terça-feira, outubro 15, 2019

SEARA NOVA - 98 ANOS - 1921-2019

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Fundadores da SEARA NOVA 

O primeiro número da Seara Nova foi publicado no dia 15 de Outubro de 1921, numa época conturbada, de desastre colectivo, em que pontuavam enormes desigualdades socais, consideráveis atrasos económicos, interesses inconfessáveis das clientelas e de oligarquias plutocráticas, baixo nível cultural da população, ausência de valores e de preocupações éticas na camadas dominantes, regime político de mentira e incompetência, alastramento da corrupção entre os detentores dos poderes, privilégios escandalosos destes últimos. Um quadro em tudo semelhante ao dos nossos dias.
Os fundadores da Seara Nova - Aquilino Ribeiro, Augusto Casimiro, Azeredo Perdigão, Câmara Reys, Faria de Vasconcelos, Ferreira de Macedo, Francisco António Correia, Jaime Cortezão, Raul Brandão e Raul Proença - opunham-se ao que designavam de "desastre colectivo" e pugnavam pelos valores da inteligência, da cultura, da ética, da justiça e do progresso. No editorial do primeiro número da revista escrevia-se: "...a Seara Nova não pode proceder... como se uma maior justiça social não fosse possível... como se o socialismo não representasse uma promessa de realização dessa justiça. Todas as suas simpatias vão, pois, para os que lutam, dentro da ordem, dos métodos democráticos e desse espírito de realidades sem o qual são inteiramente ilusórias quaisquer reformas sociais, pelo triunfo do socialismo".
Ao longo destes quase 100 anos de existência, pelas páginas da Seara Nova passaram muitos colaboradores, assinando páginas de grande qualidade, como (de entre os já falecidos) Adolfo Casais Monteiro, Agostinho da Silva, Alberto Vilaça, Alexandre Cabral, Alves Redol, Armando Castro, Augusto Abelaira, Bento de Jesus Caraça, Blasco Hugo Fernandes, Fernando Lopes Graça, Fernando Namora, Francine Benoît, Francisco Pereira de Moura, Gago Coutinho, Gilberto Lindim Ramos, Hernani Cidade, Irene Lisboa, Rodrigues Miguéis, José Saramago, José Gomes Ferreira, Magalhães Godinho, Magalhães Vilhena, Manuel Mendes, Manuel Machado da Luz, Mário Azevedo Gomes, Mário Sacramento, Mário Sottomayor Cardia, Mário Ventura, Jorge Peixinho, Jorge de Sena, Rogério Fernandes, Rui Grácio, Sarmento de Beires, ou Vitorino Nemésio. Intelectuais de grande valor. Homens de carácter. Homens cuja moral está espelhada nesta frase do editorial do primeiro número da revista: "Em democracia quem mente ao povo é réu de alta traição".
Esse mesmo editorial terminava com a aspiração de que ainda hoje a Seara Nova comunga: "Possam os homens de boas intenções de todas as Pátrias erguer um dia, sobre um mundo que ainda hoje se debate em miseráveis disputas nacionalistas, o arco-de-aliança duma humanidade justa e livre, realizando na paz vitoriosa as conquistas da inteligência e da vontade desinteressada!".
A Seara Nova foi sempre um espaço de diálogo, de abertura às ideias do progresso, de rigor ético, de investigação e de divulgação cultural.
Embora tivesse passado por alguns períodos de hegemonia de grupos ideologicamente mais restritos, o traço saliente da Seara Nova e que caracterizou os seus momentos mais conseguidos foi a sua grande abertura à cultura e à unidade pelos ideais progressistas, criando esse fenómeno ímpar que se tem designado por "espírito seareiro".
No final da I República, a Seara Nova foi uma "pedrada no charco" daquele desastre colectivo, elevando-se pelo seu valor intelectual e, desde logo, alertando e denunciando os perigos do advento da ditadura. A Seara Nova foi ideológica e culturalmente antifascista e até antes da ditadura fascista estar implantada em Portugal.
Na Resistência ao fascismo, a revista, mesmo quando gravemente mutilada pela censura, foi um farol democrático e espaço de elevadas polémicas e de valiosas colaborações de toda a intelectualidade progressista. A partir da década de 60 do século XX atingiu mesmo o estatuto de grande revista da Resistência antifascista, mantendo o seu forte pendor cultural. E neste plano teve importante papel directo em momentos altos da luta democrática e de resistência ao fascismo, como eleições de Humberto Delgado, Congressos da Oposição Democrática de Aveiro ou campanhas eleitorais das CDE's.
A Revolução de Abril entrou pela Seara Nova dentro, a começar no entusiástico e prudente editorial de Maio de 1974, redigido por José Saramago. Mas as condições da sua circulação alteraram-se. Deixou de haver espaço para ser "a revista da oposição democrática".
Porém, nos anos 80 do século passado e tendo em conta a situação gerada no País pelo sucessivo prosseguimento de políticas hostis à dignidade do Povo português, pela acentuada perda de soberania nacional, pelo retomar de condições de exercício do poder similares às que determinaram a fundação da revista, pela deriva neoliberal e pela submissão do poder político ao poder económico, a Seara Nova renovou o seu projecto como revista cultural e democrática, apostada nos valores da democracia, do progresso, da justiça social, da solidariedade e da Paz e arrimada no espírito seareiro, princípios que continua a perseguir.
Ao longo da última década, cerca de 300 homens e mulheres empenhados na realização daqueles princípios e numa sociedade mais justa honraram a Seara Nova com as suas valiosas colaborações. Gente das mais diversas áreas do saber e do conhecimento, que não se resignam perante as injustiças, a mesquinhez e a mentira e que ajudam a fazer da Seara Nova um ponto de encontro de ideias desenhadoras do futuro e do aprofundamento dos valores democráticos e culturais.
Estabilizada a situação da Seara Nova, através do apoio da Associação Intervenção Democrática - ID, sua actual proprietária, a Seara Nova tem saído com regularidade e assegurado o cumprimento da sua periodicidade trimestral, com uma atenção constante e selectiva às grandes questões nacionais e internacionais.

