E chega a vez das
frutas.
São elas que enobrecem a
impureza dos dentes,
As cavidades ocultas,
Todo o oco do ouro
exibido pelos pobres
Em tempos menos
austeros, em pequenas rodas da fortuna
Que se traz na boca, um
açaime com poder.
Sobre a mesa, olho ainda
as maçãs no escuro de Clarice,
A outra, inaugural,
vermelha, de Sophia, numa pausa em que a
Escrita
Pode ainda derrubar os
cálices de ambrósia na cozinha,
E me põe a mastigar o
sumo das sílabas
Solares.
Porque há sol sublime
E a manhã ainda é um
nome, disse outra poetisa,
Surgindo em colação.
Oh, o sopesar das
laranjas de infância, sugando até à casca.
O fabricar dessa música
dourada
A plenos pulmões,
engasgava-me de vida
Uma tonta criança de
triciclo,
Tão só a pedalar com os
gomos na garganta,
Abrindo pela solidão
adentro uma estrada só de fruta,
Frágeis mãos ao volante,
garoto alucinado,
Caminho divido, pela
penumbra da sala, pela polpa da memória,
Mas escondo eu a faca
que reparte,
E o gume agudo e bruto
A sede de justiça dos pomares,
a balança infantil
Das mãos dos deuses?
Sentado penso melhor, a
sofreguidão fez com que empurrasse o Dia para o sumo,
Apalpo agora o veludo do
pêssego,
Ensino à língua o sabor
do outono, a suave alquimia
Das frutas demoradas,
A melodia intrínseca,
essa aliança de sabores e saliva,
Esse desfazer do eterno
sob o céu rapidíssimo
Da boca.
Armando Silva Carvalho –
“A Sombra do Mar” –
Assírio&Alvim – Março 2017
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