terça-feira, setembro 03, 2019

INCAUTOS DEDOS...


O que nos deuses é capricho e majestade
É nos homens esboço de vontade. Apenas.
Nem sequer vibração ou dor
E assim deve ser…

Não te amofines, pois, Lydia. E recolhe
A ruga que te ensombra o rosto.

Repara na glória do salgueiro!
E, no entanto, apenas a sabemos
Porque colhemos, Lydia, do salgueiro, a sua sombra
E a brisa da tarde a bailar
Em teus cabelos…

Deslassemos (em fingimento) os dedos
Que nunca tocamos, nem a polpa conhecemos.
Deslassemos, ainda assim, Lydia, os dedos.
E desatemos o nó das nossas impossibilidades
Que nunca tentamos.

E apartemos águas. Que a mim me bastam
Águas deslassadas e os incautos dedos.
E o lago de teus olhos (adivinhados)…

Mas apressemo-nos! Que a agitação febril
Da tarde (e das coisas que não dizemos)
É o rufar da noite, que se aproxima
E sobre nós tomba…

Manuel Veiga
03/09/2019

Nota: Lydia é uma criação literária de Ricardo Reis





6 comentários:

Larissa Santos disse...

Adorei o poema:))

Hoje:-Numa saudade que supera as maiores ousadias. [ Poetizando e Encantando]

Bjos
Votos de uma óptima Terça - Feira

José Carlos Sant Anna disse...

Caro Manuel,

A! Lídia, ah! Ricardo Reis! Ah, Manuel Veiga! E o desnudar de "vozes"!
O que fazer, então? Urge "apressar-se", meu caro. Sonhar este sonho, viver. E não se deixar perturbar por nenhum ruído estranho. A noite pode ser acolhedora...
Claro, neste prolongamento de Ricardo Reis há uma "impregnação" pela transfiguração do poeta Manuel Veiga!
Abraços, meu caro poeta!

Tais Luso de Carvalho disse...

Que elegância de poema, meu amigo!!
Muito bonito...é para ler várias vezes.
Aplausos meus.
Beijo, uma ótima semana.

"O que nos deuses é capricho e majestade
É nos homens esboço de vontade. Apenas.
Nem sequer vibração ou dor
E assim deve ser…"

Olinda Melo disse...


Caro Poeta

Comentar este Poema é "obra", pela carga emocional que carrega e nos leva a querer fazer parte dele. Cada verso é uma declaração completa e do seu conjunto saímos meio atordoados.

Perfeito!

Abraço

Olinda

Jaime Portela disse...

Confesso que não sei comentar poemas deste "calibre". O que sei, porque o sinto, é que a memória do poeta vai perdurar mesmo após a noite tombar...
Este poema é um bom exemplo da excelência da sua obra, seja sob a forma de poemas ou em prosa.
Caro Veiga, continuação de boa semana.
Abraço.

Teresa Almeida disse...

Supera-se o poeta em tardes febris. É forte o apelo dos sentidos ... e a proximidade que a sombra do salgueiro provoca deslassa-se entre os dedos... mas a chama não quebra: apressemo-nos, Lydia ...

É, simultaneamente, intenso e suave. É um poema com movimento. Saímos atordoados, como diz a Olinda.

Beijos.

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