Gostava de ser lerdo. A
sério! Muito lerdo.
Passarinhos à janela
logo pela manhã... Piu... piu... piu...
E girofles de infância
no lajedo.
E azuuuul... muito azul
a entrar-me casa adentro.
Como se minha casa fosse
bordel
De sonhos tresmalhados
Ou leilão de calcinha
muito azuliiinhaaaa.
De menina
Muito purinha
Porém, cara...
Ou exibição de meia
preta
De balzaquiana muy casta
…
Ah, gostava de ser
lerdo. A sério. Muito lerdo.
Ser um senhor bem-posto.
E voz timbrada.
Talvez – como se diz? –
Palestrante, é isso!...
Ou então advogado a fazer
poema em dodecassílabo
Tudo muito bem
arrumado...
Gostava de ser lerdo. A
sério. Muito lerdo...
Ser assim como que uma
espécie passarinheiro
De controle remoto. Enfim,
ser esse meu fado
(“Meu fado... meu
fado... meu fado!...”)
E minha sina – passarinha
aqui...
Lambiscadela
acoliiiii!... –
E no final tudo bate
certo: nem a passarinha come
Nem o “Atílio...
atina!”...
Ah, sim! Gostava de ser
lerdo. Muito lerdo...
Habitar altas escarpas!
E ter marinheiros nos olhos. E barcos.
E marés, está claro! E
resmas de sereias
À volta.
E melancólicas noites de
azia.
E esguicho precoce.
E aguardente rasca.
E ser poeta decadentista
Debruçado sobre o
Tejo...
A sério. Gostava de ser
lerdo. Muito lerdo.
Ser analfabeto de
ideias.
E tocador de
bombardino... Pom!... Pom!...
Mas sou este trambolho
lúcido
Este patinho feio
Das letras
A gemer pelas esquinas.
D. Quixote de causas
mortas e
Dulcineias perdidas.
Manuel Veiga
DO ESPLENDOR DAS COISAS
POSSÍVEIS
Poética Edições
22 comentários:
Boa tarde. Adorei. Está com um refinado sentido de humor, pelo menos,
foi assim que entendi. Mas, por vezes, fazemos-nos mesmo de lerdos :)
Hoje do GIL» {Outono. Olho a rua, o jardim, folhas caindo}
Bjos
Final de tarde feliz.
Manuel, pena não teres esta poesia encenada pelo Eduardo Roseira na Livraria Fleuneur, no Porto. Até parece escrita para levar à cena. Fabuloso momento! Faltou a gravação.
Parabéns, amigo.
Beijinho.
Teresa,
foi de facto um bom e divertido momento
o Eduardo Roseira é um extraordinário actor, que deu vida às "desengoçadas" palavras.
... mas aqui nos blogs parece que se perdeu o humor! é tudo gente muitooooo séria!
beijo, amiga
Larissa,
e entendeu muito bem!...
por vezes mais vale ser lerdo!
bem vinda! grato
O seu talento é inquestionável e o senso de humor invejável. Ainda não vi perder uma parada quando deixa sua verve solta.
Muito boa a sua lerdeza! Não lhe falta humor sempre!
Fortíssimo abraço
É... acho que foi seu primeiro poema bem humorado que li!
Estava eu lendo direitinho, "a sério"! Mas...lá embaixo...rs
Mas sou este trambolho lúcido
Este patinho feio
Das letras
A gemer pelas esquinas.
Muito bom, parabéns, A serio!
beijo, Manuel.
Eu adoreeei rs o 'D.Quixote'...
de calças curtas.
Humor imperdível!
( não é atoa que tu és herético)
rs
meu abraço
forte abraço, meu caro José Carlos
grato por teu olhar amigo.
Tais, minha amiga
"a gemer pelas esquinas", tal e qual!
mas também a soltar umas gargalhadas sobre os outros e sobre si próprio!
e, creia-a, também a levar muito sério a vida e a amizade...
(não esqueça que fui advogado rs)
beijo
Lis, minha amiga
D. Quixote de calça curta? mas antes calça curta que fundilhos rotos, né? rss
beijinho (Herético)
Maldita a nossa lucidez ó poeta! E, como se não bastasse, nem sequer temos graveto para a aguardente! Talvez na embriaguez, nos visse a consolação de sermos lerdos e viris alcoois.
Um abraço quixosteco mas nem por isso lerdo
Pata Negra, Majestade
a falta de graveto é mesmo uma chatice!
e a falta de aguardente, claro!
mas não nos faltam noites de azia!
e somos lúcidos, porra!
abraço, sem lerdices, nem lamechecices
Amigo-irmão:grande alegria saber-te... quant@s tant@s já se foram dos blogs... Mas permaneces.
Desde a última vez que apertei por cá... bastante tempo. Vim, vejo um belo e satírico poema. Bom que assim seja, para desarmar as intolerâncias que grassam mundo afora.
Deixo o meu abraço fraterno e carinhoso.
Caro Batista Filho, meu amigo
fico muito feliz por passados tantos anos te recordares este blog
recebo-te com um forte abraço, qual "irmão pródigo" (não filho rss)
espero que regresses e te sintas em tua casa.
abraço caloroso
Bom de mais!!
Porém... nem o lerdo muito lerdo, nem o "patinho feio das letras" seria capaz de desenhar a metáfora, esta alegoria...
Beijinho lerdo, lerdo...
Graça, minha querida amiga
acabo de chegar dos teus presépios,(quase convertido rss) por isso não me metas em assados e em desafios difíceis.
posso ser tentado a fazer-te a vontade... rss
beijos, "santificados"
:)))
Muito bom! Muito bom mesmo!
Adorei ler, um autêntico tratado de humor.
Obrigada, Manuel Veiga.
Abraço
Olinda
Grato, Olinda
pelo seu olhar amável e amigo.
aprecio que tenha gostado
abraço
Aí está! Gosto de rever a encenação poética de Eduardo Roseira. E ... ouço-o perfeitamente. Imperdíveis os olhares de desafio, a mimica e ... as gargalhadas. Os adereços iam todos parar à mesa principal. Tudo, mesmo tudo teve graça.
Ele apenas interpretou a qualidade de um poema invulgar.
Muito bom, amigo MV.
Uma ironia que deu alento ao meu lento folgar. Antes assim que nunca.
Arrumar "caras" e "castas" é tarefa difícil e nobre. Lerdo com o trombone a tocar?
Abraço.
Bem vindo, meu amigo Agostinho
grato pelo teu olhar lúcido
abraço
Um trabalho muito lúcido... mas de alguém que tem uma visão alargada da vida... onde cabe a visão do mundo aos olhos da razão, e do coração... com a dose certa de ironia... com que por vezes é necessária olhar-se para a vida... e desmistificar assim, a seriedade da mesma... que nos oprime e faz definhar por dentro... tantas vezes... e nos tenta transformar em lerdos... conformados... e obedientes... e a desistir das nossas causas... em prole do que parece ser mais fácil e cómodo...
Gostei imenso, Manuel!
Beijinho!
Ana
Virei então num outro dia, com mais tempo, apreciar mais algumas das suas publicações...
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