segunda-feira, junho 25, 2018

DO AMOR E DA GUERRA - Biblioteca Ary dos Santos - Sessão Adiada



De acordo com a Editora Modocromia 
e a Direcção da Biblioteca Ary dos Santos
a apresentação foi adiada
para depois do Verão!

(...) "Não, não existe autor. Nem a soberania da palavra. Aquilo que é dito e o interdito confundem-se, sem remissão. De nada serve proferir um nome ou inventar um rosto. Apenas os silêncios são epifania. E, se autor existisse, assumiria então o comando da narrativa, ordenaria os farrapos da memória e o discurso fluiria incessante e cristalino. E o grau zero do inumano ganharia a expressão do absurdo. E a discursividade dos limites e do sofrimento seria uma palavra mordente, declinada em apóstrofe ou blasfémia. Mas não. A palavra fica presa nos liames e nas picadas e nas veredas lodosas e na profusão incessante daquelas águas chocas. O pavor e a raiva e a infinita solidão daquele calvário, as chagas nos pés e todas mazelas e todos os gritos se calcinaram, no rasgar do cansaço sobre os corpos como lâminas de desespero e na sufocante ansiedade de lhe apressar o fim. E embotaram toda energia e resistência. Apenas o cansaço poroso a invadir os sentidos, os olhos moles de sono a fecharem-se, o cachação do camarada que o pior seria adormecer e tombar no lodo, inerte, como morto, fora do tempo e do mundo, numa desistência de absoluto abandono. E a extensa fila de homens, qual centopeia de mil pernas, ligados, derreados, serpenteando a orla da “bolanha” num trilho de indígenas, enquanto a maré sobe e água negra de mil decomposições, fétida, arrastando detritos e todas as sínteses, como o caldo primordial de todos os acasos de vida, esqueletos, carapaças, jacarés apenas olhos seguindo a presa, algas venenosas, insectos, batráquios, vermes, minúsculos seres, quase invisíveis, filando-se na carne dorida, como agulhas finas. Penosos os passos, presos no lodo e o sol derretendo-se no lombo, como bestas. E a água morna a tomar o percurso das pernas e das virilhas, a infiltrar-se no corpo, a dobrar a cintura e atingir as axilas. E os homens de braços erguidos, como numa prece muda, ou castigo, de G3 sobre a cabeça, último reduto de identidade" (...)


7 comentários:

Larissa Santos disse...

Publicação muito interessante!:))

O meu olhar triste, reflecte no coração

Bjos
Votos de um óptima Terça-Feira

Emília Pinto disse...

Foi adiada, mas vai existir e o livro será um sucesso. Quem sabe, não será melhor depois do Verão? As pessoas agora já estão a pensar nas férias, amigo! Muita sorte te desejo. Um beijinho
Emília

Teresa Almeida disse...

O adiamento da apresentação da obra permite-nos ter acesso a esta brilhante página, um rasgão em tempo DO AMOR E DA GUERRA. Um rasgão de memória: “O pavor e a raiva e a infinita solidão daquele calvário…”
Há ainda braços erguidos que não deixam sepultar a história. É dever de cidadania. E quem como tu, meu amigo Manuel Veiga, para deixar que a palavra pique por si mesma?

Sinto-me reconhecida.

Beijo.

LuísM Castanheira disse...

ainda bem.
queria novamente ir e, com o jogo de Portugal, era complicado.

um forte abraço, amigo Manuel Veiga.

Agostinho disse...

Julgo que o autor ganha com o adiamento. Há muita gente deslocada nesta altura do ano.
Eu, por exemplo, ando perdido.
Abraço.

Suzete Brainer disse...

Manuel, meu amigo

O teu livro já é um sucesso e com
certeza em qualquer data será
um momento especial de partilha
da literatura de alto nível.

Votos de mais sucesso e felicidade!!

Ana Freire disse...

Faço minhas as palavras do Agostinho, Manuel!...
Em tempo, de tanta gente já estar de férias... será preferível para depois do Verão... para seu benefício... e se possível... lá para meados de Outubro... entre o começo do ano escolar... e o Natal... digo eu...
Grata pela partilha, de mais um pedacinho, deste seu extraordinário trabalho, Manuel!
Beijinho! E amanhã estarei de volta, por aqui, a apreciar mais alguns posts, com mais tempo!
Ana

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