C.d.R/Seara Nova

4 comentários:

José Carlos Sant Anna disse...

A Seara Nova é motivo de orgulho para aqueles que lutam pelos ideais de liberdade e igualdade entre os homens.
Não podemos descansar na defesa dos valores e princípios que norteiam a publicação da quase centenária revista. Devemos,sim,nos manter vigilantes e trabalhar para que o curso da história não se interrompa.
Parabéns àqueles que mantêm esta chama acesa.

Olinda Melo disse...


A "Seara Nova" apareceu realmente num momento crucial, em que necessário se tornava ouvir vozes esclarecidas contra a torrente de insanidades que inundava a Primeira República. E em boa hora. Vemos como a intervenção de intelectuais na vida da Sociedade pode constituir uma mais-valia a todos os níveis.

A sua exposição, caro Manuel Veiga, é clara e elucidativa. Dá-nos uma visão precisa do trabalho realizado nesses anos todos por pessoas de valor, uma plêiade de eminentes figuras da cena nacional.

E essa grande tarefa de dedicação e saber continua, na actualidade, com a acção de Dignos Colaboradores que não deixam morrer essa obra de grande mérito.

Abraço

Olinda

Elvira Carvalho disse...

Gostei de ler. Tive ocasião de ver dois números na casa museu Fernando Pessoa.
Abraço

Jaime Portela disse...

Ontem, 4ª feira/16 Out, às 00:20 horas, na RTP Memória, passou um documentário interessantíssimo de cerca de 1 hora sobre a "Seara Nova". Vale a pena ver.
Caro Veiga, continuação de boa semana.
Abraço.

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