentes na tua
casa de praia em cenas tórridas e houvessem cenas de traição e vingança e ciúme
e crime, está bem de ver, e até droga, porque não? e então tu serias vedeta a
sério, sabe-se lá se como direito a entrevista em todos os suplementos
culturais (ainda existem?) ou capa de um jornal de referência. Mas assim
alinhadinhos, basta-nos o alinhamento das narrativas no telejornal (e as
telenovelas também, Maria Adelaide, onde espreitas de vez em quando), ou a
filas paradas na AE 5, ou na 2ª Circular, ou no Eixo Norte/Sul ou as linhas de
montagem das fábricas falidas, as filas para o subsídio de desemprego, ou a
sopa dos pobres.
(...)
Não
tiveste pois sorte, minha querida Maria Adelaide. Nem nos amores ou desamores
de que te não salvei. Nem na figuração que te calhou nesta mal cerzida
narrativa com “passada mais longa que a perna” (onde já se disse isto?),
narrativa circular, redonda, obtusa, assumidamente narcísica. Se autor houvesse
e o tempo fosse, tu serias vedeta...
Assim
somos, tu e eu, aquilo que (não) somos. Ou a persona em que encenamos as nossas
vidas, que não sendo, são e não sendo, se dizem. Não para se comprazerem ou
para se lamentarem, mas como testemunho livre da escrita, ainda com odor a
placenta, por vezes doendo, outras com o rosto inocente das palavras
inesperadas ou das veredas que se rasgam, quando se julgava apenas atalho. Assim
se querem estas “estórias”, sem ponto de equilíbrio, navegando pelas palavras,
que vidas foram, como quem caminha sobre um fio-de-prumo a ligar os diversos
tempos”.
Voltemos a África, Maria Adelaide em
busca de espaços amplos. E respiremos...
8 comentários:
Agora que subi à montanha estás na planície ?
Desencontros meu amigo ;)
Um beijinho
~~~
Esta «querida Maria Adelaide» arranjou um amante por curiosidade
que, por sinal, é um narrador dedicado, presente e participante...
Estes dias quentes deram-te para suspirar pelos tempos de África...
Precisas refrescar-te...
~ Beijo, Poeta amigo
~~~~~~~~~
Ás vezes, precisamos de espaço para encontrar o ponto de equilíbrio em tudo...
Obrigada pela visita e em resposta à pergunta que fazes, não sei se vou publicar. Talvez um dia. Tenho alguns poemas e textos publicados nas colectâneas da Editora Lua de Marfim. Pode ser que esta editora organize uma sobre histórias policiais.
Obrigada mais uma vez.
Beijos e abraços
Marta
E a Maria Adelaide ficou a pensar: quanto mais explicado mais opaco... Ela já sabe a importância que tem para este narrador. Sabe que é a vedeta. Sabe que e "o testemunho livre" desta escrita.
Os amplos espaços de África vão fazer bem aos dois...
Um beijo, meu Amigo.
A Maria Adelaide está em boa companhia...
Gostei muito.
Beijo.
A escrita é um processo de entrega e muitas vezes
um desnudamento das palavras a correrem livres
e em busca de espaços amplos.
Sempre bela e original a tua narrativa.
Aprecio sempre!!
beijo.
Caro Manuel,
O que não faz uma Maria Adelaide nas mãos de um narrador que conhece "o rosto inocente das palavras ou das veredas que se rasgam". E como se conhecem e como se reinventam no "ato de fingir" para criar.
Forte abraço,
E se no verão o tempo se dilata também a memória se embrenha por veredas ocultas.
Até a M.C., tão perto para o que der e vier, está longe de imaginar o que lhe reservam os dedos do autor/narrador.
Isto promete...
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