terça-feira, março 17, 2020

RUMOR ÍNTIMO...


Arrasta o canto itinerários de água
Caligrafia oculta que os gestos percorrem
Em fervor dos dias. E se desenham no rosto inconformado
Da hora. Solstícios passados embora e o calcário
E a sombra a articularem a matriz.
Estalactites de sangue a irromperem
Como raízes abandonadas. Fio apenas
A crescer nos dedos e a dar forma
À subtil condensação que se ergue
Na rota do peito onde desagua – canto ainda.

E em rebeldia se desnuda.

Litania agora. E sobressalto e mágoa
A tatuar sinais e a exorcizar o tempo
Escasso. Ponto de redenção e fuga –
Sopro e voo. E grão na voz a subir
Na garganta. E a marca de água
Em que o poeta se inaugura.

Grão de fogo.
E rumor íntimo.

Manuel Veiga





8 comentários:

" R y k @ r d o " disse...

Poema de uma sedução ímpar. Gostei muito do entrelaçar dos versos, os quais, nos embalam e elevam a um patamar poético numa simbiose erótica exemplar. Muito belo

Abraço poético

Teresa Durães disse...

Não sei o que dizer nos dias de hoje, deveria ser sensível, lamento

Cidália Ferreira disse...

Mais um fantástico poema! Adorei...
-
Nesta senda feita de curvas e rectas
-
Beijos e uma excelente noite!

Olinda Melo disse...


Que o canto persista, mesmo que os dias e as
circunstâncias se mostrem menos solares. Que as
estalactites recuperem a alvura e as suas
raízes de magia milenar. E tudo no rumor íntimo
encontre espaço para se espraiar em louvor à
vida.

Poema belíssimo, caro Manuel Veiga.

Abraço
Olinda

Emília Pinto disse...

O " tempo é sempre escasso", mas por vezes fazemos com que pareça mais escasso ainda" não vivemos tempos fáceis e há que reflectir neles, agora que o tempo já, de escasso não tem nada. Aproveitemo.lo para pensarmos na inutilidade da correria que temos feito , no pouco tempo que destinamos ao amor, ao carinho, ao afecto, no tanto que conseguimos amealhar com tamanha sofreguidão e que, agora, de um momento , vemos que não valeu de nada ; de repente ficamos impotentes perante um inimigo desconhecido, aparentemente insignificante mas que nos está a arrasar com o seu poder estrondoso.Achavamo-nos intocaveis, usavamos e abusavamos des recursos oferecidos pela natureza e agora? Agora, Manuel, creio que o comportamento humano vai mudar para melhor: as bruxas vão continuar a existir, voando ou não em vassouras, mas vão ser mais cuidadosas e não vão precisar de nos assustar tanto, porque depois desta crise ficaremos imunes e pouca coisa será capaz de nos tirar o sono. Amigo, espero que estejam todos bem por aí e que as bruxas não se aproximem; nunca sabemos do que são capazes. Um beijinho e boa noite
Emilia






Teresa Almeida disse...

A poesia verte-se, assim, como lenitivo e fulgor íntimo.
E o poeta não abranda.

Parabéns, amigo Manuel.

Um beijo.

Canto da Boca disse...

Eu mesma não nego, apesar do risco...

José Carlos Sant Anna disse...

Caro Manuel,
este rio não cessa de crescer e nunca nos banhamos na mesma água. Por isso sempre estamos mergulhados nele. Quanto é bom saber que igualmente este rumor íntimo também se renova sempre!
Um abraço, caro Mamigo!

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