quinta-feira, abril 26, 2018

SEARA NOVA N.º 1742 - EDITORIAL






Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”. Esta frase lapidar de Bertholt Brecht, cujo sentido último atravessa toda a História, ganha a sua maior força e expressividade, a partir da época moderna, mediante as diversas configurações do sistema capitalista à escala mundial e nas consequentes irrupções de violência e tensão social que, com maior ou menor intensidade, se verificam por todo o Mundo.

Como a sociologia e a psicologia explicam, a violência social, em particular a violência urbana, está estritamente correlacionada com a exclusão e a pobreza. Os excluídos dos benefícios do desenvolvimento económico e social tendem, na sua conduta, a ignorar as fronteiras da sociabilidade e da civilidade, rejeitando os comportamentos padrão e as práticas sociais comuns, dadas como adquiridas, regredindo, em muitos casos, para estádios próximos da barbárie.

Não se pode, pois, com objectividade, ignorar que a violência do Mundo actual, institucionalizada ou não, seja no Médio Oriente, seja no Brasil, quer se exprima como violência de guerra, quer se exprima como violência difusa nas grandes metrópoles, se inscreve no âmago das sociedades modernas e traz sempre no seu bojo a miséria e a pobreza, num ciclo infernal de auto-reprodução, que multiplica os excluídos da sociedade. E, em contra ponto, a mesma matriz de exploração que exclui biliões de pessoas em todo o Mundo dos benefícios da civilização, gera, por outro lado, uma escassa mão cheia de super-ricos, numa escala de concentração de riqueza inimaginável.

De facto, conforme denunciou a ONG britânica Oxfam, por ocasião do último Fórum Económico Mundial, em Davos, as oito pessoas mais ricas do planeta possuem tanta riqueza, (o montante assombroso de 427 biliões de dólares), quanto a metade mais pobre da população mundial, numa proporção de 8 para 3,6 biliões de pessoas. Com a agravante de que esta situação "indecente" que "exacerba as desigualdades", tem tendência para aumentar de ano para ano.
 (…)

Também em Portugal, estudos recentes do Banco Central Europeu (BCE) revelam que o peso da fortuna dos mais ricos no conjunto da economia, ou seja a concentração da riqueza e aumento das desigualdades sociais “é ainda maior do que se julgava”, assinalando que, no caso português, um quarto da riqueza está nas mãos de 1% da população.

Acresce que dados da própria União Europeia revelam que a “pobreza no trabalho”, ou seja, a percentagem das pessoas que trabalham e cujo rendimento disponível fica abaixo do limiar de pobreza tem vindo a aumentar. Assim, se para além do desemprego e dos desníveis salariais entre homens e mulheres, por exemplo, o trabalho não tira as pessoas da pobreza, importa então reconhecer que estamos perante uma sociedade, não apenas injusta, mas que raia a esfera da sua própria desagregação.

Se bem julgamos, face ao aumento da produtividade e do rendimento nacional, importa pugnar por mais justa repartição da riqueza produzida, mediante o aumento dos salários, cuja urgência se impõe como razão de erradicação da pobreza e da exclusão social no País.

E, noutro plano, face aos desígnios de uma governação que se pretende de esquerda, importa também pugnar pela valorização do trabalho, como factor decisivo de socialização e coesão social, o que tem como pressuposto questionar a economia, a empresa, as relações mercantis e o mercado como regulador supremo da economia e da sociedade.”

(Do Editorial)

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13 comentários:

Larissa Santos disse...

Muito bem. Adorei :))

Hoje:- Eis a fonte que nos alimenta alma

Bjos
Votos de uma boa Quinta-Feira

Jaime Portela disse...

Os ricos, muito ricos, deviam pagar muito mais impostos...
Ou então devia haver um tecto para a riqueza... sei lá...
O que sei é que 99% dos ricos roubaram e/ou ainda roubam. As poucas excepções confirmam a regra...
Excelente texto, parabéns ao autor.
Continuação de boa semana, caro Veiga.
Abraço.

José Carlos Sant Anna disse...

Caro amigo,

Excelente texto de abertura da Seara Nova, reconheço "as franjas" desse estilo.
Um incisivo convite para nos debruçarmos sobre o restante do conteúdo da revista.
Bom saber que Zilah Branco contribui com um texto para esmiúçar algumas das mazelas da nossa frágil democracia.
Um forte abraço,

José Carlos Sant Anna disse...

Acento esquisito em esmiuçar. Leia-se sem o acento.

_ Gil António _ disse...

"" Ninguém fala das margens que o comprimem"

Esta frase ficou-me na retina e no pensamento.

* Solidão sentida por uma Ave, cansada. *
.
Um dia feliz

LuísM Castanheira disse...

Do "25 de Abril", visto pelo realizador António Cunha, no 24° aniversário, num filme sucinto, mas objectivo, a partir de arquivos, e que desde essa data, todos os anos, o vem distribuindo, é um instrumento óptimo para quem já nasceu em liberdade e da História desse dia pouco sabe, a partir daqui, informar-se.

Do Editorial da "Seara Nova", muito bom. A destacar: as causas já são sobejamente conhecidas, em espécie por quem as sente na pele.
Só falta a vontade de levar em frente uma verdadeira política que dê ao trabalho a dignificação merecida.
(O voto é uma arma que tem disparado p'ro ar).
Um forte Abraço, Amigo MV.

Graça Sampaio disse...

Muito bem escrito! Mas violente e triste de ler... Repugna ler sobre essas "vergonhas" financeiras embora já saibamos delas... Mau de mais!

Apetece dizer: mundo cão!

Tais Luso de Carvalho disse...


“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”

Essa é bárbara, nunca havia pensado nisso...Nada mais certo.
Beijo, meu amigo.

Olinda Melo disse...


Olá, Manuel

Esse texto aponta os males da sociedade actual de forma clara e contundente. Que os responsáveis por essas situações de desigualdade o leiam e repensem o mundo em que vivemos. Todos nós, cada um à sua medida e dentro do que lhe é possível, devemos contribuir para que as coisas mudem, como se faz nesse editorial da Seara Nova, divulgado aqui pelo nosso amigo.

Obrigada.

Olinda

Agostinho disse...

O texto retrata perfeitamente a realidade vivida no mundo inteiro.
A desregulação económico-financeira a que assistimos nas últimas décadas é a peste negra da nossa era. Até um dia, como nos mostra a história.
Abraço.

Teresa Almeida disse...

Um editorial que merece ser divulgado. Um texto que adverte para a consciência social, para a necessidade de termos capacidade de intervenção e de decisão nos momentos próprios. Para isso se fez a revolução dos cravos.

Boa partilha, caro amigo Manuel.

Beijinho.

Ana Freire disse...

De facto essa frase lapidar... diz tudo... é o sufoco dos direitos e condições de vida, que gera revolta... todas as revoltas...
Magnifico texto, que proporcionou um retratado apurado, deste nosso mundo... até aos dias de hoje...
Beijinho
Ana

Graça Alves disse...

Gostei de ler admirando a pertinência e clareza do texto que retrata com exatidão a realidade.
Todos devíamos meditar nisto...
Bj

  CADÊNCIAS ... 1. Enamoramento das palavras No interior do poema. E a subversão Do Mundo… 2. Cadências mudas. Em formação De concordâncias....