sexta-feira, fevereiro 28, 2020

FECUNDAS SERÃO AS RAÍZES...


Fecundas serão as raízes no coração dos homens
Onde a delicada flor se incendeia
E as bocas ardem na busca milenar
Dos dias solares...

E da justiça. E o gesto puro de colhê-la …

Antes, porém, ainda o cântico da terra revolvida.
E o sangue e a dor.
E mil abris desfeitos.

E os inflamados ventres da fome.

E o grito das flores decepadas pelo caule
E os dias ardidos. E o voo quebrado das asas
E dos homens.

E todas as estradas de Damasco
E a aridez de todos desertos.

A vertigem dos sons virá, porém, atroar os ares
Trombetas precursoras da grande catástrofe
Onde se desempenhem os deuses
E todos os heróis de outrora
E a luz e as trevas.

E os negrumes e as sedes de agora.

E toda a História será vã.
E todos os símbolos.

Fecundas serão então as raízes.
E a Pátria dos homens. E ardente o coração
Das trevas. Resgatadas.


Manuel Veiga

6 comentários:

Jaime Portela disse...

"E toda a História será vã", na verdade.
Excelente poema, parabéns pelo talento que estas palavras revelam.
Caro Veiga, um bom fim de semana.
Abraço.

vieira calado disse...

Muito bom!

Saudações poéticas!

Teresa Almeida disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Olinda Melo disse...


Caro Poeta

Poderia dizer que este Poema, na sua magnificência, soa a escatológico, quase a previsão do fim do mundo e da Humanidade.

Contudo, todo o seu conteúdo nos leva à apreensão da terrível realidade deste nosso mundo cada vez mais à deriva, em que sonhos e ideais são desfeitos, barrigas de fome a invadir-nos, e aqueles que tomam decisões perseguem apenas os seus interesses, encaminhando-nos para um fim nada feliz.

Mas voltemos ao primeiro e ao último grupos de versos: Depois de passarmos por todas as privações e catástrofes há ainda a esperança de que nos corações dos homens nasçam flores e que com elas povoaremos o nosso jardim, pleno de dias solares. Resgatando-nos.

Obrigada, Manuel Veiga, por mais este momento poético, em que mostra
sobejamente que uma das missões da Poesia reside na necessidade de
alertar, com arte.

Abraço

Olinda

Teresa Almeida disse...


Percorro a hecatombe em que fervilham as tuas palavras e subscrevo a frase da nossa amiga Olinda Melo " uma das missões da Poesia reside na necessidade de alertar, com arte".

Detenho-me, também, nos versos promissores que abrem e fecham o poema.
Um poema que vou guardar comigo.

Meu apertado abraço.

Ana Freire disse...

Que se percam as folhas... mas nunca as raízes... que nos recordam quem somos...
Um profundo e arrebatador momento poético, que adorei apreciar e descobrir, por aqui!
Beijinho
Ana

ESCULTOR O TEMPO

Escultor de paisagens o tempo. E estes rostos, onde me revejo. E as mãos, arados. E os punhos. Em luta erguidos…  S ons de fábrica...