INTELECTUAIS, UTOPIA E COMUNISMO
A Inscrição do
Marxismo na Cultura Portuguesa
Notas de Leitura
Em edição conjunta da Fundação Calouste
Gulbenkian, da Fundação para a Ciência e a Tecnologia e o Ministério da Ciência
foi publicada, em Dezembro de 2010, a obra em referência, de autoria de Luís
Andrade, professor no Departamento de Filosofia da Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. No dizer do próprio, a obra
reproduz, com pequenas alterações, a dissertação para Doutoramento do autor.
Julgo, no entanto, que o interesse do
estudo excede o quadro estritamente académico, pois que, em linguagem clara e
acessível, apresenta uma visão aprofundada do processo da “inscrição do marxismo” como “pensamento
e demanda” revolucionária, no nosso País, nas opressivas condições do
fascismo dos anos trinta e seguintes do século passado.
Como enquadramento geral, podemos assim
acompanhar, desde as primeiras páginas, a metamorfose da “ideia revolucionária”, desde os caboucos da Utopia à génese de uma
“esperança política revolucionária”
expurgada de quaisquer elementos de matriz religiosa que, páginas adiante, se
irá exprimir como força material,
através da condensação do ideário marxista, impulsionador de acção
revolucionária e de combate social e político.
Como é assinalado, este percurso
histórico foi empolgante no decurso do século XX, com a criação do Estado
Soviético e sucessivas vagas de movimentos revolucionários, inflamados pela
expectativa de franquear, após combate abnegado e altruísta, “o prometido pórtico da era áurea da justiça
e do bem-estar”.
Ilustrando esta “demanda histórica” em busca “das
auroras do Futuro” o autor assinala a circunstância de, na Praça Vermelha,
em obelisco erguido após a Revolução do Outubro, se encontravam inscritos os
nomes de Thomas More e de Gracchus Babeuf, numa homenagem bolchevista aos
percursores do socialismo.
A demolição do Muro de Berlim e
desmoronamento do chamado campo socialista encerrou, ao menos provisoriamente,
uma época da história política mundial e o ciclo contemporâneo de “concretizações efectivas” de projectos
revolucionários.
No plano nacional, o autor considera o
jornal “O Diabo”, publicado em Lisboa, a revista “Sol Nascente”, publicado
inicialmente no Porto e depois em Coimbra e o movimento literário e artístico “Neo-realismo”,
como estruturantes, não apenas na divulgação do ideário marxista, nas difíceis
condições sociais e políticas do País, mas sobretudo do propósito “de unir a vida e o mundo com a sua
representação cultural numa identificação recíproca e plena”. Esta plena
adesão compartilhada e consciente que enformava directores, redactores das
publicações referidas (ou as personalidades do neo-realismo), constituía
cimento e esteio fundamentais em vista o objectivo revolucionário e à sua
missão de comunistas.
Neste contexto, o autor realça, por
exemplo, que apesar das condições adversas, de censura prévia e de perseguição
aos comunistas, a revista “Sol Nascente” expos as grandes teses
do marxismo-leninismo e procedeu à “explanação
metódica e congruente dos fundamentos, imagens, referências da teoria, símbolos
e rituais da teoria e prática revolucionária”, em que a sua actividade se
inseria.
E, noutro passo, esclarece o autor que o
neo-realismo teve em “Sol Nascente” um órgão “de fundamentação, de incentivo e de
consagração”, na redefinição da função social do escritor e do artista.
Assim, o estatuto atribuído aos intelectuais foi, neste contexto, objecto de “profunda viragem teórica e prática”,
mediante a qual “a independência dos
intelectuais foi rejeitada, em nome da aceitação da orientação política e
teórica do partido do proletariado, bem como da divulgação do pensamento
revolucionário, tido por cientifico”.
No dizer do autor, foi o predomínio da
instância política, que “conduziu a
eleição da orientação da revista Seara
Nova como alvo polémico, procurando cindir o campo oposicionista e criar,
em consequência, condições para a disputa da sua direcção”. Como, por outro
lado, no dizer do autor, “a crítica em
algumas das principais figuras da Presença
teve lugar a partir de considerações de claro fundo ideológico e político”.
No final das suas quinze teses com que
encerra o estudo, o Prof. Luís Andrade considera ser “pertinente colocar-se o problema de saber que relação é possível
estabelecer entre o momento fundador da cultura marxista portuguesa nos meios
intelectuais e a evolução que conheceu ao longo das décadas seguintes”. E acrescenta que “enveredar pelos percursos que o momento fundador de Sol Nascente encetou constitui, porém,
outra investigação”.
Que, do nosso ponto de vista, bem necessária
se torna.
M. V.
SEARA NOVA nº 1719 - Primavera 2012
Sem comentários:
Enviar um comentário