sábado, fevereiro 22, 2020

Mesmo Não Sendo ...


Tudo na vida é perecível, Lydia.
E nós com ela. Repara que até o voo do milhafre
Se entardece.

Deixemos, pois, que a tarde tombe
E serenos que noite seja. E o amanhã
Amanheça sol. Ou que seja nevoeiro ou sombra.

Nem por isso deixarei
De sentir a suavidade de teu cabelo
Em minha face.

Nem de sorver o beijo
Que guardamos. Nem os ecos.

Colhamos o perfume, Lydia. Apenas.
E amaciemos o fervor (e o furor)
E não desejemos mais
Do que a vida quer…

E estejas onde estejas, ambos seremos
Mesmo não sendo…


Manuel Veiga

Nota: Lydia é uma criação literária de Ricardo Reis




7 comentários:

Boop disse...

"E estejas onde estejas, ambos seremos
Mesmo não sendo…"
ou como se ama o ausente!
Muito bom!

Olinda Melo disse...


E já que aqui estou, vinda da história de Manuel Maria, tinha de ler este bela construção poética. E com muito prazer, afirmo-o.
Quem não gostaria de aproveitar da vida apenas a parte mais leve e perfumada? Perante a passagem do tempo, inexorável, reter os momentos mais belos e surpreendentes? Ah, como é lindo pensar um mundo assim.

Poema lindo, meu amigo Manuel Veiga.

Abraço

Olinda

Tais Luso de Carvalho disse...

Sim, num dado momento tudo terá um final dramático, sempre teve. Assim é a vida. É ótimo ignorarmos quando partiremos para não sei onde. Ou para o nada.
Mas como você disse, enquanto houver 'o sol após as noites', vamos tocando a vida no que ela tem de melhor a nos oferecer. Mas se pararmos para pensar no nosso futuro meu amigo Manuel... é o mesmo que morrer aos poucos. Estou sendo meio dramática (rs), mas pensei assim lendo os dois primeiros versos de seu belo poema.
Beijo, meu amigo, uma boa semana.

"Deixemos, pois, que a tarde tombe
E serenos que noite seja. E o amanhã
Amanheça sol. Ou que seja nevoeiro ou sombra."


Graça Pires disse...

A Lydia observa contigo tudo o que deslumbra o teu olhar e ouve os ecos e o perfume das palavras mais que perfeitas com que a invocas…
Uma boa semana, meu Amigo.
Um beijo.

Teresa Almeida disse...

"E não desejemos mais
Do que a vida quer…"

A poesia caminha e aninha-se nos mais recônditos sentires. Este poema vive, assim, de ecos, de perfumes de desejos e de uma certa aceitação. Também me parece que muitos poetas escrevem a um amor que nunca existiu. Talvez sua angústia existencial encontre algum lenitivo em escrever o seu pulsar a um ideal inalcançável. Aliás o ser humano é, naturalmente, insatisfeito.
Este rasgo poético levou-me por aqui, embora saibamos que a escrita do nosso poeta Manuel Veiga é fluente, sensível, profunda e multifacetada.

Beijos, meu amigo.

Marta Vinhais disse...

A vida e os seus momentos obscuros, densos, doridos... Quem não gostaria de ter só o Sol a descrever-se na pele?
Lindo...
Obrigada pela visita
Beijos e abraços
Marta

José Carlos Sant Anna disse...

Sei que não posso importuná-la porque esta é a tua Lydia. Mas sentia a sua falta... É tão bom vê-la nesta cumplicidade com o poeta... Fica a impressão de que as horas se prolongam com ela tão perto...
Um abraço, caro Manuel!

ESCULTOR O TEMPO

Escultor de paisagens o tempo. E estes rostos, onde me revejo. E as mãos, arados. E os punhos. Em luta erguidos…  S ons de fábrica...