De acordo com a Editora Modocromia
e a Direcção da Biblioteca Ary dos Santos
a apresentação foi adiada
para depois do Verão!
(...) "Não, não existe autor. Nem a soberania
da palavra. Aquilo que é dito e o interdito confundem-se, sem remissão. De nada
serve proferir um nome ou inventar um rosto. Apenas os silêncios são epifania.
E, se autor existisse, assumiria então o comando da narrativa, ordenaria os
farrapos da memória e o discurso fluiria incessante e cristalino. E o grau zero
do inumano ganharia a expressão do absurdo. E a discursividade dos limites e do
sofrimento seria uma palavra mordente, declinada em apóstrofe ou blasfémia. Mas
não. A palavra fica presa nos liames e nas picadas e nas veredas lodosas e na
profusão incessante daquelas águas chocas. O pavor e a raiva e a infinita solidão
daquele calvário, as chagas nos pés e todas mazelas e todos os gritos se
calcinaram, no rasgar do cansaço sobre os corpos como lâminas de desespero e na
sufocante ansiedade de lhe apressar o fim. E embotaram toda energia e resistência.
Apenas o cansaço poroso a invadir os sentidos, os olhos moles de sono a
fecharem-se, o cachação do camarada que o pior seria adormecer e tombar no
lodo, inerte, como morto, fora do tempo e do mundo, numa desistência de
absoluto abandono. E a extensa fila de homens, qual centopeia de mil pernas,
ligados, derreados, serpenteando a orla da “bolanha” num trilho de indígenas,
enquanto a maré sobe e água negra de mil decomposições, fétida, arrastando
detritos e todas as sínteses, como o caldo primordial de todos os acasos de
vida, esqueletos, carapaças, jacarés apenas olhos seguindo a presa, algas
venenosas, insectos, batráquios, vermes, minúsculos seres, quase invisíveis,
filando-se na carne dorida, como agulhas finas. Penosos os passos, presos no
lodo e o sol derretendo-se no lombo, como bestas. E a água morna a tomar o
percurso das pernas e das virilhas, a infiltrar-se no corpo, a dobrar a cintura
e atingir as axilas. E os homens de braços erguidos, como numa prece muda, ou
castigo, de G3 sobre a cabeça, último reduto de identidade" (...)
7 comentários:
Publicação muito interessante!:))
O meu olhar triste, reflecte no coração
Bjos
Votos de um óptima Terça-Feira
Foi adiada, mas vai existir e o livro será um sucesso. Quem sabe, não será melhor depois do Verão? As pessoas agora já estão a pensar nas férias, amigo! Muita sorte te desejo. Um beijinho
Emília
O adiamento da apresentação da obra permite-nos ter acesso a esta brilhante página, um rasgão em tempo DO AMOR E DA GUERRA. Um rasgão de memória: “O pavor e a raiva e a infinita solidão daquele calvário…”
Há ainda braços erguidos que não deixam sepultar a história. É dever de cidadania. E quem como tu, meu amigo Manuel Veiga, para deixar que a palavra pique por si mesma?
Sinto-me reconhecida.
Beijo.
ainda bem.
queria novamente ir e, com o jogo de Portugal, era complicado.
um forte abraço, amigo Manuel Veiga.
Julgo que o autor ganha com o adiamento. Há muita gente deslocada nesta altura do ano.
Eu, por exemplo, ando perdido.
Abraço.
Manuel, meu amigo
O teu livro já é um sucesso e com
certeza em qualquer data será
um momento especial de partilha
da literatura de alto nível.
Votos de mais sucesso e felicidade!!
Faço minhas as palavras do Agostinho, Manuel!...
Em tempo, de tanta gente já estar de férias... será preferível para depois do Verão... para seu benefício... e se possível... lá para meados de Outubro... entre o começo do ano escolar... e o Natal... digo eu...
Grata pela partilha, de mais um pedacinho, deste seu extraordinário trabalho, Manuel!
Beijinho! E amanhã estarei de volta, por aqui, a apreciar mais alguns posts, com mais tempo!
Ana
Enviar um comentário