1 - A configuração do poder é
multifacetada. Assume diversas máscaras numa encenação do Mesmo, quer dizer, da
articulação dos interesses económicos dominantes, instância última onde reside
o verdadeiro rosto (invisível) do Poder.
Primeira
consequência: não há apenas um sistema formal de poder, mas uma multiplicidade
de sistemas de poder, disseminados no interior da sociedade, muitos dos quais
meros poderes fácticos, que dizer,
sem qualquer estrutura (visível) que os suporte.
Segunda consequência: nenhum sistema de
poder é, em si mesmo, autónomo e independente dos restantes: os diversos
sistemas de poder desdobram-se uns nos outros, funcionando em rede, retroagindo
nos respectivos chamamentos. Decorre, portanto, que o poder não é apenas o “lugar de poder” que se observe, se
ocupe, máxime se conquiste, mas
sobretudo uma “relação de poder” que
se exerce e se sofre – não há poder,
sem “exercício do poder”...
2 - Tradicionalmente o poder de Estado
tem assumido o lugar por excelência do “exercício
do poder”. Compreende-se. O Estado, nas sociedades politicamente
organizadas, detém o monopólio da violência. É o único sistema de poder que se
poderá impor pela força e pelo constrangimento físico. Quer dizer, o poder
Estado é essencialmente coercivo...
Como é óbvio, a “domesticação” da violência através do poder de Estado representa um avanço histórico incalculável; tal não significa, porém, que a violência não faça parte da sociedade e,
em determinados contextos histórico-sociais, não possa ser “parteira” do devir social.
3 - Outros sistemas de poder actuam na
sociedade, porém. Não pela coerção, mas pela persuasão; não pela imposição da
lei e da ordem ou pela violência física se necessário, mas pelas artimanhas da
ideologia. De forma mais subtil. E em imbricada cumplicidade com o poder de Estado. Como acontece com o poder mediático.
É na propagação de uma ideologia que o “poder mediático” se cumpre. Poder mediático que excede o papel dos
órgãos da comunicação social e quadro do constitucional direito à informação, para envolver a indústria do entretenimento,
as agências de comunicação, a publicidade, o marketing, o consumo, o sistema de
moda, o desporto e tantos mais - uma vasta panóplia de meios, que encenam
aquilo que alguns designam por “Sociedade
do Espectáculo”.
4 - Os meios são diversos. O fito,
porém, é sempre o mesmo – a neutralização
do poder dos cidadãos, pela
aceitação acrítica da ideologia. Então as diversas configurações do poder mediático, em apoteose de efeitos,
proclamam a “inevitabilidade” da vida quotidiana, sem qualquer hipótese de
remissão.
Seja pela angústia ou pelo medo. Seja pelo
hedonismo do consumo e do lazer. Seja pelo culto do “parecer” (mais que o “ser”,
ou mesmo o “ter”) o que importa na
dita “Sociedade do Espectáculo” é
isolar e atomizar o individuo, massificá-lo, desmembra-lo da sua condição de
cidadão, inibi-lo na sua autonomia, frustrar a fecundidade da participação
social para assim o submeter voluntariamente
aos ditames da ideologia dominante e dos interesses económico-financeiros que
serve e a justificam.
Como romper o cerco?
Manuel Veiga
11 comentários:
Um texto excelente. De largo espectro e vasta aplicabilidade. Uma verdadeira lição.
Abraço meu Irmão
Gostei, amigo Manuel, deste seu texto sobre o poder. É um tema que sempre terá que o aborde, como acontece já a alguns séculos. Nos tempos modernos você dá o destaque necessário a alguns pontos, que fazem parte dessa "caixa preta" de tantos governos. A sorte que temos, tanto em Portugal como no Brasil, é que ainda temos a nosso favor a democracia. Aqui essa senhora está muito maltratada, com a saúde abalada, ma há a esperança que não morra.
Grande abraço.
A sede do poder desumaniza o homem...
Um texto por demais reflexivo e muito pertinente.
Abraço
"Se queres saber o verdadeiro íntimo dum humano, dá-lhe poder." (cito de memória, não sei o autor)
Como dizes, Manuel, a verdade é esta: há tantas formas de poder e de tal maneira estão disseminados numa sociedade, que nos esmagam, pobres peões.
Gostei, deveras, deste texto/análise.
Um abraço, Amigo.
São gostos amargos da ideologia burguesa, do capitalismo selvagem, da devastação do ser pelo ter que ter.
O poder da palavra num texto de quem sabe do que fala e por onde vai.
Excelente texto, sem dúvida.
A alienação das pessoas é algo que os Poderes pretendem sempre e utilizam todos os meios para isso.
Abraços
Algumas notas...
1 - Media e Poder: não é por acaso que se apelida de quarto poder.
2 - Muito interessante o que expões em 1 e 2.
3 - Em 3 e seguintes: este quarto poder está a tornar-se assustador visto ser um poder completamente desregulado e, cada vez mais, descarado, à mercê de critérios editoriais que servem determinados interesses, além da precarização dos jornalistas; acrescente-se a contaminação que acontece a partir de blogues políticos ou páginas em redes sociais; a par os ditos "fazedores de opinião".
4 - Romper o cerco? Já não há volta a dar. Com a vertigem da informação, resta pouco tempo para a formulação de juízos críticos.
Confiemos, em todo o caso.
Parabéns pelo texto, Manuel.
Bjo
Cultiva-se o ego sabendo-se que o ser fica confinado irremediavelmente à cerca que o contém, pelas suas fragilidades naturais - o número mais reduzido - o um. Então, dispensa-lhes o simulacro do afago, que não passa da redução a zero (0) pela dependência.
Tens razão nesta excelente reflexão. O JMB devia ser mais ouvido.
Abraço.
dispensa-se-lhe.
Já estive e escrevi um comentário. Perdeu-se antes de chegar ao destinatário.
Voltei só para dizer-lhe o quanto você sabe o que diz. E o quanto nos assusta este poder que se dissemina e vai dizimando as últimas forças...
Urge romper o cerco mas não sabemos como.
Fraternal abraço, meu caro amigo!
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