Qualquer actividade humana, seja na linguagem
falada ou escrita, na liturgia da acção política, no “determinismo” da economia, ou na imprevisibilidade das pulsões
sociais, qualquer discurso vale sempre mais que o seu estrito “valor facial”…E quando os
acontecimentos explodem em dimensão planetária, o sentido repercute-se numa
profusão de leituras, que subvertem, tantas vezes, a expressividade originária
e os acontecimentos, em si mesmos, ficam reféns das interpretações que deles se
apropriam.
Por outras palavras, a “semântica” tende a encobrir esta realidade…
Explico-me. Uns tempos atrás, um multimilionário
norte-americano, num artigo irónico, lançou o lancinante queixume para que os
poderes públicos “deixem de mimar os ricos”,
reclamando ser mais tributado para ajudar a saída da crise
económico-financeira, com que o mundo se debate...
Ao que parece, o apelo repercutiu-se, deste lado
do Atlântico, com abaixo-assinados dos próprios multimilionários, por essa
Europa fora, a “exigirem” serem mais
tributados e os governos - finalmente! – a fazerem de conta que sim, que vão
tributar os ricos…
Na realidade, não sendo previsível que os
multimilionários deste mundo se tenham conjugado todos para passarem, ao mesmo
tempo, pelo “buraco da agulha” e,
biblicamente, alcançarem o reino dos Céus, não pode deixar de causar estranheza
esta pulsão generosa dos ultra ricos, quando muitas dessas fortunas assentam na
exploração mais desbragada, se não mesmo na ilegalidade e no crime…
Mas compreende-se a lógica – o capitalismo não
dá ponto sem nó!... Face a esburacada economia e à violência das desigualdades
sociais, uns míseros 3%, mesmo que nada adiantem para resolver a crise, sempre
darão para lavar a face, antes que os deserdados da história, lhes batam à
porta. E não, certamente, para comerem brioches, mas para exigirem justiça…
E, se dúvidas houvesse (ou para quem ainda tenha
dúvidas), estas cenas de ópera bufa demostram a evidência, a total perversão da
soberania do Estado nas chamadas democracias ocidentais. O Estado foi
expropriado de seus poderes, designadamente, dos seus poderes tributários. São
os “donos do mundo” quem diz se e
quando paga impostos.
Temos, portanto, sem disfarce, a “colonização”, do
Estado pelos interesses de uma clique de poderosos. E, quando assim é, o Estado
e a política estão próximos de atingir o “grau
zero” …
Remanesce ainda uma questão que diz respeito aos
“nossos” ricos caseiros. Ao que parece, apesar do debate sobre a matéria, que
prossegue por essa Europa fora, “os mais
ricos de Portugal” torcem o nariz à
ideia de pagar mais impostos, quando os trabalhadores e os mais vulneráveis da
sociedade apertam o cinto, em nome do esforço patriótico de recuperação
financeira do País.
Mas os “mais
ricos” de Portugal”, não! A Pátria para eles é o tamanho do respectivo
património, a salvo de impostos em algum paraíso fiscal. Já se sabia – a nossa
burguesia endinheirada é rapace e unhas-de-fome!...Tanto que até dói! Uma
tristeza!...
Apetece mesmo desabafar que para os “nossos” ricos
(como acontece com a relva) são necessárias várias gerações para poderem cultivar alguma categoria…
Façamos votos para que não tenham tempo!
Manuel Veiga
Sem comentários:
Enviar um comentário