sexta-feira, julho 14, 2017

INTELECTUAIS, UTOPIA E COMUNISMO - Notas de Leitura


INTELECTUAIS, UTOPIA E COMUNISMO
A Inscrição do Marxismo na Cultura Portuguesa
Notas de Leitura

Em edição conjunta da Fundação Calouste Gulbenkian, da Fundação para a Ciência e a Tecnologia e o Ministério da Ciência foi publicada, em Dezembro de 2010, a obra em referência, de autoria de Luís Andrade, professor no Departamento de Filosofia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. No dizer do próprio, a obra reproduz, com pequenas alterações, a dissertação para Doutoramento do autor.

Julgo, no entanto, que o interesse do estudo excede o quadro estritamente académico, pois que, em linguagem clara e acessível, apresenta uma visão aprofundada do processo da “inscrição do marxismo” como “pensamento e demanda” revolucionária, no nosso País, nas opressivas condições do fascismo dos anos trinta e seguintes do século passado.

Como enquadramento geral, podemos assim acompanhar, desde as primeiras páginas, a metamorfose da “ideia revolucionária”, desde os caboucos da Utopia à génese de uma “esperança política revolucionária” expurgada de quaisquer elementos de matriz religiosa que, páginas adiante, se irá exprimir como força material, através da condensação do ideário marxista, impulsionador de acção revolucionária e de combate social e político.

Como é assinalado, este percurso histórico foi empolgante no decurso do século XX, com a criação do Estado Soviético e sucessivas vagas de movimentos revolucionários, inflamados pela expectativa de franquear, após combate abnegado e altruísta, “o prometido pórtico da era áurea da justiça e do bem-estar”.

Ilustrando esta “demanda histórica” em busca “das auroras do Futuro” o autor assinala a circunstância de, na Praça Vermelha, em obelisco erguido após a Revolução do Outubro, se encontravam inscritos os nomes de Thomas More e de Gracchus Babeuf, numa homenagem bolchevista aos percursores do socialismo.    

A demolição do Muro de Berlim e desmoronamento do chamado campo socialista encerrou, ao menos provisoriamente, uma época da história política mundial e o ciclo contemporâneo de “concretizações efectivas” de projectos revolucionários.

No plano nacional, o autor considera o jornal “O Diabo”, publicado em Lisboa, a revista “Sol Nascente”, publicado inicialmente no Porto e depois em Coimbra e o movimento literário e artístico “Neo-realismo”, como estruturantes, não apenas na divulgação do ideário marxista, nas difíceis condições sociais e políticas do País, mas sobretudo do propósito “de unir a vida e o mundo com a sua representação cultural numa identificação recíproca e plena”. Esta plena adesão compartilhada e consciente que enformava directores, redactores das publicações referidas (ou as personalidades do neo-realismo), constituía cimento e esteio fundamentais em vista o objectivo revolucionário e à sua missão de comunistas.

Neste contexto, o autor realça, por exemplo, que apesar das condições adversas, de censura prévia e de perseguição aos comunistas, a revista “Sol Nascente” expos as grandes teses do marxismo-leninismo e procedeu à “explanação metódica e congruente dos fundamentos, imagens, referências da teoria, símbolos e rituais da teoria e prática revolucionária”, em que a sua actividade se inseria.

E, noutro passo, esclarece o autor que o neo-realismo teve em “Sol Nascente” um órgão “de fundamentação, de incentivo e de consagração”, na redefinição da função social do escritor e do artista. Assim, o estatuto atribuído aos intelectuais foi, neste contexto, objecto de “profunda viragem teórica e prática”, mediante a qual “a independência dos intelectuais foi rejeitada, em nome da aceitação da orientação política e teórica do partido do proletariado, bem como da divulgação do pensamento revolucionário, tido por cientifico”.

No dizer do autor, foi o predomínio da instância política, que “conduziu a eleição da orientação da revista Seara Nova como alvo polémico, procurando cindir o campo oposicionista e criar, em consequência, condições para a disputa da sua direcção”. Como, por outro lado, no dizer do autor, “a crítica em algumas das principais figuras da Presença teve lugar a partir de considerações de claro fundo ideológico e político”.

No final das suas quinze teses com que encerra o estudo, o Prof. Luís Andrade considera ser “pertinente colocar-se o problema de saber que relação é possível estabelecer entre o momento fundador da cultura marxista portuguesa nos meios intelectuais e a evolução que conheceu ao longo das décadas seguintes”. E acrescenta que “enveredar pelos percursos que o momento fundador de Sol Nascente encetou constitui, porém, outra investigação”.

Que, do nosso ponto de vista, bem necessária se torna.

M. V.

SEARA NOVA nº 1719 - Primavera 2012

       

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